São Paulo, domingo, 20 de dezembro de 1998

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ELIO GASPARI

Sem comissão

Está embolada a pequena área do Alvorada. Há duas semanas, FFHH reuniu-se por três horas com os empresários Nildemar Secches (Perdigão) e Luís Antonio Viana (Pão de Açúcar). Queria ouvi-los e, eventualmente, convidá-los para a equipe que girará em torno do Ministério do Desenvolvimento. São dois executivos formados na burocracia do BNDES e bem-sucedidos na iniciativa privada.
Nada mais natural. O presidente quer conversar, chama as pessoas e faz o que achar melhor. Resolveu-se fazer a coisa pelo caminho mais complicado. Bastaria um telefonema para levá-los ao Alvorada, mas eles acabaram sendo convidados, e acompanhados, pelo ex-ministro das Comunicações Luiz Carlos Mendonça de Barros, que nada tinha a ver com a história.
Secches e Viana conversaram com FFHH.
Dias depois, Mendonça, intitulando-se "corretor de gente", vangloriou-se de ter organizado o encontro.
Com toda a polidez, os dois continuarão nas empresas que dirigem.

Curso Madame Natasha de piano e português

Madame Natasha tem horror a música. Ela socorre os sem-teto do idioma. Resolveu conceder mais uma de suas bolsas de estudo ao deputado Michel Temer. Ele é um com-teto de R$ 8.000,00. Pretende se reeleger presidente da Câmara, mas já disse, em livro, que esse tipo de continuísmo é inconstitucional.
Para defender sua posição, escreveu o seguinte:
- Invocando, ainda, critérios principiológicos, saliento a compatibilidade do disposto do artigo com os princípios constitucionais, já que (...) hoje vigora o princípio da reeleição para cargos executivos.
Quis dizer que a reeleição do presidente da República abriu a porteira.

Erros

No domingo passado cometeram-se aqui dois erros.
No primeiro, informou-se que nos últimos 70 anos só três presidentes conseguiram eleger seus sucessores. Seriam Arthur Bernardes (Washington Luís), Ernesto Geisel (João Figueiredo) e Itamar Franco (FFHH). Faltou dizer que o general Emílio Médici escolheu Ernesto Geisel. Esse erro pode ser explicado (mas não justificado) pelo fato de que Médici praticou uma literal nomeação, enquanto os outros três tiveram que suar a camisa para chegar ao êxito.
No segundo erro, atribuiu-se ao senador José Roberto Arruda a frase "sou um poço de certezas", como se ele estivesse convencido de que a árvore de Natal da Medida Provisória nš 1.729 poderia ser aprovada pelo Congresso. Justo o oposto. Arruda estava certo de que ela seria derrotada, a menos que fosse estripada, levando-se a voto só o fechamento do paraíso fiscal das entidades filantrópicas. O "poço de certezas" era o ministro da Previdência, Waldeck Ornélas.

Esperteza vencida

FFHH adquiriu horror a um tipo de interlocutor. É aquele que expõe uma complexa teoria para ajudar o governo, acerta tudo em alto nível e, na hora de ir para o mundo das coisas práticas, propõe nomes ou iniciativas que aumentam o seu próprio peso dentro do governo.
A oposição melhorou o governo

A oposição melhorou o governo

O PFL e um pedaço do PT perdem seu tempo com bufos e arreganhos contra as recentes e futuras conversas de FFHH com a oposição. Elas podem dar em nada e é muito provável que acabem exatamente nisso, mas condená-las é uma mistura de intolerância com falta de educação. Só quem faz política excluindo do seu horizonte a perspectiva do poder (um pedaço do PT) ou a perspectiva de ir para a oposição (o PFL) é capaz de ver num encontro de FFHH com Lula ou com Paulo Maluf o risco de que qualquer deles deixe de ser quem é.
A ação conjunta de um pedaço da bancada governista, aliada à oposição, permitiu que o Congresso desatasse diversos nós da vida nacional. O fim do paraíso fiscal das entidades filantrópicas foi apenas o último episódio de uma série.
Essas alianças ocorreram porque a chamada "base de sustentação do governo" (codinome de uma cúpula sustentada pela Viúva) mostrou-se rala para votar medidas contrárias aos interesses silenciosos que moram atrás das cortinas de Brasília.
Aos exemplos:
A regulamentação dos planos de saúde, que só trouxe benefícios para os consumidores, dormiu durante oito anos no Congresso. Quando começou a andar, transformou-se num monstrengo influenciado pelos piores interesses das empresas operadoras. Deveu-se ao deputado Humberto Costa (PT-PE) uma luta quase solitária em defesa de uma regulamentação decente. O Planalto levou mais de um ano para acordar, mas quando se mexeu, por iniciativa de FFHH, influiu na direção certa.
Foram os entendimentos do deputado Ronaldo Cezar Coelho (PSDB-RJ) com a oposição que permitiram a votação do projeto na Câmara. No Senado, foram os senadores Roberto Freire (PPS-PE) e José Roberto Arruda (PSDB-DF) que cortaram o caminho de uma chicana destinada a devolver a lei à Câmara e a mais alguns anos de sono. Uma parte dessas conversas ficou em segredo porque a oposição tinha medo de se identificar com a regulamentação e preferia brincar de quero-tudo. O governo nunca contou a sua parte da história porque é na sua bancada que moram os piores interesses das operadoras.
Há duas semanas, o Congresso aprovou a Lei do Sangue, ou Lei Betinho. É um passo que pode acabar de vez com os vampiros da saúde e com o comércio de plasma. Esse projeto nasceu em 1988, na Câmara. Dormiu quatro anos na Comissão de Seguridade, um na de Finanças e outro na de Constituição e Justiça. Tudo isso sem qualquer debate. Pura obstrução dos intere$$ados em preservar atentados ao patrimônio da Viúva e à saúde da patuléia. Seu primeiro autor, o deputado Raimundo Bezerra, já morreu. O nó do sangue só foi desatado pela ação do deputado Sérgio Arouca (PPS-RJ) com a liderança parlamentar do PSDB.
Há poucos meses, o Congresso votou a lei que obriga os laboratórios a informar, nos seus produtos, os nomes genéricos dos medicamentos que vendem sob marcas de fantasia. Isso permite ao consumidor descobrir que está comprando um frasco com 100 pastilhas de analgésico por R$ 20 quando pode pagar R$ 8, pela mesma coisa. Basta pedir pastilhas de ácido acetilsalicílico. Agora, a Viúva só compra remédios pelo nome do seu princípio ativo, e não mais pela mágica das marcas. Essa lei só passou porque a liderança do PSDB se aliou ao deputado Eduardo Jorge (PT-SP), que gramou oito anos empurrando o projeto.
O que há de mais curioso nessas vitórias do governo associado à oposição é que guardam três características comuns:
1) todas as leis destinavam-se a melhorar a saúde pública e a reduzir despesas, tanto dos consumidores quanto do Erário;
2) todos os projetos eram combatidos por táticas obstrucionistas dos interesses que prejudicavam. Não era o debate que os paralisava, mas o silêncio das gavetas;
3) na hora da votação, os parlamentares e os burocratas que defendiam os interesses das empresas mantiveram-se em $ilêncio.

As mágicas bobas da ekipekonômica

O governo acaba de manter em R$ 315 o valor do gasto mínimo dos estudantes do ensino básico durante o próximo ano. Pela lei, quando os recursos disponíveis por um Estado ficam abaixo dessa média, a União comparece com a suplementação. Neste ano, ela ficou em R$ 500 milhões.
No Orçamento de 1999, ekipekonômica, na sua sabedoria, destinou ao Fundo Nacional de Educação pouco menos de R$ 430 milhões. Trata-se de cifra para FMI ver. Serão necessários mais R$ 500 milhões de suplementação.
A menos que a ekipe esteja pensando em sumir com uns 200 mil estudantes, sabe que sua conta é falsa.
No mesmo capítulo de enganação, vem-se repetindo que o Banco Interamericano do Desenvolvimento colocou US$ 4 bilhões no pacote de socorro ao governo brasileiro. Também é falso. No seu planejamento para 1999, o BID pretendia destinar US$ 2 bilhões aos inúmeros e bem-sucedidos projetos que financia na área social brasileira. Mandado o socorro à ekipe, esse volume foi reduzido para US$ 800 milhões. Assim, US$ 1,2 bilhão que iam para a sociedade vão para os gatos gordos que ganham nos juros.

Ora (direis) ouvir estrelas!

Para quem quiser passar adiante alguns instantes de doçura, presenteie poesia.
O melhor é aquele que a gente escolhe depois de sapear na estante de uma livraria. Ao contrário de um romance, pode-se ter uma vaga idéia de uma obra poética folheando-a por cinco minutos.
Aqui vão cinco sugestões destinadas apenas a estimular a consulta:
Gênero Recordar é Viver: A antologia "26 Poetas Hoje", com o melhor da produção dos anos 70.
Gênero Estou Ligado: A antologia "Esses Poetas".
Gênero Não Tem como Errar: Qualquer das recentes reedições do poeta português Fernando Pessoa.
Gênero BMW: A edição de "Poesia e Prosa Completa de Vinicius de Moraes", em volume encadernado, com 1.572 páginas.
Gênero Rolls Royce: A "Obra Completa de Gonçalves Dias", também encadernada. (Este livro fica mais interessante se vier acompanhado de uma discussão que arrisca acabar em tapa: quantas vezes Gonçalves Dias é melhor poeta que Castro Alves?)

No Natal, o professor Kandir caiu na real

Em setembro de 1996, como ministro do Planejamento em campanha pela reeleição de FFHH, o professor Antônio Kandir informou o seguinte:
- Se tudo se mantiver como está, o país vai crescer por volta de 4% ou 5% ao ano, mas podemos ter um crescimento de cerca de 7% ou 8% se tivermos as mudanças necessárias para aumentar a poupança interna e atrair mais poupança externa.
Manteve-se a política econômica, o Brasil fecha o ano com um crescimento pífio e, em 1999, na melhor das hipóteses, cresce coisa nenhuma.
No seu cartão de Natal aos amigos e eleitores que lhe deram 112 mil votos, o deputado Kandir está relembrando um famoso discurso de Franklin Roosevelt, de 1933, quando ele disse o seguinte:
- A única coisa a temermos é o próprio medo.
O ex-ministro acrescenta:
- Espero que você e sua família tenham um bom Natal, enfrentem com garra o ano de 1999 e sejam felizes.
Garra a galera consegue. Seu medo é que ele volte a fazer previsões.

Entrevista

Dimitri Borja Korozec

(101 anos, anarquista, às vezes confundido com Jô Soares, 60 anos, autor de sua biografia, intitulada "O Homem que Matou Getúlio Vargas")

Qual foi a sua contribuição para a política econômica de FFHH?
Na última vez que o aconselhei, mostrei-lhe minha teoria da contramão. Só a contramão tem rumo certo. Se todo mundo está reclamando dos juros altos, é óbvio que você deve mantê-los altos. Com essa teoria, já quebrei várias vezes o fundo de pensão da Mão Negra, a minha organização terrorista. Só a destruição constrói. Eu entendo de bomba e sei que com dinamite você não explode uma economia. Só com juros. Creio que ajudei o presidente ao lhe propor outras explosões, como a da Saúde e Educação. Você não pode sair por aí botando bombas em escolas e hospitais. Eu sei o trabalho que isso dá. Se você quer fazer reformas profundas nessas áreas, o melhor é explodi-las cortando-lhes as verbas. Ele foi muito receptivo a essa idéia. O governo vai negar que eu o tenha aconselhado, assim como eu nego minhas bombas e meus atentados. Faz parte do negócio.

Que outros trabalhos o senhor fez neste ano?
Convenci o Zagallo a escalar o Ronaldinho. Disse ao Clinton para negar tudo. Garanti ao Malan que a crise asiática tinha acabado. Expliquei ao Mendonça de Barros que é muito difícil grampear um telefone. Recomendei a todos os meus amigos que trocassem de carro com financiamentos bem longos. Disse ao Maluf que aqueles papéis de Miami eram verdadeiros e que o pastor Caio Fábio era quente. Foi um ano produtivo.

Que sugestões o senhor tem para 1999?
Em primeiro lugar, devemos resgatar a idéia do Enéas e fabricar a bomba atômica. Só as bombas mudam o mundo. Eu faço bombas desde menino e sei que elas são a alavanca do progresso. As grandes mudanças deste século começaram e terminaram com bombas. Em 1914, em Sarajevo, e em 1945, em Hiroshima. Eu estava em Sarajevo, mas achei o lance de Hiroshima muito heavy. O Wanderley Luxemburgo deve chamar o Zagallo para seu conselheiro e não deve se esquecer de convocar o Edmundo. O presidente deve nomear o seu porta-voz, Sergio Amaral, para o ministério do Desenvolvimento. Com a euforia que o caracteriza, ele levantará o ânimo do país. Deve estimular a inflação. Seu grande erro foi acabar com esse inimigo da sociedade. As pessoas ficaram sem ter uma válvula para soltar a raiva e, por isso, estão ficando com raiva dele. Finalmente, quero pedir aos ministro do Supremo, senadores e deputados, que insistam no teto de R$ 12 mil para seus salários. Não é muito dinheiro. Esses mísseis que estão explodindo em Bagdá custam US$ 1 milhão cada um. Além disso, se o pessoal do teto não ganhar muito, os desempregados perdem a esperança de, um dia, chegarem a uma boca rica dessas. Imagine que bomba linda você teria se FFHH chamasse os aposentados de vagabundos toda semana e se o pessoal de Brasília pudesse ficar com R$ 12 mil de salário. Para explodir é preciso ter coragem.

Um novo tipo

Com a proposta de organização de manifestações conjuntas, reunindo a Central Única dos Trabalhadores e a Federação das Indústrias de São Paulo, vai-se criar um personagem póstumo para o mundo encantado de Nelson Rodrigues.
Será o empresário de passeata.
Nelson Rodrigues foi o pai da grã-fina com narinas de cadáver, do idiota da objetividade e do padre de passeata.



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