São Paulo, quarta-feira, 20 de abril de 2005

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TODA MÍDIA

NELSON DE SÁ

O contraste

Um frade do mosteiro de São Bento, em São Paulo, reclamou na CBN de chamarem Bento 16 de "conservador". Descreveu o cardeal Joseph Ratzinger, pelo contrário, como "inovador".
Aqui e ali, das rádios e TVs no Brasil aos sites de jornais nos EUA e na Europa, ainda se procurou apresentar o novo papa em tintas contidas, logo depois da fumaça branca.
Mas, aos poucos, a começar dos jornais britânicos, que não são de meias-palavras, estabeleceu-se um perfil quase extremista para Bento 16.
Nos canais de notícias, a BBC World saltou na frente, falando de cara em "arquiconservador" -e repisando que Ratzinger "usou" a posição na Congregação para a Doutrina da Fé, "antes chamada de Inquisição", para "condenar o homossexualismo e a contracepção". E o pior, de bate-pronto:
- Foi membro da Juventude Hitlerista.
Não deu a justificativa do próprio, de que foi "compelido". Só jogou a informação.

 

No Brasil, Folha Online e Band News, entre poucos, descreviam o cardeal como "ultraconservador" que "reprimiu teólogos" e foi soldado do exército alemão de Hitler.
E os britânicos "Guardian" e "Financial Times" eram particularmente violentos, ao tratar das passagens nazistas na adolescência.
Segundo o primeiro, o cardeal "tem se defendido argumentando, de forma não estritamente verdadeira, que não poderia ter evitado o serviço militar naquelas circunstâncias". Mas "outros o fizeram".
Segundo o "FT", sobre a experiência na Juventude Hitlerista, "ele tem dito que, apesar de se opor aos nazistas, não era possível resistir abertamente -argumento questionado por alguns historiadores".
 

Não demorou para surgirem relatos de Israel.
A mesma BBC noticiou que o analista da TV estatal israelense saiu dizendo que "não há dúvida de que Ratzinger tem uma certa mancha no seu passado". O site do jornal "Haaretz" logo acrescentou:
- Apesar de nunca se ter sugerido que Ratzinger estivesse envolvido nas atrocidades nazistas, existe um contraste entre a sua história na Segunda Guerra e a do predecessor, João Paulo 2º, que participou de ações antinazistas.
Mais algumas horas e começaram a aparecer, pela web, despachos de agências como a americana Associated Press, sob o título "Alguns judeus em Israel suspeitosos do papa".
Por outro lado, o site do "Jerusalem Post" recorreu à biografia produzida pelo célebre vaticanista John Allen, lançada há três anos, para questionar com fervor as críticas ao novo papa, sob o título "Ratzinger nazista? Não acredite".
 

Mas o estrago estava feito. "New York Times" e "El País", entre tantos que haviam iniciado a cobertura on-line de forma respeitosa e formal, passaram a dar sinais crescentes de desconforto com o novo papa.
Em sua página inicial, o "NYT" entrou com texto no final da tarde opondo os que "se regozijaram" com a eleição aos que se mostraram "abertamente aflitos".


Na BBC, em meio à controvérsia sobre as relações com o nazismo, a imagem do jovem Ratzinger (à esq. na foto)


Independência
Na falta do que comentar, a cobertura, aqui como no exterior, se estendeu sobre o significado do nome, Bento 16.
O "Washington Post" e até a CBN vislumbraram "ato de independência", a diferenciá-lo dos anteriores, inclusive do mais recente. Outros, mais esperançosos que convictos, diziam que ele pode seguir os bons modelos do último Bento, "conciliador", ou do primeiro, "evangelizador da Europa".

"Mais radical"
Em entrevistas à Band, ao vivo, ao UOL, à BBC Brasil e à agência italiana Ansa, o teólogo Leonardo Boff, punido por Ratzinger, não escondeu sua contrariedade com a escolha.
Disse que Bento 16 será "talvez mais radical" que João Paulo 2º, no conservadorismo, porque "tem o pensamento muito claro, mas sem cordialidade".
Boff, muito antes da punição, foi seu aluno.

Erosão 1
O "New York Times" trouxe longa reportagem relatando a "tendência" dos europeus, em especial dos jovens, de se afastar da Igreja Católica.
Pesquisa entre universitários espanhóis, destacada como exemplar do continente, registra que só 45% se dizem católicos -contra 80%, em toda a população. Pior, a Igreja é citada como a instituição com a menor credibilidade.

Erosão 2
O "Financial Times", de sua parte, fez o mesmo longo perfil sobre a "erosão" na influência da Igreja Católica, só que na América Latina. Imagem lançada por um historiador da religião da universidade de Houston, no Texas:
- No [próximo] domingo, no Brasil, haverá mais protestantes indo aos cultos do que católicos indo às missas.

@ - nelsondesa@folhasp.com.br

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