São Paulo, Terça-feira, 20 de Abril de 1999
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SISTEMA FINANCEIRO
Documento mostra que procuradores do Rio requisitaram ajuda da PF sem explicar objetivo da missão
Ministério Público comandou apreensão

LUCAS FIGUEIREDO
SILVANA DE FREITAS
da Sucursal de Brasília


O procurador-geral da República, Geraldo Brindeiro, afirmou ontem que o Ministério Público do Rio de Janeiro apenas acompanhou as operações de apreensão de documentos nas residências do ex-presidente do Banco Central Francisco Lopes e do dono do banco Marka, Salvatore Cacciola.
Entretanto, a Folha obteve documento com timbre de "confidencial" do Ministério Público do Rio que contradiz a afirmação de Brindeiro e comprova que os procuradores comandaram a ação.
Brindeiro disse que a apreensão foi feita pela Polícia Federal e que a ordem judicial foi dirigida à própria PF, embora tenha sido solicitada pelos procuradores.
"Quem realiza as diligências é a polícia judiciária, ou seja, a PF. Nos dois casos, o procurador do Rio Bruno Acioli -um dos que atuam nas investigações- apenas acompanhou a PF."
Ele afirmou que não compete aos procuradores assumir a direção da investigação criminal, conforme decisões do STF.
Não é, entretanto, o que mostra o ofício nº 30/99 do Ministério Público do Rio enviado à Polícia Federal na véspera das diligências nas casas de Lopes e Cacciola.
No documento "confidencial", os procuradores requisitam, "em caráter de urgência, auxílio policial com o intuito de cumprir mandados de busca e apreensão em residências na zona sul e em escritórios localizados no centro".
No requerimento, os procuradores não esclarecem à PF que os mandados de busca e apreensão seriam cumpridos nas residências de Lopes e Cacciola.

Questionamentos
A busca e apreensão de documentos é um procedimento questionado dentro do próprio Ministério Público.
Em março de 98, a subprocuradora-geral da República, Delza Curvello Rocha, afirmou em documento que "diligências investigatórias destinadas ao inquérito policial ou futura ação penal fogem à atuação do Ministério Público".
Delza fez a declaração em requerimento a Brindeiro, no qual pede pedindo que seja arguida no Supremo Tribunal Federal a inconstitucionalidade de uma resolução interna do Ministério Público que ampliava os poderes dos procuradores.
A decisão sobre a validade da resolução está nas mãos dos juízes do Supremo Tribunal Federal.

Opinião
Advogados consultados pela Folha se dividiram quanto à legalidade da apreensão de documentos.
Para Walter Ceneviva, professor emérito de direito civil da PUC (Pontifícia Universidade Católica) de São Paulo, a ação foi ilegal e prejudicou as investigações.
Segundo ele, a juíza da 6ª Vara Federal no Rio, Ana Paula Vieira, errou ao autorizar a apreensão. "Só a polícia poderia demonstrar os riscos ou indícios que justificassem o pedido de busca e apreensão. Pelo que eu sei, a Polícia Federal só esteve nos locais para garantir a entrada dos procuradores", disse Ceneviva.
O professor de direito penal da USP (Universidade de São Paulo), Miguel Reale Júnior, também considera a apreensão ilegal. "Para uma ação desse tipo é preciso que haja um objeto de busca determinado, claro, e um processo em tramitação com indícios contra o dono da casa. Não havia nem uma coisa nem outra", disse Reale Júnior. De acordo com ele, Lopes, Cacciola e Gonçalves poderão alegar a ilicitude das provas.
O ex-ministro da Justiça Saulo Ramos (89-90) discorda. Segundo ele, havendo autorização judicial, a apreensão é legal. "Desde que o Ministério Público ou a autoridade policial desconfiem de alguma coisa e o juiz conceda a autorização a apreensão é lícita", disse.
O advogado Manoel Gonçalves Ferreira Filho, professor de direito constitucional da USP, concorda com a "legalidade formal" da apreensão, mas considerou a ação do Ministério Público "um pouco abusiva". "Uma medida desse rigor exigiria um inquérito mais abastecido de indícios", afirmou.


Colaborou a Reportagem Local


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