São Paulo, sábado, 21 de fevereiro de 2004

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SOMBRA NO PLANALTO

Presidente cogita afastar ministro da Casa Civil para preservar governo, mas não está convicto de que essa é a melhor solução

Lula ampara Dirceu, mas já discute opção

KENNEDY ALENCAR
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Anteontem à noite, quinta-feira, quando soube que a revista "Veja" traria reportagem sobre suposta tentativa de arrecadação de recursos com empresários gaúchos do ramo do bingo, Dirceu desabafou com um ministro: "Não agüento mais. Vou sair".
Era mais um dos rompantes de Dirceu, que ameaçou pedir demissão três ou quatro vezes na última semana, mas, de concreto, colocou o cargo à disposição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na segunda e falou de novo que podia sair na quarta-feira -o que é bem diferente de uma decisão de pedir demissão.
Ao longo do dia de ontem, essa possibilidade arrefeceu novamente, apesar de o próprio Dirceu já avaliar os prós e contras da saída Henrique Hargreaves -uma alusão ao ministro de Itamar Franco que deixou a Casa Civil e retornou após esclarecer formalmente acusações que sofreu.
Lula está convencido de que sua prioridade é preservar o governo. Daí, não descarta o afastamento temporário de Dirceu, apesar de ainda não ter madura a convicção de que deva adotar tal medida.
O fato é que a saída Hargreaves ganha adeptos na cúpula do governo como forma de tirar a pressão do caso Waldomiro Diniz do Planalto e de dar um susto na oposição, sinalizando que o sacrifício de afastar Dirceu deve ser retribuído por trégua política.
Nesse contexto, começou a ser analisado o que fazer na ausência de Dirceu. No quadro de hoje, há dois ministros cogitados para a substituição temporária: Antonio Palocci Filho (Fazenda), alternativa complicada por implicar na mexida da área econômica, que vai bem na avaliação do governo, e Luiz Gushiken (Comunicação de Governo), opção vista como mais fácil de ser implementada.
Registre-se que Lula ainda tenta preservar Dirceu. A novidade é que tem se mostrado mais aberto à possibilidade de afastá-lo temporariamente para preservar o governo. Dirceu está dividido.
O afastamento lhe permitiria sair "credor" do governo e transmitir a imagem de soldado que vai para o sacrifício em nome de uma causa maior. Feitas as investigações, numa CPI ou não, poderia voltar caso nada de concreto seja apontado contra ele, hipótese que considera a mais provável.
Já a permanência, sangrando a cada nova revelação sobre as ações de Waldomiro na Casa Civil, poderia ser melhor no curto prazo, mas poderia causar mais dano ao governo no médio e longo prazo. Um deles é o aumento da dependência de antigos rivais e hoje aliados, como os senadores José Sarney (PMDB-AP), presidente do Congresso, e Antonio Carlos Magalhães (BA), que representa a ala governista do PFL.
Por ora, Lula manteve a decisão de deixar Dirceu onde está. Decidiu que se pronunciaria sobre o caso, em virtude de novas revelações das revistas "Veja" e "Época", e que adotaria medida dura contra os bingos, numa resposta policial a uma crise política.
Foi o que aconteceu. Lula falou. E seus principais ministros, representados pelo "porta-voz" Márcio Thomaz Bastos (Justiça), anunciaram a proibição dos bingos até decisão definitiva do Congresso.
Assim, Lula continua a apostar na demonstração de normalidade (mantendo sua agenda), numa resposta à crise (proibição dos bingos) e no suposto efeito apaziguador do Carnaval. De certa forma, continua a comprar tempo, na esperança de que a mídia não traga mais nada de impacto e que a temperatura no Congresso diminua em março, quando termina o recesso do Carnaval. Nesse tempo, haverá discreta operação do governo para conversar com órgãos de imprensa de peso e tentar mudar a agenda negativa.


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