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MEMÓRIA
Meira Mattos detalha o período do regime militar em que foi assessor do presidente, que completaria 100 anos hoje
General reformado revela bastidor do governo Castello
MÁRIO MAGALHÃES
DA SUCURSAL DO RIO
O regime militar, que durou 21
anos (1964-85), teve um primeiro
mandatário que queria encerrá-lo
em pouco tempo.
O Ato Institucional 2, extinguindo os partidos políticos existentes em 1965, foi imposto ao general-presidente por colegas militares da linha-dura. Pouco depois
de sair do governo, ele dizia não
ter dinheiro para pagar um motorista. O presidente da República
era o cearense Humberto de
Alencar Castello Branco, cujo
centenário oficial de nascimento
se completará hoje.
O relato sobre ele é do general
reformado Carlos de Meira Mattos, 87, amigo e colaborador de
Castello antes e depois dos três
anos de governo (1964-67).
Nascido em 20 de setembro de
1897, Castello teve a certidão modificada pelo pai em três anos para poder ingressar no Colégio Militar de Porto Alegre. Estaria fazendo, na realidade, 103 anos.
O general reformado coordenou o livro ""Castello Branco e a
Revolução", reeditado pela Biblioteca do Exército na comemoração do centenário oficial do ex-presidente. Meira Mattos falou à
Folha na semana passada sobre
bastidores do governo Castello.
Folha - Castello Branco só aderiu
ao movimento contra Goulart em
março de 1964. Como um conspirador de última hora tornou-se o primeiro presidente do novo regime?
Carlos de Meira Mattos - O presidente Castello Branco era a figura
de maior prestígio do Exército. A
Revolução foi conspirada por
grupos que mal se ligavam...Aqui
mesmo no Rio havia duas ou três
conspirações. Havia a de Minas, a
do Paraná, a de Pernambuco. Esses grupos estavam carentes de
chefia. Nenhum aceitava a chefia
do outro. Até que o presidente
Castello se convenceu de que não
era possível mais aguentar coisas
que estavam acontecendo no governo João Goulart.
Folha - A quebra de hierarquia
militar em especial?
Meira Mattos - Ficou bem caracterizado que eles queriam fechar a
Câmara e criar um Estado sindicalista. Isso tudo promovido com
o apoio de gente do governo Goulart. Havia inversão de hierarquia
militar em assembléias, o que
provocou comoção no Exército.
Folha - Iniciado em 1964, o regime militar terminou 21 anos depois, em 1985. O plano de Castello
não era os militares ficarem pouco
tempo no poder?
Meira Mattos - Esse era o desejo
dele. Não foi realizado por várias
razões. Talvez ele pudesse realizar, mas se autolimitou em prazo.
Numa revolução que tinha atos
institucionais que permitiam cassar, tirar os direitos políticos, em
que vários governadores perderam o cargo, o presidente da República disse que só assumiria se
fosse para completar o mandato
(de João Goulart). Para terminar
o mandato, faltavam dois anos. Aí
foi um esforço enorme para que
aceitasse mais um.
Folha - O plano de Castello, que
adiou a eleição presidencial direta,
era mesmo entregar o governo para um civil?
Meira Mattos - Em 1965, ele me
disse num jantar: ""Nesse problema da sucessão, não quero interferir. Mas temos aí em vista civis,
anfíbios (militares há muito tempo na política) e militares que podem ser presidentes".
Ele disse: ""Civis, há o Bilac Pinto
(deputado federal) e o Milton
Campos (ministro da Justiça); anfíbios, o Nei Braga (governador
do Paraná) e o Juraci (Magalhães,
embaixador nos EUA); militares,
o Costa e Silva (ministro da Guerra, sucessor de Castello na Presidência) e o Mamede (Jurandir de
Bizarria, comandante da 8ª Região Militar, em Belém).
Disse ainda: ""O Costa e Silva
quer ser presidente da República.
Ele tem todo o direito de aspirar".
Entre os seis nomes, quatro são
praticamente civis. Mas caímos
sempre naquilo. Ele tinha uma
oposição muito grande. Eram os
revolucionários radicais.
Folha - Como foi a decisão de fechar o Congresso em 1966?
Meira Mattos - A versão é de que
o Congresso foi fechado, mas ele
já estava fechado. Era proximidade de eleição, e os parlamentares
decidiram decretar um recesso a
fim de irem aos seus Estados tratar das suas eleições. O presidente
suspendeu os direitos políticos de
seis deputados. Aí um grupo de
parlamentares resolveu por contra própria ir para o Congresso e
abri-lo ilegalmente. Criou-se uma
situação de rebeldia. Era um escândalo: o Congresso estava funcionando ilegalmente.
Folha - Como o senhor foi escolhido para liderar a operação?
Meira Mattos - Eu tinha chegado
da República Dominicana havia
uns 20 dias. Tinha assumido o comando do Batalhão de Polícia do
Exército, em Brasília. Um assessor do Castello me chamou. Disse
que o presidente queria falar comigo no telefone do palácio, porque era o único que tinha misturador de vozes, não podia ser
grampeado. Quem atendeu o telefone foi o ministro do Exército,
Ademar de Queirós.
Disse: ""Coronel Meira Mattos, o
presidente tem uma missão para
o senhor. Esse problema do Congresso não pode continuar. São
reuniões ilegais, eles não têm número suficiente para formalizar o
fim do recesso. O presidente deseja que se retire aquele pessoal todo que se alojou lá dentro".
Eu perguntei: ""Quando?" Era
noite. Ele: ""Fica a teu critério, até o
amanhecer".
Aí, o Ademar de Queirós disse:
""O presidente vai lhe dar uma palavra". O presidente disse: ""Meira
Mattos, você entendeu bem a
missão?" Eu disse: ""Entendi".
""Tem alguma pergunta?"
""Não".
""Então vou lhe fazer a minha
única recomendação: ninguém
vai sair com um arranhão sequer
dessa missão sua." Fui ao amanhecer, pelas 5h. E ninguém levou
um arranhão.
Folha - Contra a linha-dura, Castelo defendeu a posse dos governadores de oposição eleitos no Rio e
em Minas em 1965. Mas baixou o
Ato Institucional número 2, extinguindo os partidos políticos. Como
foi tomada essa decisão?
Meira Mattos - O presidente assinou o ato 2 a contragosto. Foi
uma das coisas que teve que aceitar a fim de manter sua autoridade. O ato 2 já vem depois da guerrilha, que tornou a pressão dos radicais do Exército muito forte.
Folha - Desde 1964 havia relatos
de tortura. Qual era a reação de
Castello?
Meira Mattos - Quando correram boatos de que havia tortura
em Recife, ele designou o general
Geisel (Ernesto, então chefe do
Gabinete Militar, depois presidente de 1974 a 1979) para ir em
pessoa averiguar. Ele tinha uma
vigilância permanente contra isso. Nunca houve governo revolucionário que fosse a favor da tortura. Mas você não evita que pessoas doentes gostem de torturar.
Folha - Na sua opinião, a tortura
era uma questão pessoal, não de
Estado?
Meira Mattos - Sim. Uma falha
psicológica, um sadismo. Com revolução ou sem revolução há pessoa para quem não se pode dar
autoridade.
Folha - Quais eram os planos de
Castello Branco para depois da Presidência?
Meira Mattos - Em matéria de
função pública ou privada, nenhum. Pouco antes de terminar a
Presidência, resolveu fazer uma
pequena reforma no seu apartamento, na rua Nascimento Silva
(Ipanema, zona sul do Rio).
Queria dirigir automóvel, os
amigos fizeram uma força enorme para contratar um motorista,
mas ele disse que o salário não dava. Fizemos uma pressão grande,
ele contratou motorista. Ele me
dizia: ""Esse pessoal me respeita
tanto que, sabendo que eu estou
fazendo uma obra no meu apartamento, ninguém teve coragem de
me oferecer um tijolo".
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