São Paulo, quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

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JANIO DE FREITAS

Nas águas do rio


D. Luiz não precisa vencer o debate dos projetos para que se reconheça a derrota política de Lula e do governo


O PRIMEIRO "desdobramento complicador", referido terça-feira nesta coluna, aí está no colapso físico de d. Luiz Flávio Cappio e nas aflições que provocou fora e dentro do governo.
Dizia a última frase daquele texto sobre a decisão da Presidência, sentindo-se desafiada, de ignorar o jejum do bispo franciscano: "Evidente é que se constitui [a atitude de d. Luiz] em problema do governo, especialmente da Presidência da República, onde não consta haver nem oração para o que fazer em caso de desdobramentos complicadores". Quando escrevi esse final de frase, Gilberto Carvalho procurava, em nome da Presidência, um arremedo de negociação com o bispo, que considerou a mensagem governamental apenas "indecorosa". O final daquela minha última frase estava defasado, por desconhecimento da repentina missão de Gilberto Carvalho: a Presidência fora informada de que a resistência de d. Luiz entrava em declínio veloz, e entrara ela em aflições. Era, na segunda-feira, o 21º dia da greve de fome do bispo.
O agravamento da situação de d. Luiz impediu-o ontem de opinar sobre nova proposta do governo, segundo a qual a greve e as obras seriam suspensas por dois meses, para os dois lados debaterem os respectivos projetos de irrigação nordestina. Por que Lula precisou esperar por uma situação delicada, com a qual nada poderia ganhar, para enfim dar o passo que devia desde o seu compromisso na greve anterior do bispo? Dever, de resto, de todo governo para com todos os cidadãos: são os governantes, e não nós outros, que devem dar respostas, como devedores permanentes de explicações sobre tudo o que alguma parcela dos cidadãos questione.
A explicação para a conduta de Lula e seu governo não é difícil: o motivo é sempre o mesmo. É sempre a mesma arrogância, sempre a mesma rombudez em lugar da necessária sensibilidade política, é sempre a mesma presunção de que os contrários não conseguem derrubar a CPMF, impor e vencer com a CPI do mensalão, ou a dos bingos, derrubar a proteção à conduta sórdida do homem-forte Palocci, e tanto mais, até chegar a um único homem nas barrancas do São Francisco.
O homem de quem Geddel Vieira Lima -este produto inacreditável do toma lá/dá cá que Lula considera política- dizia horas antes da Presidência entrar em parafuso com o colapso de d. Luiz: "O governo não vai se curvar diante de um único homem". E prometia para hoje: "Vou lançar o primeiro lote de licitação da obra". A entrada, pois, das empreiteiras ansiosas pela "concorrência". O que leva, ainda mais por se tratar de Geddel Vieira Lima, a uma questão que independe das críticas do bispo.
No primeiro mandato de Lula, a obra no São Francisco estava estimada em R$ 4 bilhões, e assim citada pelo próprio presidente e pelo então ministro da Integração, Ciro Gomes. Por que, neste segundo mandato e com Geddel Vieira Lima como ministro, o custo da obra pulou para R$ 6 bilhões? Um salto simples e fácil de 50%. É claro que o Exército, iniciador da obra até agora, não é desejado para continuá-la. O senador baiano César Borges relacionava ontem, pela TV Senado, as expressões "policialesca" e "uso de força" ao que é a contribuição econômica, social e ética que o Exército dá ao fazer a obra, em vez de deixá-la às empreiteiras como desejam os opositores de sua presença.
Lula fez a transposição do assunto São Francisco para o território dos problemas políticos. Com isso, d. Luiz Cappio, tenha ou não as melhores razões técnicas, não precisa vencer o debate dos projetos para que se reconheça a derrota política de Lula e do governo nesse confronto desnecessário.


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