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São Paulo, domingo, 20 de abril de 2003

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TRIBUTÁRIA

Redução dos tributos em cascata e da autonomia dos Estados foi aplicada pelo ministro Octávio de Bulhões em 65

Reforma de militares inspira a de Lula

GUSTAVO PATÚ
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A reforma tributária proposta pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva tem uma fonte de inspiração que a muitos pode parecer inusitada: a reforma promovida em 1965 pelo regime militar, sob o comando de economistas de pensamento liberal.
Redução da autonomia dos Estados, fim da guerra fiscal por investimentos, redução dos tributos que incidem em todas as etapas do processo produtivo, desoneração das exportações e equilíbrio das contas públicas -os princípios apresentados há 38 anos pelo então ministro da Fazenda, Octávio Gouvêa de Bulhões, são repetidos hoje pelo petista Antonio Palocci Filho.
Trata-se de mais que simples coincidência ou promiscuidade ideológica. Especialistas concordam que a reforma dos militares criou um sistema de impostos moderno e até inovador para a época, contribuindo, mais à frente, para as taxas recordes de crescimento no período do "milagre econômico".
Não é improvável que venha daí a crença nacional em reformas tributárias capazes de tirar o país do atoleiro, propulsora de dezenas de projetos nesse sentido nos últimos anos. A experiência mostra, porém, que a tarefa é muito mais difícil sob ares democráticos. Não é por outro motivo que as ambições de Lula são bem mais modestas.
Nos tempos de Bulhões, que administrava a economia ao lado de Roberto Campos (Planejamento), tecnocratas podiam aplicar livremente os modelos que desenhavam em suas pranchetas. Pouco importavam as demandas de governadores, o impacto na opinião pública, o Congresso -que sancionou em menos de dois meses a reforma "proposta" em 65.

Inovação e autoritarismo
Foram criados dois impostos, o ICM (hoje ICMS) e o IPI, que indiciam sobre o valor agregado, ou seja, descontavam da tributação o custo de produção das mercadorias. O mecanismo, hoje consagrado por evitar a cumulatividade, era quase inédito então. Quase toda a Europa o adotou depois do Brasil.
O regime autoritário impôs uma alíquota uniforme para o ICM, impedindo que Estados oferecessem benefícios para a atração de empresas. A União passou a centralizar as principais decisões sobre a tributação, para harmonizá-las com o seu projeto econômico.
Lula, um admirador declarado do espírito de planejamento dos militares, participou, como deputado, da reforma tributária seguinte, promovida pela Constituição de 88. Nesse caso, porém, os objetivos eram outros: ampliar a autonomia de Estados e municípios e reduzir o peso federal no bolo tributário -em outras palavras, um novo pacto federativo compatível com a redemocratização do país.
A estrutura de impostos de 65, basicamente mantida, passou a revelar problemas de adaptação à nova era. Enquanto nos países desenvolvidos a regra é manter o principal tributo sobre o consumo na competência federal, o ICMS estadual brasileiro abriu caminho para uma infinidade de legislações e alíquotas diferentes. Nos anos 90, quando o país recebeu uma nova onda de investimentos externos, a guerra fiscal voltou com força.
Mais: o desenvolvimentismo do regime militar deixou entre suas sequelas um Estado em severa crise financeira, cujos sinais mais evidentes foram a moratória da dívida externa e uma inflação galopante. Foi nesse cenário que o governo federal se viu forçado a recompor sua arrecadação.

Contribuições
A saída mais fácil deixada pela Constituição de 88 era lançar mão das chamadas contribuições sociais, cujas receitas não precisam ser compartilhadas com governadores nem com prefeitos. As siglas criadas desde então são velhas conhecidas hoje: Cofins, CSLL, CPMF, Cide.
Em busca de novas bases para a taxação, foi abandonado o princípio de 65 segundo o qual a cumulatividade deveria ser evitada. A Cofins incide sobre o faturamento; a CSLL, sobre o lucro líquido; a CPMF, sobre a movimentação bancária. Em resumo, tributam toda a cadeia produtiva.
As tentativas de nova reforma começaram no governo Collor, quando o país ingressou na era batizada de "neoliberal".
A debilidade política do presidente, no entanto, não permitiu mais que a elaboração de projetos por uma comissão de especialistas.
O governo Fernando Henrique Cardoso foi iniciado com um projeto ambicioso, baseado na substituição do ICMS por um IVA (Imposto sobre Valor Agregado) federal. Mas a crise nas contas públicas, agravada pelo Plano Real, levou a equipe econômica a preferir a receita garantida das contribuições sociais.
Lula ressuscitou, como prometeu na campanha, a bandeira da reforma tributária.
Mesmo retomando os princípios de 65, sofre limites políticos e econômicos: propõe unificar a legislação do ICMS, mas não há consenso para mudar a cobrança do imposto; propõe eliminar a cumulatividade da Cofins, mas não pode abrir mão da CPMF.


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