São Paulo, Segunda-feira, 20 de Dezembro de 1999


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GOVERNO
Relatório confidencial ataca negociação sobre controle acionário
Acordo entrega Embraer a franceses, diz Aeronáutica

WILLIAM FRANÇA
MARTA SALOMON
da Sucursal de Brasília

Relatório confidencial elaborado pelo ex-comandante da Aeronáutica Walter Bräuer, obtido com exclusividade pela Folha, afirma que a Embraer realizou acordos secretos, em paraísos fiscais, que abrem brecha para que o controle acionário seja repassado a empresas francesas.
Um dos acordos modificaria o conselho administrativo da Embraer, reduzindo de dois para um membro a presença da União. O mesmo aconteceria com a representação dos empregados. Já os controladores poderiam indicar pelo menos mais dois conselheiros ligados aos franceses.
A Embraer anunciou no dia 25 de outubro que havia vendido 20% das ações ordinárias para um grupo de quatro empresas francesas: Aérospatiale-Matra, Dassault, Snecma e Thomson-CSF, numa transação calculada em US$ 209 milhões. A negociação foi conduzida pelo grupo Bozano, Simonsen -que, com a Previ (fundo de pensões do Banco do Brasil) e a Sistel (fundo de pensões da extinta Telebrás), controlava a Embraer.
Toda a negociação foi feita sem que a Aeronáutica tomasse conhecimento da transação, apesar de a União dispor de ações tipo "golden share", que dão a ela poder de veto em "mudança de denominação da sociedade e do objeto social" e em "transferência do controle acionário". A Aeronáutica representa a União no conselho administrativo da empresa.
Um dos acordos feito com os franceses previa que fossem excluídas as denominações "da sociedade" e "social" das cláusulas que tratam da "golden share", embora não fossem dadas as justificativas. Segundo a Folha apurou, diante da pressão da Aeronáutica, esse acordo foi revisto, assim como a tentativa de modificar o conselho administrativo.
A Aeronáutica soube somente em agosto das negociações secretas, que estavam em curso desde julho de 1997. Em setembro, pediu formalmente que a Embraer se explicasse e remetesse os documentos dos acordos. A empresa cumpriu as formalidades e remeteu também documentos com a chancela de "confidencial".
O relatório da Aeronáutica foi concluído em 23 de setembro. Ele foi remetido à Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, ao Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) e à AGU (Advocacia Geral da União).
A Aeronáutica afirma que a negociação é prejudicial comercial e militarmente ao país, comprometendo até mesmo a segurança nacional, pois a Força Aérea Brasileira depende em 70% da Embraer para funcionar.
Antes da negociação com os franceses, o Bozano detinha 29,1% das ações ordinárias (com direito a voto), a Previ, 27,85% e a Sistel, 28,58%. Os três, assim, tinham 85,53% das ações.
Outros 12% estavam em poder de pessoas físicas ou jurídicas estrangeiras e cabia à União apenas 2,47% das ações -embora elas fossem do tipo "golden share".
O primeiro termo aditivo a essa composição modificou o acordo de acionistas celebrado em julho de 1997. Por ele, cada um dos três acionistas mantinha um mínimo de 17% das ações com direito a voto, que juntas somam 51% do controle acionário da Embraer, abrindo mão do restante (34,43%), para venda imediata.
Esse termo aditivo foi celebrado pela Bozano, Simonsen Privatisation Limited, com sede na ilha de Bermudas, a Scorpio Acquisition Company Ltd., das Ilhas Cayman, a Previ e a Sistel. Bermudas e Cayman são paraísos fiscais.
No mesmo aditivo, está previsto que quem detiver mais de 10% das ações ordinárias passa a ser tratado como controlador. Para Aeronáutica, o consórcio francês é um dos controladores da empresa, pois teria adquirido 20%.
Segundo o relatório da Aeronáutica, noutro acordo, realizado em julho deste ano, "o Bozano já se propôs ao bloco francês para, dentro do prazo de cinco anos, obter da Previ e da Sistel um esquema que garanta a aquisição, pelos franceses, de ainda mais ações de controle da Embraer ON, além daquelas ON da operação inicial que já correspondem a 20% das ON com direito a voto".
Noutro documento, também de julho, o Bozano reafirmou "o seu compromisso de não vender, até 24 de julho de 2007, sem a prévia e por escrito autorização por parte francesa (Estado e empresas) as suas ações vinculadas", segundo o relatório. Esse compromisso não impede, no entanto, que o Bozano possa vender essas ações a uma empresa associada a ela (como o Bozano da Bermuda ou a Scorpio de Grand Cayman).
O tema ganhou maiores dimensões quando, há duas semanas, o Ministério da Defesa decidiu encampar a briga que vinha sendo travada pela Aeronáutica.
Na última quarta-feira à noite, o presidente Fernando Henrique Cardoso reuniu-se com os ministros Elcio Alvares (Defesa), Luiz Felipe Lampreia (Relações Exteriores) e Alcides Tápias (Desenvolvimento) e com o presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), Andrea Calabi, além do ex-comandante Bräuer.
Na conversa, de duas horas e meia, nada foi decidido. Apenas a Aeronáutica e a Defesa defenderam a anulação da venda das ações. Os demais, segundo a Folha apurou, insistiram em que o processo é importante porque abre novos mercados para o país, uma vez que a exportação de aeronaves é uma das mais rentáveis.
FHC pediu que a AGU estude todo o processo de privatização da Embraer, realizado em 1995, para ver a possibilidade de manter, modificar ou até anular essa venda aos franceses. O trabalho deve durar dois meses.
O tema também está movimentando o Congresso. O presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), deu sinal verde para que as comissões de Defesa Nacional e de Fiscalização e Controle discutam o caso em janeiro.



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