São Paulo, domingo, 20 de agosto de 2000


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PERFIL

Amizade e declaração em favor do senador cassado Luiz Estevão (PMDB) tornaram Eduardo Jorge alvo de investigações

Como o mandarim virou o suspeito nº 1

DO ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA

No centro de espiral que levou Eduardo Jorge do céu burocrático até o inferno da supeita, encontra-se a amizade com o empresário e ex-senador Luiz Estevão. Amigo de um irmão mais moço de EJ, Paulo, com quem disputava corridas de kart no autódromo de Brasília, Estevão era um conhecido antigo da família.
"Mas entre ele e o Eduardo havia apenas um conhecimento superficial", diz Rui Jorge Caldas. "Eles se aproximaram em 94, por intermédio de uma sobrinha da Lídice, quando Estevão decide entrar na política." Outras pessoas afirmam que havia um contato estreito entre os dois pelo menos a partir da segunda metade dos anos 80.
O fato é que a partir de 1994, quando Fernando Henrique Cardoso disputa a eleição presidencial, eles começam a ser vistos mais juntos e a interferir na política local de Brasília. Um como o secretário ultrapróximo do futuro presidente. O outro como náufrago do presidente derrubado, Fernando Collor de Mello.

Imagem
Em Brasília, entretanto, a imagem de Luiz Estevão é muito diferente daquela que se projetava no resto do país. Longe de ser "o amigo do Collor" que afundaria com ele, na capital ele é visto como uma força da natureza. Dotado de doses semelhantes de energia e disposição para ultrapassar todos e quaisquer limites, Estevão ficou rico por esforço próprio, embora o sogro tenha ajudado no princípio, e seus planos políticos estavam muito longe de se restringir ao âmbito local. Ambicionava deslanchar uma caminhada que terminaria na eleição para presidente da República.
A candidatura de Estevão a deputado distrital, em 1994, junto com o empenho (fracassado) em evitar a vitória do petista Cristovam Buarque para o governo do Distrito Federal, uniu em uma empresa comum os antigos conhecidos. Na ocasião, EJ, além de cuidar para que os interesses eleitorais do candidato Fernando Henrique não fossem prejudicados em Brasília, teria tentado articular junto ao PSDB um caminho para vir a ter um mandato eletivo.
O desejo de sair da sombra se manifesta também no confronto entre EJ e Sérgio Motta. Quando chega a Brasília para assumir o cargo de ministro das Comunicações do governo do amigo FHC, Sérgio Motta trata EJ como um reles secretário do presidente. Ao contrário do que seria o esperado anos antes, quando aceitava uma posição secundária, o tratamento de Motta o tira do sério.
Diga-se em favor de EJ que o cargo ocupado a partir de 1995 tem o status de ministro, e o ministério é um cargo político e não burocrático. O assessor Eduardo Jorge é substituído pelo ministro Eduardo Jorge.

Ambição
A segunda vertente da transformação é a ambição material. EJ não é visto como alguém dado a grandes ostentações de riqueza. Gosta de vinhos, mas não é um especialista. Alguns notam adereços novos, como o uso de suspensórios e fala-se em charutos, que poderiam ser símbolos de uma mudança de estilo de vida. Não há evidências conclusivas a respeito. No entanto, a mulher de EJ, Lídice, é tida como inclinada a fazer gastos vultosos e a apreciar sinais de riqueza aparente.
Apegado a Lídice, a quem chama de gata quando fala ao telefone, e ao filho adolescente -os dois filhos do primeiro casamento, Leonardo, antropólogo, e Alexandre, músico, moram respectivamente em São Paulo e no Rio- , é possível que certos apelos tenham calado fundo.
Em julho de 1995, Paulo Jorge, um dos irmãos mais moços de EJ, morre de infarto, com 49 anos, e, depois desse episódio, ele começa a falar em sair do governo para cuidar de si e da família. O que significa ganhar mais e ter mais tempo.
Dentro do Planalto essas declarações soam ambíguas porque, embora reapareçam a cada tanto, nota-se que a tarefa de governar e a proximidade com o presidente -por quem, segundo alguns, EJ nutre uma admiração que beira a adoração- são essenciais a ele.

Poder
Há, no entanto, uma segunda interpretação para esse comportamento errático. As menções de deixar o governo seriam formas de pressionar o presidente a ampliar o espaço de EJ nos confrontos com outros ministros, como Clóvis Carvalho e Motta.
Com a morte de Sérgio Motta em abril 98, EJ propõe-se, apesar de advertido do grau de exposição, a ocupar o lugar do grande operador político do presidente. Por isso insiste em assumir a coordenação da campanha de reeleição em 98, tarefa que caberia a Motta.
A campanha de 98 em Brasília polarizou-se rapidamente entre Cristovam Buarque, do PT, e o conservador Joaquim Roriz, apoiado pelo candidato ao Senado Luiz Estevão. A situação de Brasília dividiu o governo e o clã Caldas Pereira.
Enquanto ministros como José Serra e Pedro Malan resolvem apoiar Cristovam, assim como uma parte dos irmãos e dos sobrinhos de EJ, o próprio assume uma posição dura a favor da chapa Roriz-Estevão.
Nos almoços dominicais de dona Lygia, a discussão fica acalorada. "Somos uma família com uma tendência mais para a esquerda, só que uns mais e outros menos", diz Rui.
Quando se aproxima o final da campanha presidencial de 98, EJ concede uma entrevista à revista "Veja" que soa aos ouvidos do Planalto como uma traição.
A frase forte foi "cansei de ser escravo". A partir desse ponto tudo é mistério. Terminado o pleito, EJ teria tentado voltar ao Planalto, como se a entrevista e o subtexto contido ali fossem pouco relevantes. No entanto, o presidente prefere não trazer EJ de volta ao Planalto no segundo mandato.
Dedicado aos negócios privados, EJ segue outra vez os passos do pai. Tal como 30 anos antes, ao deixar a Receita, o pai abriu uma próspera consultoria tributária, certamente para ensinar os clientes a lidar com a Receita que ele tanto conhecia. EJ decidiu mostrar a seus clientes o caminho das pedras dentro de um governo que lhe era tão próximo.
O sinal de súbito enriquecimento com a compra de um apartamento no prédio mais caro do Rio, em São Conrado, talvez ficasse por isso mesmo, se a perigosa amizade com Luiz Estevão não tivesse feito detonar um mar de suspeitas sobre a conduta de EJ.
Afinal, o uso de informações e contatos por parte de funcionários que deixam o governo pode não ser legítima, mas é habitual. Por que EJ teria que pagar o pato? Só porque os outros já tinham um passado na iniciativa privada e isso torna mais aceitável a riqueza aparente?
Ao vir a público, voluntariamente, por razões que ninguém ainda consegue entender bem, para declarar sua admiração por Luiz Estevão na véspera da cassação do amigo, EJ deu um passo em falso fatal. Todos os holofotes se voltaram, naturalmente, para ele. O Planalto irritou-se porque, dada sua proximidade anterior com o presidente, qualquer problema com EJ bate na Presidência. Sozinho, o mandarim dos Caldas Pereira, caiu na zona de suspeição.
Na hora do aperto, quem o apoiou foi o clã. "Naqueles dias do depoimento, paramos tudo e todos foram levantar material para ajudá-lo", conta Rui. Há quem diga que, atendendo a esse chamado tribal, quase cem pessoas se mobilizaram para auxiliar o parente em perigo. Embora o depoimento de EJ tenha sido um sucesso, com certeza não era esse o modo em que ele imaginava voltar ao Senado, a Casa onde construiu tijolo por tijolo a sua ascensão burocrática. (ANDRÉ SINGER)





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