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DEPOIMENTO
Ministro afirma que pediria demissão se decisão fosse consenso
Mendonça diz que preferia consórcio do Opportunity
MARTA SALOMON
FERNANDO GODINHO
da Sucursal de Brasília
O ministro
Luiz Carlos
Mendonça de
Barros (Comunicações) afirmou ontem em
depoimento no
Senado que tinha uma "preferência pessoal" pelo consórcio controlado pelo banco Opportunity na privatização da
Tele Norte Leste.
A ação foi tornada pública em
conversas telefônicas grampeadas,
cujo conteúdo dá base ao pedido
de abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito sobre a privatização do Sistema Telebrás, que
o ministro pretende evitar.
Diante da sugestão do senador
Pedro Simon (PMDB-RS) para que
renunciasse ao cargo, Mendonça
de Barros disse que não faria isso
diante de "uma acusação ilícita".
Ele afirmou que deixaria o governo se a sugestão de Simon fosse um
"consenso" do Congresso.
Durante quase cinco horas de depoimento no Senado, o ministro
insistiu em que os senadores deveriam se preocupar em buscar os
autores do grampo telefônico em
vez de questionarem o leilão das
empresas de telefonia.
Ele só faltou citar nominalmente
o empresário Carlos Jereissati (do
grupo La Fonte), integrante do
consórcio que venceu o Opportunity no leilão da Tele Norte Leste,
como interessado no conteúdo do
grampo.
O depoimento foi farto em insinuações contra Jereissati. O ministro associou o grampo à decisão do
BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) de comprar 25% da empresa
depois de sua privatização.
"Tenho convicção de que foi a
decisão nossa de colocar o BNDES
dentro da Tele Norte Leste que detonou essa novela das fitas", disse.
"Houve interesses feridos."
Por mais de uma vez, Mendonça
de Barros acusou o consórcio vencedor de não ter condições financeiras e administrativas de tocar o
negócio.
Ele chegou a qualificá-lo de "inimigo" do Tesouro, pois estaria interessado em "desmontar a concorrência na Tele Norte Leste".
Mas, como o consórcio havia
preenchido todos os requisitos legais para participar do leilão, restou ao ministro trabalhar para
manter na disputa o consórcio integrado pelo Opportunity, que tem
como um dos donos o banqueiro
Pérsio Arida, ex-presidente do
Banco Central e do BNDES.
O ministro garantiu a participação da Previ (fundo de pensão do
Banco do Brasil) no consórcio do
Opportunity e providenciou-lhe
uma carta de fiança do próprio BB
para esse grupo.
"Do ponto de vista do pós-leilão
e da qualidade de gestão da empresa, me parece que o consórcio que
tem a Telecom Italia, a Previ e a
Opportunity é o mais sólido."
Ele defendeu que não houve
"uma ação" sua ou de Lara Resende para favorecer o Opportunity
ou o consórcio Telemar.
²
Padrão heterodoxo
O ministro das Comunicações
confirmou trechos das fitas publicados nas revistas "Veja" e "Carta
Capital", embora tenha dado interpretações diferentes sobre o
conteúdo das conversas (leia quadro ao lado).
Exemplo: a pressão para que o
Banco do Brasil fornecesse uma
carta de fiança ao consórcio Opportunity/Telecom Italia, um documento bancário que serve como
garantia de crédito ao leilão.
A carta de fiança aparece mencionada em um diálogo do ministro com o diretor das áreas internacional e comercial do BB, Ricardo Sérgio de Oliveira. O diretor reclama de que estava "no limite da
irresponsabilidade".
Segundo Mendonça de Barros, o
BB foi acionado porque outro banco, o Citibank, não daria ao consórcio uma carta de fiança diante
da hesitação da Previ em confirmar sua participação na operação.
Esse foi apenas um dos problemas causados pela Previ, relatou o
ministro. Em outro momento, o
fundo de pensão teria tentado impor um limite ao lance do consórcio no leilão da Tele Norte Leste.
Esse fato foi relatado por Mendonça de Barros para tentar explicar outro trecho comprometedor
das gravações, quando o presidente do BNDES, André Lara Resende,
sugere a Pérsio Arida: "Vai lá e negocia. Faz o preço para baixo. Depois, na hora, se precisar, a gente
sobe e ultrapassa o limite".
"É justamente o contrário do objetivo criminoso de quem fez a fita", sustentou Mendonça de Barros. "Se há alguma coisa errada, é a
linguagem que eu usei. Posso ter
me excedido, mas nunca com nenhum ato que possa ter correspondido com a burla da lei."
Durante o depoimento, o ministro manteve, porém, uma interpretação divergente de alguns senadores sobre a Lei de Licitações, que
também orientou o leilão das teles.
Segundo o ministro, há diferenças entre licitar a construção de
uma estrada e vender o controle
acionário de empresas. Ele defendeu que, no caso do processo que
comandou, é necessária uma ampla negociação prévia ao leilão para garantir a concorrência e um
bom resultado final.
"Isso é o padrão das privatizações no Brasil", disse. "Também
não acho correta uma postura burocrática, de uma concorrência de
construção de estrada."
O ministro disse isso enquanto
era questionado por outro tucano,
o senador Jefferson Peres (AM),
sobre os limites éticos de sua intervenção no leilão das teles: "Hoje,
um ministro honesto adota prática
heterodoxas. Os fins justificam os
meios?"
²
Babacas
Questionado sobre a possibilidade de abertura de uma CPI, o ministro disse primeiro que "não era
contra nem a favor" porque se tratava de uma decisão dos próprios
parlamentares.
Mais adiante, próximo ao final
do depoimento, Mendonça de Barros parece ter mudado de idéia.
Ele insistiu no argumento de que
apenas o leilão da Tele Norte Leste
está sendo objeto de dúvidas. Mostrou-se preocupado com a repercussão externa do episódio e defendeu que o processo de privatização das empresas de telefonia
não seja "contaminado".
"Volto a dizer que foram 12 empresas vendidas, e em 11 delas não
há problemas", afirmou.
Mendonça de Barros disse que
não se opõe a quebrar seu sigilo
bancário nem a informar sua relação de bens.
Ele disse que se sentia como o
personagem principal do filme
"Milionário por acaso", comédia
do cineasta norte-americano
Frank Capra, envolvido em um escândalo. "Babaca é aquele que não
percebeu muito as coisas. Eu me
sinto um pouco assim", lamentou.
No depoimento, Mendonça de
Barros não disse por que chamara
o ministro Pedro Malan (Fazenda)
e seu secretário-executivo, Pedro
Parente, de "babacas" durante as
gravações. "Espero ser condenado
não pelas palavras, mas por atos",
repetiu.
O senador Pedro Simon lembrou
que, por palavras infelizes, o ex-ministro da Fazenda Rubens Ricupero havia pedido demissão do
cargo no início do Plano Real.
Simon sugeriu que Mendonça de
Barros renunciasse. "Se o senhor
me conhecesse um pouco, não diria isso", reagiu o ministro.
Mendonça de Barros revelou no
Senado que detinha uma informação "privilegiada" capaz de mudar
o resultado do leilão da Tele Norte
Leste.
O ministro sabia que o consórcio
Telemar tinha dificuldades para
obter recursos suficientes para cobrir o preço mínimo do controle
acionário da empresa (R$ 3,4 bilhões).
Com essa informação, o consórcio do Opportunity teria feito uma
oferta inferior à levada ao leilão, de
cerca de R$ 4,4 bilhões.
Mas o principal álibi apontado
logo na sua exposição inicial foram
os fatos de seu grupo preferido ter
perdido a disputa pela Tele Norte
Leste e de ter informado ao presidente da República que o leilão
renderia R$ 16 bilhões (em vez dos
R$ 22,058 bilhões apurados).
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