São Paulo, sexta, 20 de novembro de 1998

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JANIO DE FREITAS
A linha furada


Se Luiz Carlos Mendonça de Barros continuar no governo, seja como ministro das Comunicações ou como titular do hipotético Ministério da Produção, será um feito extraordinário, porque as vozes mais fortes da base política do governo estão de acordo em que sua saída é uma necessidade, tornada ainda maior pelo depoimento de ontem. As cautelosas declarações públicas daqueles líderes não correspondem ao sentido e à ênfase do que dizem privadamente.
A linha de defesa adotada por Luiz Carlos Mendonça de Barros no Senado foi a reunião, repetida sem variações, de quatro pontos sobre os quais existe razoável quantidade de elementos, facilitando sua apreciação. Curioso é que, mesmo tentando negar a autenticidade das fitas, Mendonça de Barros deu sua explicação para cada um trechos de gravações já divulgados.
Não disse, simplesmente, que eram falsos. Aceitou-os, em óbvio aval às gravações e às transcrições publicadas. A essa autenticação voluntária junta- se outra, implícita na maneira como Mendonça de Barros pensa em desqualificar as fitas: "São editadas", repete ele. Um truque, porque editada quer dizer que reúne partes diversas, não significa montagem que crie frases não emitidas.
Um segundo elemento da defesa é o de que os trechos sobre preço, para a venda da imensa Tele Norte Leste, e formação forçada de um consórcio serviram para aumentar o valor, em benefício do governo. Os diálogos divulgados no começo do caso deixaram claro que Mendonça de Barros instruiu André Lara Resende no sentido de iludir um concorrente, fazendo-o crer que poderia ganhar com preço baixo. Assim, na verdade, o grupo de Pérsio Arida, pelo qual Mendonça de Barros confessou no Senado sua preferência, poderia ficar com a Telerj e mais 15 telefônicas por preço inferior ao de disputa sem tapeações, bastando ficar um pouco acima do preço baixo sugerido ao outro concorrente.
O valioso acréscimo feito revista "Carta Capital" saída agora, com mais trechos das gravações, contém um adendo que arruina qualquer dúvida sobre o propósito quanto ao preço e à suposta competição. De André Lara Resende, presidente do BNDES, a Pérsio Arida, pretendente à compra das telefônicas: "Faz o preço pra baixo. Depois, na hora, se precisar a gente sobe e ultrapassa o limite".
Esse é o plano ditado ao possível comprador: forçar o preço PARA BAIXO, portanto contra o Tesouro Nacional e contra o governo, e só o subir SE PRECISAR para não perder no leilão. E, se precisar, "A GENTE sobe o preço". Ou seja, o pretendente comprador, o presidente do BNDES e o ministro das Comunicações são um grupo uno, a gente que desce o prelo contra o país e só em último caso o poria em ponto menos baixo.
Último caso que não aconteceu, porque a rica Telerj e suas 15 companheiras de leilão foram vendidas por preço apenas 1% acima do mínimo. E a história de que a oferta de Pérsio Arida, citada também por Mendonça de Barros, seria R$ 1 bilhão acima da vencedora, assim "comprovando" o propósito do trio de dar maior ganho ao governo, compromete ainda mais o mesmo Mendonça e André Lara.
Ainda que fosse verdadeira essa cifra de araque, os dois só poderiam conhecê-la por procedimento ilícito. A oferta estava em envelope fechado que foi triturado, em máquina, na hora mesma do leilão, porque o consórcio de Pérsio Arida, já comprador da Tele Centro Sul, não poderia concorrer a outra compra.
A explicação dada por Mendonça de Barros, como é dada também por André Lara e outros, para a "preferência" pelo consórcio de Pérsio Arida mergulha no ridículo. Ao concorrente de Arida faltava "habilitação técnica" por não figurar nele "nenhuma operadora" de telefonia. Mas o edital feito pelo governo não exigiu a presença de operadora. Cinco ricos quitandeiros poderiam habilitar-se à compra. E acionistas de empresas, ainda que majoritários, não precisam ser técnicos, que são contratáveis.
A ação contra um consórcio, já está mais do que evidente, foi para favorecer outro. E a compra, pelo BNDES, de 25% do conjunto de empresas foi para repassá-los, em outro negócio injustificável, como confirmam frases reproduzidas pela "Carta Capital".
O que aconteceu, e se desdobra ainda, é que Mendonça de Barros, André Lara Resende e Pérsio Arida ambicionaram o creme perfeito. Não foram os primeiros a tentá-lo, nem serão os últimos a vê-lo desandar.



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