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JANIO DE FREITAS
O valor dos truques
O perigo está medindo apenas uns poucos décimos de centavos. Ultrapassada essa ninharia microscópica, o perigo
transforma-se em degringolada. Como nas estradas, o perigo não está no abismo, está na
aproximação excessiva da pista ao precipício.
O dólar a R$ 2, e não a quase
isso, financeira e economicamente tem pouca significação,
comparado ao salto que depressa o levou de R$ 1,60 e poucos para mais de R$ 1,90. O
efeito psicológico da entrada
no algarismo superior será, porém, desastroso.
Por menor que seja a diferença até os R$ 2, na linguagem
dos símbolos cotidianos estará
dado o sinal para providências
urgentes: a revisão do preço reprimido, o aumento de preço
dito preventivo, a remarcação
estimulando-se duplamente
pelo índice inflacionário e pelo
dólar. Inflação, enfim. Tal como a vimos acionar-se quando, no seguimento de qualquer
dos tantos planos anteriores,
passava dos 10% para os 20%,
dos 20% para os 30%.
Assim como observou Celso
Pinto em seu artigo de ontem,
reflexo já dos malabarismos do
Banco Central para deter a subida do dólar antes dos R$ 2, ""o
problema é que existe uma forte crise de confiança política".
E, nas atuais circunstâncias,
""não dá para fingir que não há
crise nem para ganhar tempo
com paliativos".
Como reafirmação disso, pode-se dizer que no problema da
crise de confiança política há
outro problema: as circunstâncias contrárias a protelações e
paliativos são as mesmas que
impedem tudo o que não seja
mais do que protelação e paliativo. Caso permitam ao menos
isso, o que é bastante incerto.
A par da crise de confiança
política há outro problema. E
já passou muito da hora de vê-lo em discussão, atraso a que se
deve, em grande parte, o perigo
representado pela incontinência do real. É a limitação do
plano.
Nada aconteceu ao real por
culpa de Malan, nem está
acontecendo por culpa de Armínio Fraga. A dependência
da estabilidade à entrada de
capital especulativo (e empobrecedor do país) e a juros estratosféricos é da natureza do
Plano Real. Se não da sua natureza original, da natureza
transgênica que lhe foi introduzida para que passasse quatro anos sem aproveitar as
oportunidades de evoluir, de
aperfeiçoar-se. Quatro anos
imutável, no papel apenas de
cabo eleitoral.
A limitação estrangulante do
real está evidenciada até quando o Banco Central se empenha, como fez nesta semana,
em não a expor demais. Ameaçado pela chegada do dólar aos
R$ 2, Armínio Fraga poupou
um ingrediente a mais na crise,
evitando a clássica elevação
dos juros. Para atrair mais capitais especulativos, cortou no
imposto para esses investidores
estrangeiros. Em matéria de
truque, dá no mesmo.
É isso: a estabilidade do real
não existe, é apenas um truque
-ora feito com juros que sangram o país, ora com outros benefícios para os capitais especulativos, coadjuvados sempre
pela desnacionalização da indústria privada e pelas restrições ao necessário crescimento
econômico.
As reformas tributária e da
previdência, a cuja pretendida
aprovação atribuem-se os poderes mágicos de consolidar a
estabilidade, vão ser remendos,
não mais que isso, em nada capazes de diminuir a artificialidade do real. Isso mesmo e a
própria artificialidade foram
as descobertas afinal feitas pelos políticos e, logo, determinantes das suas novas relações
com o governo e com Fernando
Henrique Cardoso.
A continuar a estabilidade limitativa e dependente de truques, na melhor hipótese o
Brasil continuará aos sobressaltos. Na outra, amém.
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