São Paulo, domingo, 20 de dezembro de 1998

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CELSO PINTO
Dúvidas sobre a economia mundial

A piora da expectativa externa em relação ao Brasil, nas últimas semanas, não foi um movimento isolado. Depois de uma melhora acentuada desde outubro, os mercados voltaram a ficar mais instáveis e avessos a riscos.
O Brasil ajuda a explicar essa piora, mas as dúvidas são mais amplas. A produção industrial mundial está com crescimento anual próximo de zero e abaixo do nível de 1982 (a outra grande retração do último quarto de século), segundo o banco Crédit Suisse First Boston (CSFB).
Outra maneira expressiva de medir essa retração é olhar quanto o crescimento na produção industrial mundial se distancia, hoje, do crescimento potencial do produto. Ou seja, de quanto poderia crescer, considerada a tendência histórica e a capacidade instalada.
Essa diferença, ou "hiato" do produto mundial, está hoje em 3%, e o CSFB projeta que chegará a 4% em 99. Já é um resultado tão ruim quanto o do início de 93 e tende a ser o pior dos últimos 25 anos. O mundo está em recessão e a forte queda dos preços das "commodities" reflete essa situação.
Uma análise de Jonathan Wilmot, do CSFB de Londres, pergunta se a recuperação recente dos mercados significou o início de um período de melhora sustentada ou apenas uma "pausa entre crashes". Ele diz que a retomada recente do apetite por risco foi revertida e existem riscos à frente.
Entre os mercados emergentes, a recuperação dos países asiáticos (excluído o Japão) se estabilizou, enquanto a América Latina (liderada pelo Brasil) e o Leste Europeu sofrerão forte retração econômica. A recessão brasileira complica o cumprimento das metas fiscais do FMI, diz ele, e dificulta obter a credibilidade necessária para reduzir os juros.
Outro complicador é a divergência de comportamento entre a economia americana, que continua vigorosa, e as européia e japonesa. Isso tem levado a um déficit comercial crescente nos Estados Unidos, o que pode levar a uma queda no dólar e a pressões protecionistas, fatores de instabilidade.
O mundo, em recessão, precisa de taxas de juros menores, mas nos Estados Unidos é cada vez maior a desconfiança de que os juros poderão subir, não baixar. O Japão já está com juros de apenas 0,25%, e a Europa precisa criar uma reputação para a nova moeda, o euro, a partir de janeiro. Não fazer nada com os juros pode aumentar a instabilidade e volatilidade dos mercados.
Daniel Gleizer, principal economista do CSFB-Garantia, lembra que a melhora no apetite recente por risco foi seletiva. A Argentina e a China voltaram com sucesso ao mercado, mas os fluxos para o Brasil continuaram ruins.
Um indicador do apetite global por risco do CSFB mostra uma forte queda, depois da quebra da Rússia, seguida por uma rápida subida depois de outubro, para níveis até maiores do que os de abril (o melhor deste ano). Nas últimas semanas, contudo, esse indicador voltou a recuar.
Gleizer lembra que a remuneração dos títulos do governo americano de longo prazo voltou a cair, sinal de "fuga para qualidade". Os investidores, temendo outros ativos, se refugiam nos papéis americanos, o que leva a uma queda na sua rentabilidade.
Até mesmo o prêmio de risco pago pelas melhores empresas americanas (riscos AA), que havia dobrado de 0,4 para 0,8 ponto percentual acima dos títulos do Tesouro, depois da Rússia, caiu, mas apenas para 0,6. Recessão e deflação aumentam o medo de inadimplência e tornam os bancos mais seletivos e avessos a riscos.
Nesse cenário novamente mais instável, a rejeição da MP dos funcionários públicos, no início de dezembro, fez aumentar muito a percepção de risco no Brasil. E essa piora reforçou o clima menos otimista internacional, já que o Brasil continua no centro das atenções dos mercados.
A conclusão de Gleizer é que, nesse quadro, o Brasil precisa acabar com as ambiguidades em relação ao futuro da política econômica, geradas pela discussão do novo ministério, implementar o ajuste fiscal e baixar os juros.
O otimismo recente dos mercados internacionais, lembra Wilmot, esteve ligado a mais de 50 iniciativas de redução de juros ao redor do mundo; ao pacote de resgate do Brasil; e a sinais de ação no Japão. A dúvida é saber se será possível manter tanto ativismo daqui para frente.




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