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JANIO DE FREITAS
Com-terra sem-palavra
A chave dos problemas do
governo e do agravamento
dos problemas nacionais está no
centro, também, dos motivos
que levaram os sem-terra de
volta às proximidades da fazenda presenteada por Fernando
Henrique Cardoso a seus filhos,
como fica evidente em carta ontem mandada pelo senador
Eduardo Suplicy ao ministro
Raul Jungmann. Por iniciativa
do governo mesmo, houve um
acordo sigiloso seu com o MST,
do qual os sem-terra fizeram a
sua parte, afastando-se 12 km
da fazenda, mas Raul Jungmann não cumpriu sua palavra.
Eis uma questão instigante:
ainda se está por saber se a falta
de palavra é uma condição para
integrar o governo, raras vezes
dispensada, ou o mal vai se
transmitindo por contágio,
quando não lhe basta agravar-se com as condições ambientais.
Suplicy lembra, na carta, que
Jungmann o procurou na noite
do dia 13, com a sugestão de que
conversassem na manhã seguinte para a retomada de entendimentos entre governo e
MST. Àquela altura o MST já
desocupara os edifícios públicos,
propondo-se Jungmann a receber representantes do movimento se fosse desocupada também
a vizinhança da fazenda. Suplicy mencionou o afastamento
com distância de 10 km, aceita
por Jungmann, e já na manhã
seguinte, cedo ainda, recebia a
concordância do MST, que se
deslocaria para o povoado de
Serra Bonita, afastado 12 km da
fazenda.
Jungmann "deu a entender
que a audiência (com representantes do MST) poderia ocorrer
na própria tarde do dia 14 ou,
no mais tarde, no dia 15". Durante o encontro de Suplicy com
Jungmann, os dois receberam
do ministro-general Alberto
Cardoso a informação de que o
deslocamento não acontecera.
Mas, feitos logo novos contatos
de Suplicy com o MST, às 12h30
o general lhe deu a notícia de
que os sem-terra já haviam ido
para Serra Bonita.
Cumprida a parte do MST,
Maria de Oliveira, assessora direta de Jungmann, prontamente
informou Suplicy que os representantes dos sem-terra seriam
recebidos naquela mesma tarde,
dia 14. "Qual não foi minha surpresa", escreve Suplicy, "ao saber, ainda na mesma tarde, que
V.Exa. não havia mantido sua
palavra, negando-se a recebê-los".
Raul Jungmann não recebeu
os representantes do MST no
dia 14, nem em outro dia de lá
para cá. Em vez disso, passou a
divulgar pela imprensa novas
condições, inclusive pretendendo determinar quem pode ser
representante do MST.
Os sem-terra voltaram a
acampar diante da fazenda, outra vez advertindo que não têm
a intenção de invadi-la. A estrada é pública, embora o dinheiro
público tenha servido para melhorá-la segundo o interesse
muito particular de duas pessoas, seus então proprietários
Sérgio Motta e Fernando Henrique Cardoso.
Por decisão do sócio remanescente, a Polícia Federal vai processar os sem-terra por formação de quadrilha. Se, porém, há
presença de quadrilha nessa história, não é no lado dos sem-terra.
Nem ao menos são eles os sem-palavra, como os fatos atestam e
Suplicy lembra no último parágrafo a Raul Jungmann: "Gostaria de alertá-lo para a necessidade do cumprimento, por um
ministro de Estado e por um senador da República, da palavra
empenhada, se quisermos que
os diálogos entre governo e oposição contribuam para o avanço
da democracia no Brasil".
Ao que parece, o governo prefere um incidente grave para
poder investir na extinção do
MST, sob o argumento de que
passou da luta pela reforma
agrária para um ataque ao
Exército, na tentativa de se
apropriar da fazenda "dos filhos" do presidente da República.
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