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São Paulo, quarta-feira, 20 de agosto de 2003

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ESQUERDA NO DIVÃ

Taxas prejudicam reforma agrária e combate à fome, diz Gunder Frank

Para sociólogo, juro corrói prioridades

FERNANDA DA ESCÓSSIA
CLAUDIA ANTUNES
DA SUCURSAL DO RIO

Estrela do primeiro dia de debates do seminário sobre hegemonia e globalização realizado nesta semana no Rio, o sociólogo André Gunder Frank, 74, criticou ontem a política econômica do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e disse que os juros altos já acabaram com duas prioridades do governo petista: a reforma agrária e o combate à fome.
"Tudo será para pagar aos norte-americanos com dólares", afirmou Gunder Frank, hoje professor da Northeastern University, nos Estados Unidos.
Em entrevista à Folha por e-mail, antes de chegar ao Brasil, ele já havia mostrado preocupação com os rumos do governo petista e defendido a moratória.
"O Brasil já pagou o montante original de sua dívida umas quatro ou cinco vezes. Por que pagar ainda mais juros outra e outra vez? O FMI [Fundo Monetário Internacional], sob o controle do Tesouro americano, nem quer que o Brasil e outros países latino-americanos acabem com sua dívida -porque é ela que permite o controle externo sobre a política interna", afirmou o sociólogo.
Gunder Frank comparou Lula ao líder do sindicato polonês Solidariedade, Lech Walesa, que, ao assumir a presidência do país, fez, segundo ele, uma política monetária e fiscal mais conservadora que a de seu antecessores.
Segundo Gunder Frank, se o Brasil, até o final do ano, renovar o acordo com o FMI, será mais um indicativo de que não será possível esperar a concretização das mudanças prometidas.
"Não se faz a reforma agrária sem comprar terras para os camponeses. O orçamento para isso foi cortado. Uma vez que se toma este caminho, é difícil mudar para outro", afirmou ele.
"Como isso vai, ou pode, favorecer os pobres? Lula corre o risco de terminar como [Salvador] Allende [presidente socialista chileno deposto em 1973] ou [Hugo] Chávez [presidente venezuelano que enfrenta a oposição da mídia e dos empresários], não por fazer demais, mas por não fazer o suficiente", completou ele.
Autor de mais de 30 livros e um dos formuladores da teoria da dependência, Gunder Frank influenciou uma geração de intelectuais de esquerda no Brasil, inclusive Fernando Henrique Cardoso, de quem disse ser amigo.
Já veio ao Brasil várias vezes. Perguntou, por exemplo, quem era o autor da frase "O Brasil vai bem, mas o povo vai mal" (o ex-presidente Emilio Garrastazu Médici). Questionado se a frase ainda valia, disse que sim, e que era tempo de saber se o governo de Lula seria capaz de alterá-la. "Vamos ver se poderemos dizer que o Brasil vai bem e o povo também."


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