São Paulo, quarta-feira, 20 de setembro de 2000

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JANIO DE FREITAS
Com-terra sem-palavra

A chave dos problemas do governo e do agravamento dos problemas nacionais está no centro, também, dos motivos que levaram os sem-terra de volta às proximidades da fazenda presenteada por Fernando Henrique Cardoso a seus filhos, como fica evidente em carta ontem mandada pelo senador Eduardo Suplicy ao ministro Raul Jungmann. Por iniciativa do governo mesmo, houve um acordo sigiloso seu com o MST, do qual os sem-terra fizeram a sua parte, afastando-se 12 km da fazenda, mas Raul Jungmann não cumpriu sua palavra.
Eis uma questão instigante: ainda se está por saber se a falta de palavra é uma condição para integrar o governo, raras vezes dispensada, ou o mal vai se transmitindo por contágio, quando não lhe basta agravar-se com as condições ambientais.
Suplicy lembra, na carta, que Jungmann o procurou na noite do dia 13, com a sugestão de que conversassem na manhã seguinte para a retomada de entendimentos entre governo e MST. Àquela altura o MST já desocupara os edifícios públicos, propondo-se Jungmann a receber representantes do movimento se fosse desocupada também a vizinhança da fazenda. Suplicy mencionou o afastamento com distância de 10 km, aceita por Jungmann, e já na manhã seguinte, cedo ainda, recebia a concordância do MST, que se deslocaria para o povoado de Serra Bonita, afastado 12 km da fazenda.
Jungmann "deu a entender que a audiência (com representantes do MST) poderia ocorrer na própria tarde do dia 14 ou, no mais tarde, no dia 15". Durante o encontro de Suplicy com Jungmann, os dois receberam do ministro-general Alberto Cardoso a informação de que o deslocamento não acontecera. Mas, feitos logo novos contatos de Suplicy com o MST, às 12h30 o general lhe deu a notícia de que os sem-terra já haviam ido para Serra Bonita.
Cumprida a parte do MST, Maria de Oliveira, assessora direta de Jungmann, prontamente informou Suplicy que os representantes dos sem-terra seriam recebidos naquela mesma tarde, dia 14. "Qual não foi minha surpresa", escreve Suplicy, "ao saber, ainda na mesma tarde, que V.Exa. não havia mantido sua palavra, negando-se a recebê-los".
Raul Jungmann não recebeu os representantes do MST no dia 14, nem em outro dia de lá para cá. Em vez disso, passou a divulgar pela imprensa novas condições, inclusive pretendendo determinar quem pode ser representante do MST.
Os sem-terra voltaram a acampar diante da fazenda, outra vez advertindo que não têm a intenção de invadi-la. A estrada é pública, embora o dinheiro público tenha servido para melhorá-la segundo o interesse muito particular de duas pessoas, seus então proprietários Sérgio Motta e Fernando Henrique Cardoso.
Por decisão do sócio remanescente, a Polícia Federal vai processar os sem-terra por formação de quadrilha. Se, porém, há presença de quadrilha nessa história, não é no lado dos sem-terra.
Nem ao menos são eles os sem-palavra, como os fatos atestam e Suplicy lembra no último parágrafo a Raul Jungmann: "Gostaria de alertá-lo para a necessidade do cumprimento, por um ministro de Estado e por um senador da República, da palavra empenhada, se quisermos que os diálogos entre governo e oposição contribuam para o avanço da democracia no Brasil".
Ao que parece, o governo prefere um incidente grave para poder investir na extinção do MST, sob o argumento de que passou da luta pela reforma agrária para um ataque ao Exército, na tentativa de se apropriar da fazenda "dos filhos" do presidente da República.


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