São Paulo, domingo, 20 de dezembro de 1998

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

JANIO DE FREITAS
Lula lá

Embora três tentativas de chegar lá com o apoio público e claro das massas eleitorais, foi encoberto pelas horas altas e sigilosas da noite que afinal deu Lula lá, no Alvorada. E por uma urgência que não era sua, não era do seu eleitorado e é duvidoso que venha a ser explicada pelas partes de modo convincente.
Luiz Inácio Lula da Silva chegou ao Alvorada às 23h30 da quinta- feira 10. Acompanhado do governador de Brasília, atendia, segundo sua contagem, à insistência de quatro telefonemas de Fernando Henrique Cardoso para que fosse encontrá-lo.
Ainda está por acontecer a visita a um palácio alta noite, seja de quem for, que não tenha motivo importante para uma das partes (em geral, é para o residente palaciano) e de dedução improvável ao ser descoberto o encontro. Ainda assim, a maioria dos comentaristas deduziu que a conversa se deveu a um suposto desejo de Fernando Henrique de dar certo colorido de esquerda ao governo e, no segundo mandato, ter o apoio da atual oposição no Congresso.
Muito interessante, mas um tanto fácil e, ainda por cima, incapaz de explicar, seja a urgência, sejam as condições noturnais do encontro. Além disso, Lula escapa sempre de esclarecer o que, na conversa até uma da manhã, foi o motivo verdadeiro da insistência de Fernando Henrique e das circunstâncias especiais do encontro. Menciona, isso sim, suas críticas à política econômica e a defesa que dela fez Fernando Henrique. O óbvio. A menos para a teoria de um casamento de PT e FMI no mesmo governo.
Do assunto governamental em diante, Lula só aceitou reconhecer que Fernando Henrique agradeceu sua condenação, imediata e categórica, aos papéis chamados de dossiê Cayman. Mais, só isso: "Seria uma indelicadeza da minha parte e uma falta de ética relatar o que uma pessoa me disse dentro da casa dela".
Só isso, não. A frase tem uma conotação pessoal rica. Nem seria jamais um dos subterfúgios de político para escamotear uma conversa própria do seu meio, porque uma frase como aquela nem sequer figura na linguagem política.
É certo que Fernando Henrique já ligara antes do dia 10, semanas antes, para agradecer a Lula a condenação dos papéis. Não podendo ser o agradecimento já feito, a insistência para o encontro naquela quinta- feira ficou, portanto, como um mistério.
Aquela quinta-feira foi, por sinal, um dia em que o "dossiê" voltou a ser o centro de ebulição. Pela manhã, o pastor Caio Fábio, suspeito de envolvimento com a difusão dos papéis, começou na Polícia Federal um depoimento que foi até quase o fim de tarde. Inocentou-se, claro, das suspeitas, mas foi pródigo em esclarecimentos e na reprodução de coisas que disse ter ouvido nos Estados Unidos, de diferentes pessoas e em diferentes ocasiões. Caio Fábio corrigiu por exemplo, os nomes de corretoras que operam com depósitos no exterior. Até mencionou cifras, altas como são os depósitos assim. A um título qualquer citou os nomes de Bresser Pereira e de Paulo Henrique Cardoso, entre outros.
A PF não liberou o depoimento, nem é usual fazê-lo. Colheu material cuja variedade e o teor são dados como problemáticos para as investigações. Embora Caio Fábio não fornecesse documentos ou outros meios de prova.
Por tudo isso, tanto se pode dizer que o depoimento, mesmo negando validade aos papéis do "dossiê", auxiliou o inquérito, como se pode dizer que dificultou. Ou inviabilizou de vez.



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.