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GOVERNO
Relatório confidencial ataca negociação sobre controle acionário
Acordo entrega Embraer a
franceses, diz Aeronáutica
WILLIAM FRANÇA
MARTA SALOMON
da Sucursal de Brasília
Relatório confidencial elaborado pelo ex-comandante da Aeronáutica Walter Bräuer, obtido
com exclusividade pela Folha,
afirma que a Embraer realizou
acordos secretos, em paraísos fiscais, que abrem brecha para que o
controle acionário seja repassado
a empresas francesas.
Um dos acordos modificaria o
conselho administrativo da Embraer, reduzindo de dois para um
membro a presença da União. O
mesmo aconteceria com a representação dos empregados. Já os
controladores poderiam indicar
pelo menos mais dois conselheiros ligados aos franceses.
A Embraer anunciou no dia 25
de outubro que havia vendido
20% das ações ordinárias para um
grupo de quatro empresas francesas: Aérospatiale-Matra, Dassault, Snecma e Thomson-CSF,
numa transação calculada em
US$ 209 milhões. A negociação
foi conduzida pelo grupo Bozano,
Simonsen -que, com a Previ
(fundo de pensões do Banco do
Brasil) e a Sistel (fundo de pensões da extinta Telebrás), controlava a Embraer.
Toda a negociação foi feita sem
que a Aeronáutica tomasse conhecimento da transação, apesar
de a União dispor de ações tipo
"golden share", que dão a ela poder de veto em "mudança de denominação da sociedade e do objeto social" e em "transferência do
controle acionário". A Aeronáutica representa a União no conselho administrativo da empresa.
Um dos acordos feito com os
franceses previa que fossem excluídas as denominações "da sociedade" e "social" das cláusulas
que tratam da "golden share",
embora não fossem dadas as justificativas. Segundo a Folha apurou, diante da pressão da Aeronáutica, esse acordo foi revisto,
assim como a tentativa de modificar o conselho administrativo.
A Aeronáutica soube somente
em agosto das negociações secretas, que estavam em curso desde
julho de 1997. Em setembro, pediu formalmente que a Embraer
se explicasse e remetesse os documentos dos acordos. A empresa
cumpriu as formalidades e remeteu também documentos com a
chancela de "confidencial".
O relatório da Aeronáutica foi
concluído em 23 de setembro. Ele
foi remetido à Procuradoria Geral
da Fazenda Nacional, ao Cade
(Conselho Administrativo de Defesa Econômica) e à AGU (Advocacia Geral da União).
A Aeronáutica afirma que a negociação é prejudicial comercial e
militarmente ao país, comprometendo até mesmo a segurança nacional, pois a Força Aérea Brasileira depende em 70% da Embraer para funcionar.
Antes da negociação com os
franceses, o Bozano detinha
29,1% das ações ordinárias (com
direito a voto), a Previ, 27,85% e a
Sistel, 28,58%. Os três, assim, tinham 85,53% das ações.
Outros 12% estavam em poder
de pessoas físicas ou jurídicas estrangeiras e cabia à União apenas
2,47% das ações -embora elas
fossem do tipo "golden share".
O primeiro termo aditivo a essa
composição modificou o acordo
de acionistas celebrado em julho
de 1997. Por ele, cada um dos três
acionistas mantinha um mínimo
de 17% das ações com direito a
voto, que juntas somam 51% do
controle acionário da Embraer,
abrindo mão do restante
(34,43%), para venda imediata.
Esse termo aditivo foi celebrado
pela Bozano, Simonsen Privatisation Limited, com sede na ilha de
Bermudas, a Scorpio Acquisition
Company Ltd., das Ilhas Cayman,
a Previ e a Sistel. Bermudas e Cayman são paraísos fiscais.
No mesmo aditivo, está previsto
que quem detiver mais de 10%
das ações ordinárias passa a ser
tratado como controlador. Para
Aeronáutica, o consórcio francês
é um dos controladores da empresa, pois teria adquirido 20%.
Segundo o relatório da Aeronáutica, noutro acordo, realizado
em julho deste ano, "o Bozano já
se propôs ao bloco francês para,
dentro do prazo de cinco anos,
obter da Previ e da Sistel um esquema que garanta a aquisição,
pelos franceses, de ainda mais
ações de controle da Embraer
ON, além daquelas ON da operação inicial que já correspondem a
20% das ON com direito a voto".
Noutro documento, também de
julho, o Bozano reafirmou "o seu
compromisso de não vender, até
24 de julho de 2007, sem a prévia e
por escrito autorização por parte
francesa (Estado e empresas) as
suas ações vinculadas", segundo
o relatório. Esse compromisso
não impede, no entanto, que o
Bozano possa vender essas ações
a uma empresa associada a ela
(como o Bozano da Bermuda ou a
Scorpio de Grand Cayman).
O tema ganhou maiores dimensões quando, há duas semanas, o
Ministério da Defesa decidiu encampar a briga que vinha sendo
travada pela Aeronáutica.
Na última quarta-feira à noite, o
presidente Fernando Henrique
Cardoso reuniu-se com os ministros Elcio Alvares (Defesa), Luiz
Felipe Lampreia (Relações Exteriores) e Alcides Tápias (Desenvolvimento) e com o presidente
do BNDES (Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e
Social), Andrea Calabi, além do
ex-comandante Bräuer.
Na conversa, de duas horas e
meia, nada foi decidido. Apenas a
Aeronáutica e a Defesa defenderam a anulação da venda das
ações. Os demais, segundo a Folha apurou, insistiram em que o
processo é importante porque
abre novos mercados para o país,
uma vez que a exportação de aeronaves é uma das mais rentáveis.
FHC pediu que a AGU estude
todo o processo de privatização
da Embraer, realizado em 1995,
para ver a possibilidade de manter, modificar ou até anular essa
venda aos franceses. O trabalho
deve durar dois meses.
O tema também está movimentando o Congresso. O presidente
da Câmara, Michel Temer
(PMDB-SP), deu sinal verde para
que as comissões de Defesa Nacional e de Fiscalização e Controle
discutam o caso em janeiro.
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