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ELIO GASPARI
O Itamaraty defendeu a patuléia globalizada
Aconteceu um daqueles
episódios que fazem com
que o contribuinte se orgulhe do
serviço público que sustenta. O
Itamaraty encrencou com o governo britânico porque ele tentou empacotar 94 brasileiros
que trabalhavam na Inglaterra
sem a documentação necessária, despejando-os num aeroporto qualquer. Negou licença
de pouso para o vôo que traria
os deportados. Em maio, o Itamaraty conseguiu que o governo americano recambiasse discretamente 260 brasileiros que
estavam detidos no Texas. O governo brasileiro começa a informar que protege os seus cidadãos que saem pelo mundo em
busca de trabalho. É a valorosa
patuléia da globalização.
Há cerca de 2 milhões de brasileiros vivendo em outros países, 600 mil só nos Estados Unidos, talvez 20 mil na Inglaterra.
Metade dessa diáspora ganha a
vida sem ter os papéis em ordem. A atitude do Ministério
das Relações Exteriores em defesa desse grupo, que trabalhava
numa fábrica de biscoitos no interior da ilha, é um marco na relação da Casa com os nativos. O
Itamaraty é bem-vindo ao andar de baixo.
De uma maneira geral, os diplomatas detestam os conterrâneos que lhes dão trabalho. (Isso
vale para quase todas as nacionalidades.) No dia 7 de setembro de 2000, os brasileiros que
resolveram passar no pavilhão
auriverde da feira de Hannover
deram com o nariz na porta.
Havia um coquetel, mas só para
maganos. O expediente do consulado brasileiro em Nova York
ao vivo e em cores era de apenas
quatro horas e meia. Os brasileiros da rua 46, uma comunidade
alegre, obreira e bem-sucedida,
têm medo do consulado. Acreditam que, se derem as caras por
lá, o serviço de imigração americano acabará achando-os. Para evitar esse mau juízo, o consulado começou uma campanha dizendo aos residentes na
cidade que "você é legal, para
nós você é muito legal".
Até há bem pouco tempo, o
Itamaraty não tinha nem sequer uma sala onde se tratasse
dos interesses da diáspora. Mesmo hoje, há cinco subsecretarias, mas nenhuma delas se destina exclusivamente a essa comunidade que remete a Pindorama cerca US$ 4,6 bilhões por
ano.
A proteção que a máquina diplomática brasileira deve à
diáspora de filhos da estagnação econômica é a contrapartida do blá-blá-blá da globalização. Os capitais devem fluir livremente, e as empresas estrangeiras devem ser tratadas como
se fossem sabiás. Só não deve
haver liberdade de movimento
para a mão-de-obra. Os Estados
Unidos querem a Alca, para que
circulem suas mercadorias, mas
não lhes passa pela idéia deixar
circularem as pessoas. Essa liberdade foi o pilar da concepção
da Comunidade Européia, onde
o livre comércio não se confundiu com recolonização.
O porta-voz dos conservadores ingleses disse que o Brasil
certamente deportaria rapidamente um inglês sem os papéis
adequados. É verdade, mas os
doutores da Europa sabem que
os governos de diversos Estados
brasileiros fazem vista grossa
para milhares de marmanjos
que desembarcam nas praias de
Pindorama com o propósito de
fazer turismo sexual. Poderia
ser criado um intercâmbio. Os
turistas ingleses que viessem para o Brasil a fim de comprar
mão-de-obra horizontal barata
seriam deportados para o aeroporto de Gatwick com a mesma
fanfarra que acompanharia o
vôo dos 94 brasileiros que vendiam, em pé, sua mão-de-obra
para o fabrico dos famosos biscoitos ingleses.
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