São Paulo, quarta-feira, 20 de abril de 2005

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ELIO GASPARI

Lula e sua diplomacia da canelada

Se ninguém fizer nada, antes do fim do seu primeiro mandato, Lula incompatibiliza o Brasil com boa parte do mundo. Logo ele, que é uma figura biograficamente estimada. Formado nas lutas sindicais e no oposicionismo retórico, Lula habituou-se a entrar nos plenários jogando em todos os conflitos. Reforma agrária? Já. Calote? Sempre. Maioria parlamentar? Trezentos picaretas. Todas as bobagens que disse ao longo de três décadas não produziram um contencioso maior do que lembranças inoportunas. No poder, a história e os riscos são outros.
Nas relações internacionais, exercício de uma agenda compulsiva leva a desastres. Humilhada, a candidatura brasileira à presidência da Organização Mundial do Comércio já foi a pique. A pretensão herdada de FFHH de uma vaga cativa no Conselho de Segurança da ONU azedou. (Justiça seja feita, azedou pelas restrições feitas ao Japão e, em certa medida, à Alemanha.) As relações do governo brasileiro com o da Argentina nunca estiveram piores, desde que os dois países têm presidentes civis.
Se tudo isso fosse pouco, Lula resolveu se jogar na disputa pela secretaria geral da Organização dos Estados Americanos. A OEA é uma esplêndida inutilidade. Serve para empregar amigos y amigas. Sua secretaria-geral vagou porque o titular, o ex-presidente da Costa Rica Miguel Angel Rodriguez, renunciou para se defender, em seu país, de um escândalo de ladroagens.
Há dois candidatos ao lugar: o ministro do interior do Chile, Jorge Miguel Inzulza, e o chanceler mexicano Luis Ernesto Derbez. Já se realizaram cinco votações e os dois estão empatados com 17 votos cada um. Lula apóia o chileno. Até aí é o jogo jogado. O Brasil precisava escolher um entre dois candidatos e, sem ofensa, ficou com Inzulza. Eis que o companheiro almoça com seu colega chileno Ricardo Lagos e promete sair em campanha, ajudando seu candidato. Novamente, é o jogo jogado, admitindo-se que o presidente brasileiro não tenha coisa mais importante para fazer. Foi então que Lula prometeu:
"Vamos falar com muita gente porque a OEA merece o melhor".
Precisava desqualificar o candidato mexicano? Ganha uma viagem a Cuba quem achar uma declaração semelhante partida dos chilenos. É a diplomacia da canelada, que Lula aprendeu nos corredores da Delegacia Regional do Trabalho com patrões que combinavam uma coisa e faziam outra. Hoje, seus parceiros e seus adversários são outros. Se porventura o candidato chileno prevalecer, Lula terá colocado algumas gotas de mágoa no pote das relações com o México.
Não há na OEA uma disputa entre o pior e o melhor. Há, no máximo, um choque de pontos de vista. O candidato brasileiro à presidência da OMC ficou na lanterna do apronto e foi retirado do páreo. Isso não significa que ele ou Lula tenham sido considerados piores que os sobreviventes.
A diplomacia da canelada começou em 2003. Depois de uma reunião da OMC, Lula disse que deu "uma trucada" nos países ricos. Em outubro do ano passado, quando resolveu disputar a presidência da organização, o chanceler Celso Amorim, desqualificou o candidato uruguaio Carlos Pérez del Castillo. Disse que sua atuação na Conferência de Cancun "não teve futuro", expressão que não quer dizer nada, mas que não quer dizer boa coisa. Segundo Amorim, Castillo "desgostou muito os países em desenvolvimento". Numa patifaria do multilateralismo, o companheiro poderá ser obrigado a escolher entre Castillo e o duque do protecionismo europeu, o francês Pascal Lamy.


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