UOL

São Paulo, domingo, 20 de julho de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

QUAL REFORMA?

Professores lançam documento com críticas à proposta da Previdência

Reforma é sonho neoliberal, dizem intelectuais da USP

PLÍNIO FRAGA
JULIA DUAILIBI
DA REPORTAGEM LOCAL

A insatisfação com a proposta de reforma da Previdência, enviada pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva ao Congresso, amplia-se no serviço público e começa a ganhar base no meio intelectual.
Professores de uma das mais notórias faculdades da USP aprovaram documento em que atacam o projeto previdenciário do governo Lula, afirmando que ele "tende a destruir as condições materiais e morais" das universidades públicas, em particular, e do Estado, em geral.
Dizem que a reforma "realiza o Estado do sonho dos neoliberais" e que "causa espanto a falta de reflexão sobre seus efeitos devastadores" nas carreiras públicas.
Sob a chancela da Congregação da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP -que reúne diretores e chefes de departamento- o documento foi redigido por uma comissão de professores formada por Brasílio Sallum Jr., Flávio Wolf de Aguiar, Francis H. Aubert, Sérgio Adorno, Valéria Demarco e Zilda Iokoi.
"Por incrível que possa parecer e contra todas as promessas anteriores, a reforma, caso aprovada, encaminha o país para a realização do anátema máximo reiteradamente lançado contra o governo anterior; ela se orienta no sentido de realizar institucionalmente o Estado dos sonhos dos neoliberais", diz o documento dos professores da USP.
O texto defende a aposentadoria integral para os servidores e a manutenção da paridade entre servidores ativos e inativos. Afirma que as mudanças nas regras desrespeitam "as expectativas de direito, em razão das quais os docentes universitários e os funcionários de outras carreiras de Estado organizaram suas vidas".
Os professores da USP classificam como "aceitáveis e socialmente justos" dois pontos da reforma proposta pelo governo Lula: a cobrança de contribuição de 11% da parcela de benefícios dos servidores aposentados que exceder a R$ 1.058 e a fixação da idade mínima de aposentadoria.
Mas o documento rejeita o tratamento diferenciado de idade mínima exigida para a aposentadoria de homens (60 anos) e mulheres (55 anos).
"Trata-se de uma anacrônica e vergonhosa condescendência machista, na medida em que não só as mulheres são iguais aos homens em capacidade como têm uma expectativa de vida maior que a deles."
No geral, o tom do texto de seis páginas é de reprovação à forma como o projeto do governo vem sendo tocado.
"Chega a causar espanto a falta de reflexão que a proposta de reforma da Previdência revela sobre os efeitos desorganizadores que produzirá no Itamaraty, no Judiciário, no Ministério Público, na Receita Federal, no Banco Central e em outros ramos essenciais do aparelho de Estado, dentre os quais o sistema nacional de ensino público universitário é uma parte essencial", afirma.
O documento foi elaborado e aprovado antes da definição do relatório final da reforma em discussão no Congresso, concluído na quarta-feira passada, no qual foram mantidas a integralidade e a paridade.
"É verdade que a integralidade ameniza a situação. Mas é uma simples concessão à pressão política. Não se trata de uma decisão orientada para a construção de um Estado republicano e democrático", disse à Folha Brasílio Sallum Jr., professor-doutor em sociologia. Sallum Jr. exemplifica com o tratamento dado aos novos servidores, que terão regras semelhantes às da iniciativa privada.
"A distinção entre as duas modalidades de classe média (a vinculada à empresa privada e a de Estado) é um dos pontos básicos do documento que formulamos", declara o professor.
"A proposta interfere de forma brutal nas carreiras hoje existentes exigindo, por exemplo, a duplicação do tempo de exercício de cargo para a aposentadoria integral. Infelizmente, o governo, em relação à Previdência, age de afogadilho como se fosse biruta de aeroporto", analisa.
Para Sallum Jr., a gestão Lula propõe a reforma de um ponto de vista apenas "fiscalista". "Sem a perspectiva do Estado que quer construir. Pelo jeito, hoje só quer um Estado mais barato."
Brasílio Sallum Jr., que é amigo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e próximo do núcleo tucano, reconhece que as idéias defendidas por Lula começaram a ser esboçadas no governo anterior. "O governo Lula só exacerbou o que não era bom. O governo FHC teve pelo menos o mérito de introduzir a idéia de carreiras de Estado. Infelizmente, não incluiu os docentes das universidades públicas contratados em tempo integral e dedicação exclusiva entre elas", afirma.

Equilíbrio
A socióloga Maria Victoria Benevides -professora titular da Faculdade de Educação da USP, amiga e uma das mais próximas interlocutoras de Lula- classificou como "muito equilibrado" o documento aprovado na FFCHL.
"É bem feito e defende a universidade pública. Também defendo a contribuição dos inativos, por exemplo. Mas ainda estou refletindo sobre o impacto dessas mudanças na Previdência do funcionalismo. Como fica a carreira do Judiciário é uma coisa que ainda não tenho clara", diz.
Maria Victoria afirma que está refletindo sobre a integralidade e declara concordar com a definição de uma mesma idade para aposentadoria de homens e mulheres, "desde que sejam observados alguns direitos relativos à maternidade".
Sua restrição é ao objetivo final do documento da FFLCH. "Acho que o texto está focado no corpo docente universitário. Deveria dar mais atenção aos professores primários e secundários", avalia.


Texto Anterior: Painel
Próximo Texto: Análise: Reforma não alcança objetivos fiscais nem sociais
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.