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São Paulo, sábado, 20 de setembro de 2003

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INVESTIGAÇÃO

Documentos põem em xeque versão de fiscais segundo a qual cúpula do Fisco teria favorecido ex-auxiliar de FHC

Conflito interno na Receita em torno do caso EJ vai à Justiça

JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A Receita Federal tornou-se um órgão conflagrado. Nos próximos dias, o conflito ganhará o Judiciário. Serão processados os fiscais que acusaram a cúpula do Fisco de prejudicar as investigações em torno de Eduardo Jorge Caldas Pereira, ex-auxiliar próximo de Fernando Henrique Cardoso.
A ressurreição do chamado caso EJ é a face visível de uma guerra que opõe a direção da Receita, hoje chefiada por Jorge Rachid, e a Corregedoria do órgão, dirigida por Moacir Leão. Auxiliares de Rachid acreditam que Leão esteja por trás da denúncia dos fiscais.
Em depoimentos à Corregedoria da Receita e ao Ministério Público, os auditores Ruben Seixas Neto e Rosa Maria Ferreira Oliveira disseram que houve pressões para que encerrassem rapidamente uma fiscalização que tinha Eduardo Jorge como foco central.
Documentos manuseados pela Folha mostram que teria ocorrido o oposto: a chefia dos fiscais queria não o encerramento, mas a continuidade das apurações. A posição foi explicitada em ofício de 30 de outubro de 2001.
Quem assina o documento é Newton Tadeu Nogueira. Chefiava a Delegacia da Receita em Brasília. Hoje, é superintendente para a região Centro-Oeste. O ofício tratava especificamente do caso EJ. Foi remetido ao setor de fiscalização, onde estavam lotados os auditores que esquadrinhavam a vida fiscal de Eduardo Jorge.

Explicações
No texto, Tadeu Nogueira cobra explicações. Queria saber por que os fiscais Rosa Maria e Seixas Neto deram por concluída a fiscalização antes que houvesse decisão da Justiça em relação ao pedido de quebra do sigilo bancário de Eduardo Jorge e de pessoas e empresas ligadas a ele.
Tadeu Nogueira menciona no texto reuniões que teve com o setor de fiscalização. Uma delas quando os fiscais começaram a considerar a hipótese de encerrar a fiscalização, em 24 de outubro de 2001. Nesse encontro, disse que considerava "sensato" aguardar o pronunciamento final da Justiça. Cuidadoso, ressalvou que, "por não ter o direito de interferência", deixava com os fiscais a decisão.
Em ofício de 5 de novembro de 2001, os fiscais responderam a Tadeu Nogueira. Disseram que o término da fiscalização não acarretava "prejuízo à Fazenda Nacional". Ocorrida a quebra de sigilo bancário, o caso poderia ser reaberto. Assinam Rosa Maria e Seixas Neto, que agora dizem ter sido pressionados.
Tadeu Nogueira prepara duas ações judiciais contra os auditores, uma cível e outra criminal. Outro que recorrerá à Justiça é Everardo Maciel, que chefiou a Receita Federal durante os oito anos da gestão FHC.
O ex-secretário do Fisco interpelará Rosa Maria. Ela declarou ao Ministério Público que Everardo "determinou" que fossem fiscalizadas apenas as pessoas físicas de Eduardo Jorge e sua mulher, Lídice Coelho Caldas Pereira.
Os documentos reservados aos quais a Folha teve acesso põem em xeque, de novo, o depoimento da fiscal. O processo deixa claro que a quebra de sigilo bancário foi obstada pelo Judiciário, não pela Receita.
De resto, a Empresa EPJ, de Eduardo Jorge, foi efetivamente fiscalizada. O trabalho foi conduzido pelo auditor Luciano Calixto, com o conhecimento dos colegas Rosa Maria e Seixas Neto.
Fizeram-se também diligências em empresas nas quais Eduardo Jorge tinha participação societária. Numa delas, a LC Faria Consultores Associados, o trabalho foi conduzido pessoalmente por Rosa Maria e Seixas Neto. Os dois assinaram um "termo de retenção de documentos" da empresa, datado de 9 de setembro de 2000.
Em depoimento que prestara ao Ministério Público em 24 de abril de 2001, a própria Rosa Maria havia feito menção a "diligências" efetuadas "em todas as empresas" ligadas a Eduardo Jorge.
Diligência é um tipo de procedimento mais ligeiro. Normalmente serve para coletar dados que irão subsidiar uma fiscalização mais abrangente. Que, no caso específico, tinha Eduardo Jorge e a mulher dele como protagonistas.
Quando julga conveniente, o fiscal pode sugerir à Receita a conversão de uma diligência em fiscalização. Não há notícia de requisição do gênero no caso que envolve Eduardo Jorge.
No caso de Eduardo Jorge, o resultado das diligências fiscais foram reportados ao Ministério Público de duas maneiras: em ofício de Everardo Maciel e em relatórios mensais requisitados pela Procuradoria da República e assinados pelos próprios Seixas Neto e Rosa Maria.

Suspeitas
No mesmo depoimento de 24 de abril de 2001, a auditora Rosa Maria disse que não recebera "nenhuma orientação ou recomendação por parte da administração da Receita Federal quando do início do procedimento fiscal".
Inquirida, disse que não houve "determinação quanto ao prazo de conclusão da auditoria". São palavras que vão em sentido oposto ao que ela disse no novo depoimento, há duas semanas.
Auxiliares de Jorge Rachid, o atual secretário da Receita Federal, suspeitam que, por trás dos fiscais, haja alguma articulação para desgastar a atual direção do Fisco, composta de sobreviventes da gestão Fernando Henrique Cardoso. A começar pelo próprio Rachid. O plano teria nascido na Corregedoria da Receita.


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