São Paulo, sexta, 20 de novembro de 1998

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DEPOIMENTO
Ministro afirma que pediria demissão se decisão fosse consenso
Mendonça diz que preferia consórcio do Opportunity

MARTA SALOMON
FERNANDO GODINHO
da Sucursal de Brasília


O ministro Luiz Carlos Mendonça de Barros (Comunicações) afirmou ontem em depoimento no Senado que tinha uma "preferência pessoal" pelo consórcio controlado pelo banco Opportunity na privatização da Tele Norte Leste.
A ação foi tornada pública em conversas telefônicas grampeadas, cujo conteúdo dá base ao pedido de abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito sobre a privatização do Sistema Telebrás, que o ministro pretende evitar.
Diante da sugestão do senador Pedro Simon (PMDB-RS) para que renunciasse ao cargo, Mendonça de Barros disse que não faria isso diante de "uma acusação ilícita".
Ele afirmou que deixaria o governo se a sugestão de Simon fosse um "consenso" do Congresso.
Durante quase cinco horas de depoimento no Senado, o ministro insistiu em que os senadores deveriam se preocupar em buscar os autores do grampo telefônico em vez de questionarem o leilão das empresas de telefonia.
Ele só faltou citar nominalmente o empresário Carlos Jereissati (do grupo La Fonte), integrante do consórcio que venceu o Opportunity no leilão da Tele Norte Leste, como interessado no conteúdo do grampo.
O depoimento foi farto em insinuações contra Jereissati. O ministro associou o grampo à decisão do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) de comprar 25% da empresa depois de sua privatização.
"Tenho convicção de que foi a decisão nossa de colocar o BNDES dentro da Tele Norte Leste que detonou essa novela das fitas", disse. "Houve interesses feridos."
Por mais de uma vez, Mendonça de Barros acusou o consórcio vencedor de não ter condições financeiras e administrativas de tocar o negócio.
Ele chegou a qualificá-lo de "inimigo" do Tesouro, pois estaria interessado em "desmontar a concorrência na Tele Norte Leste".
Mas, como o consórcio havia preenchido todos os requisitos legais para participar do leilão, restou ao ministro trabalhar para manter na disputa o consórcio integrado pelo Opportunity, que tem como um dos donos o banqueiro Pérsio Arida, ex-presidente do Banco Central e do BNDES.
O ministro garantiu a participação da Previ (fundo de pensão do Banco do Brasil) no consórcio do Opportunity e providenciou-lhe uma carta de fiança do próprio BB para esse grupo.
"Do ponto de vista do pós-leilão e da qualidade de gestão da empresa, me parece que o consórcio que tem a Telecom Italia, a Previ e a Opportunity é o mais sólido."
Ele defendeu que não houve "uma ação" sua ou de Lara Resende para favorecer o Opportunity ou o consórcio Telemar.
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Padrão heterodoxo
O ministro das Comunicações confirmou trechos das fitas publicados nas revistas "Veja" e "Carta Capital", embora tenha dado interpretações diferentes sobre o conteúdo das conversas (leia quadro ao lado).
Exemplo: a pressão para que o Banco do Brasil fornecesse uma carta de fiança ao consórcio Opportunity/Telecom Italia, um documento bancário que serve como garantia de crédito ao leilão.
A carta de fiança aparece mencionada em um diálogo do ministro com o diretor das áreas internacional e comercial do BB, Ricardo Sérgio de Oliveira. O diretor reclama de que estava "no limite da irresponsabilidade".
Segundo Mendonça de Barros, o BB foi acionado porque outro banco, o Citibank, não daria ao consórcio uma carta de fiança diante da hesitação da Previ em confirmar sua participação na operação.
Esse foi apenas um dos problemas causados pela Previ, relatou o ministro. Em outro momento, o fundo de pensão teria tentado impor um limite ao lance do consórcio no leilão da Tele Norte Leste.
Esse fato foi relatado por Mendonça de Barros para tentar explicar outro trecho comprometedor das gravações, quando o presidente do BNDES, André Lara Resende, sugere a Pérsio Arida: "Vai lá e negocia. Faz o preço para baixo. Depois, na hora, se precisar, a gente sobe e ultrapassa o limite".
"É justamente o contrário do objetivo criminoso de quem fez a fita", sustentou Mendonça de Barros. "Se há alguma coisa errada, é a linguagem que eu usei. Posso ter me excedido, mas nunca com nenhum ato que possa ter correspondido com a burla da lei."
Durante o depoimento, o ministro manteve, porém, uma interpretação divergente de alguns senadores sobre a Lei de Licitações, que também orientou o leilão das teles.
Segundo o ministro, há diferenças entre licitar a construção de uma estrada e vender o controle acionário de empresas. Ele defendeu que, no caso do processo que comandou, é necessária uma ampla negociação prévia ao leilão para garantir a concorrência e um bom resultado final.
"Isso é o padrão das privatizações no Brasil", disse. "Também não acho correta uma postura burocrática, de uma concorrência de construção de estrada."
O ministro disse isso enquanto era questionado por outro tucano, o senador Jefferson Peres (AM), sobre os limites éticos de sua intervenção no leilão das teles: "Hoje, um ministro honesto adota prática heterodoxas. Os fins justificam os meios?"
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Babacas
Questionado sobre a possibilidade de abertura de uma CPI, o ministro disse primeiro que "não era contra nem a favor" porque se tratava de uma decisão dos próprios parlamentares.
Mais adiante, próximo ao final do depoimento, Mendonça de Barros parece ter mudado de idéia.
Ele insistiu no argumento de que apenas o leilão da Tele Norte Leste está sendo objeto de dúvidas. Mostrou-se preocupado com a repercussão externa do episódio e defendeu que o processo de privatização das empresas de telefonia não seja "contaminado".
"Volto a dizer que foram 12 empresas vendidas, e em 11 delas não há problemas", afirmou.
Mendonça de Barros disse que não se opõe a quebrar seu sigilo bancário nem a informar sua relação de bens.
Ele disse que se sentia como o personagem principal do filme "Milionário por acaso", comédia do cineasta norte-americano Frank Capra, envolvido em um escândalo. "Babaca é aquele que não percebeu muito as coisas. Eu me sinto um pouco assim", lamentou.
No depoimento, Mendonça de Barros não disse por que chamara o ministro Pedro Malan (Fazenda) e seu secretário-executivo, Pedro Parente, de "babacas" durante as gravações. "Espero ser condenado não pelas palavras, mas por atos", repetiu.
O senador Pedro Simon lembrou que, por palavras infelizes, o ex-ministro da Fazenda Rubens Ricupero havia pedido demissão do cargo no início do Plano Real.
Simon sugeriu que Mendonça de Barros renunciasse. "Se o senhor me conhecesse um pouco, não diria isso", reagiu o ministro.
Mendonça de Barros revelou no Senado que detinha uma informação "privilegiada" capaz de mudar o resultado do leilão da Tele Norte Leste.
O ministro sabia que o consórcio Telemar tinha dificuldades para obter recursos suficientes para cobrir o preço mínimo do controle acionário da empresa (R$ 3,4 bilhões).
Com essa informação, o consórcio do Opportunity teria feito uma oferta inferior à levada ao leilão, de cerca de R$ 4,4 bilhões.
Mas o principal álibi apontado logo na sua exposição inicial foram os fatos de seu grupo preferido ter perdido a disputa pela Tele Norte Leste e de ter informado ao presidente da República que o leilão renderia R$ 16 bilhões (em vez dos R$ 22,058 bilhões apurados).



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