São Paulo, Sexta-feira, 20 de Agosto de 1999
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JANIO DE FREITAS
O valor dos truques

O perigo está medindo apenas uns poucos décimos de centavos. Ultrapassada essa ninharia microscópica, o perigo transforma-se em degringolada. Como nas estradas, o perigo não está no abismo, está na aproximação excessiva da pista ao precipício.
O dólar a R$ 2, e não a quase isso, financeira e economicamente tem pouca significação, comparado ao salto que depressa o levou de R$ 1,60 e poucos para mais de R$ 1,90. O efeito psicológico da entrada no algarismo superior será, porém, desastroso.
Por menor que seja a diferença até os R$ 2, na linguagem dos símbolos cotidianos estará dado o sinal para providências urgentes: a revisão do preço reprimido, o aumento de preço dito preventivo, a remarcação estimulando-se duplamente pelo índice inflacionário e pelo dólar. Inflação, enfim. Tal como a vimos acionar-se quando, no seguimento de qualquer dos tantos planos anteriores, passava dos 10% para os 20%, dos 20% para os 30%.
Assim como observou Celso Pinto em seu artigo de ontem, reflexo já dos malabarismos do Banco Central para deter a subida do dólar antes dos R$ 2, ""o problema é que existe uma forte crise de confiança política". E, nas atuais circunstâncias, ""não dá para fingir que não há crise nem para ganhar tempo com paliativos".
Como reafirmação disso, pode-se dizer que no problema da crise de confiança política há outro problema: as circunstâncias contrárias a protelações e paliativos são as mesmas que impedem tudo o que não seja mais do que protelação e paliativo. Caso permitam ao menos isso, o que é bastante incerto.
A par da crise de confiança política há outro problema. E já passou muito da hora de vê-lo em discussão, atraso a que se deve, em grande parte, o perigo representado pela incontinência do real. É a limitação do plano.
Nada aconteceu ao real por culpa de Malan, nem está acontecendo por culpa de Armínio Fraga. A dependência da estabilidade à entrada de capital especulativo (e empobrecedor do país) e a juros estratosféricos é da natureza do Plano Real. Se não da sua natureza original, da natureza transgênica que lhe foi introduzida para que passasse quatro anos sem aproveitar as oportunidades de evoluir, de aperfeiçoar-se. Quatro anos imutável, no papel apenas de cabo eleitoral.
A limitação estrangulante do real está evidenciada até quando o Banco Central se empenha, como fez nesta semana, em não a expor demais. Ameaçado pela chegada do dólar aos R$ 2, Armínio Fraga poupou um ingrediente a mais na crise, evitando a clássica elevação dos juros. Para atrair mais capitais especulativos, cortou no imposto para esses investidores estrangeiros. Em matéria de truque, dá no mesmo.
É isso: a estabilidade do real não existe, é apenas um truque -ora feito com juros que sangram o país, ora com outros benefícios para os capitais especulativos, coadjuvados sempre pela desnacionalização da indústria privada e pelas restrições ao necessário crescimento econômico.
As reformas tributária e da previdência, a cuja pretendida aprovação atribuem-se os poderes mágicos de consolidar a estabilidade, vão ser remendos, não mais que isso, em nada capazes de diminuir a artificialidade do real. Isso mesmo e a própria artificialidade foram as descobertas afinal feitas pelos políticos e, logo, determinantes das suas novas relações com o governo e com Fernando Henrique Cardoso.
A continuar a estabilidade limitativa e dependente de truques, na melhor hipótese o Brasil continuará aos sobressaltos. Na outra, amém.


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