São Paulo, segunda, 20 de abril de 1998

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ENTREVISTA DA 2ª
"Re-reeleição' de Menem pode influenciar Brasil, diz analista



"Se Menem conseguir seu terceiro mandato e Fujimori também, isso cria um antecedente que pode estabelecer em outros países da região tentativas similares"
LÉO GERCHMANN
de Buenos Aires

A possibilidade de uma segunda reeleição do presidente Carlos Menem, da Argentina, em 1999 deverá ter reflexos na América Latina e na política brasileira em 2002, com um comportamento similar do presidente Fernando Henrique Cardoso.
A opinião é do historiador, advogado e jornalista Rosendo Fraga, 46, tido como um referencial entre os analistas políticos argentinos, autor de 25 livros sobre temas políticos, históricos e de estratégia militar e colaborador dos jornais "La Nación", "Clarín", "El Cronista" e "Ámbito Financiero".
Fraga fez uma análise político-eleitoral da atual situação argentina, em entrevista concedida à Folha, na última quinta-feira.
O analista político argentino estabeleceu uma relação entre as manobras de Menem para permanecer no poder e a situação dos demais países. Uma das suas principais conclusões foi de que seria bastante lógica a criação de uma tendência.
A Constituição da Argentina prevê a possibilidade da reeleição, mas apenas uma vez, o que já ocorreu. Menem, agora, procura abrir caminho para a segunda.
O presidente argentino tenta, por duas vias, possibilitar a sua permanência no poder: uma é a judicial, pela qual procura mostrar que o seu primeiro mandato não pode ser levado em consideração (a reforma constitucional que estabeleceu a reeleição ocorreu na ocasião em que ele foi exercido).
A outra tentativa é pela via legislativa, com uma nova reforma constitucional que não preveja teto para o número possível de reeleições.
"Se Menem consegue um terceiro mandato consecutivo em 1999 e Fujimori (o presidente peruano Alberto Fujimori) também no ano 2000, isso cria um antecedente que pode estabelecer em outros países da região tentativas similares, como a primeira reeleição desses dois presidentes foi um antecedente para a reforma brasileira", afirmou o analista político argentino.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista concedida à Folha.

Folha - O senhor acredita na possibilidade de o presidente Carlos Menem conseguir ser candidato a uma segunda reeleição?
Rosendo Fraga -
É possível, ainda que pouco provável. Diferentemente do que ocorreu em 1993, quando conseguiu que a oposição apoiasse a reforma constitucional, agora o consenso de Menem é mais baixo, e a oposição se reconstituiu, depois do triunfo nas eleições legislativas de outubro, não parecendo disposta a pactuar novamente com Menem.
Folha - Quais são as verdadeiras intenções de Menem ao tentar a "re-reeleição"?
Fraga -
Menem busca ser reeleito, mas, se não consegue, mantém o poder em suas mãos durante todo o ano de 1998, evitando que a indicação prematura de um sucessor lhe tire o poder efetivo como presidente e como líder do Partido Justicialista.
Folha - Como surge a figura do ex-cantor Ramón "Palito" Ortega (que é "menemista", postula uma candidatura à presidência e foi nomeado por Menem secretário de Desenvolvimento Social, um cargo com forte apelo político-eleitoral) nesse quadro todo?
Fraga -
Ortega decidiu seguir a sorte política de Menem. Se ele se apresentar para a reeleição, pode ser o seu candidato à vice-presidência. Porém, se Menem não pode se apresentar como candidato à reeleição, Ortega pode ser o seu eleito. Em termos imediatos, Ortega é uma peça de Menem para enfrentar a Duhalde (Eduardo Duhalde), o governador da província de Buenos Aires, que tenta disputar com Menem a liderança do PJ (Partido Justicialista, ou peronista).
Folha - Quem venceria a disputa eleitoral se ela fosse realizada hoje?
Fraga -
Se a eleição fosse hoje, as pesquisas de opinião mostram que a Aliança (a oposicionista Aliança UCR-Frepaso) ganharia. Mas, em um ano e meio (as eleições presidenciais serão em 25 de setembro de 1999), muitas coisas podem mudar.
Folha - O senhor acha que, numa atitude conspiratória, Menem esteja retirando espaço de seus adversários políticos dentro do PJ para que o partido perca as eleições em 1999 e ele permaneça como protagonista, liderando a oposição e preparando o seu retorno à presidência no ano 2003?
Fraga -
Menem busca, antes de tudo, manter e fortalecer o seu rol como líder do Partido Justicialista. Se mantém essa condição e se forem modificadas as circunstâncias políticas, pode tentar uma nova reeleição.
Se não pode, tentará designar um sucessor manejável, como seria Ramón Ortega, e, caso ganhe a Aliança, seria o chefe da oposição. Cabe recordar que o Partido Justicialista mantém a maioria absoluta no Senado até o ano 2001 e que, na Câmara de Deputados, dificilmente a Aliança chega a ter maioria absoluta até essa data, ainda que ganhe as eleições legislativas do próximo ano. Isso deixa o PJ com poderes suficientes para fazer uma forte oposição caso a Aliança seja governo.
Folha - Que consequências uma segunda reeleição de Menem traria para outros países da América Latina e, em especial, para o Brasil?
Fraga -
Se Menem consegue o seu terceiro mandato consecutivo em 1999 e Fujimori também, no ano 2000, isso cria um antecedente que pode estabelecer em outros países da região tentativas similares, como a primeira reeleição desses dois presidentes foi antecedente da reforma brasileira (que abriu a possibilidade de reeleição para FHC).
Cabe assinalar que, no plano internacional, Yeltsin (o presidente russo, Boris Yeltsin) pode tentar chegar a um terceiro mandato consecutivo no ano 2000, por meio de uma interpretação constitucional da Justiça. São antecedentes que contribuem para fazer esse tipo de situação.



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.