São Paulo, sábado, 21 de abril de 2001

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CÚPULA DAS AMÉRICAS

Em discurso duro, presidente lista condições para país ingressar no bloco econômico

FHC diz que Alca pode ser "indesejável"

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A QUÉBEC

O presidente FHC fez ontem o discurso até agora mais duro de uma autoridade brasileira sobre a Alca (Área de Livre Comércio das Américas), a ponto de dizer que ela pode ser "indesejável".
FHC listou um punhado de exigências para disparar em seguida: "Não sendo assim, [a Alca" seria irrelevante ou, na pior das hipóteses, indesejável".
O presidente discursava na cerimônia de abertura da 3ª Cúpula das Américas, que começou às 19h45 (20h45 em Brasília), com uma hora e 15 minutos de atraso em relação ao horário previsto.
Motivo: Québec tornou-se uma cidade sitiada pelos manifestantes e parcialmente sufocada por uma nuvem de gás lacrimogêneo.
Em consequência, os chefes de Estado tiveram dificuldades em seus deslocamentos, tanto que FHC atrasou-se em uma hora para um encontro com seu colega norte-americano George W. Bush e os presidentes dos países andinos e do Panamá.
O primeiro-ministro canadense, Jean Chrétien, teve que referir-se aos protestos para dizer que, "na democracia, protestos pacíficos são direitos fundamentais". Emendou: "Mas a violência e a provocação são inaceitáveis".
Já FHC afirmou que "a Alca será bem-vinda se sua criação for um passo para dar acesso aos mercados mais dinâmicos", em óbvia alusão ao mercado dos EUA.
Depois, o presidente brasileiro listou as demais condições:
1) "Regras compartilhadas sobre antidumping", em alusão ao fato de que os EUA utilizam sua própria legislação para barrar importações a preços de custo ou abaixo do custo (o dumping). As normas dos EUA são consideradas protecionistas pelo governo brasileiro, entre outros.
2) "Reduzir as barreiras não-tarifárias". É uma alusão a uma série de medidas que os norte-americanas usam para proteger seus produtores, mesmo quando têm tarifas de importação baixas.
3) "Evitar a distorção protecionista das boas regras sanitárias". De novo, é alusão à práticas de países ricos de usar supostos riscos sanitários para não importar do Brasil (como ocorreu quando o Canadá colocou a carne brasileira sob suspeita de ter o mal da "vaca louca").
4) "Ao proteger a propriedade intelectual, promover, ao mesmo tempo, a capacidade tecnológica de nossos povos". É uma referência ao contencioso Brasil/EUA sobre a lei brasileira de patentes.
5) "Ir além da Rodada Uruguai e corrigir as assimetrias então cristalizadas, sobretudo na área agrícola". Refere-se ao fato de que os países ricos subsidiam pesadamente seus produtores agrícolas e prejudicam, com isso, países de elevada competitividade nessa área, como é o caso do Brasil.

Defesa do Mercosul
Duro em relação à Alca, FHC foi igualmente enfático na defesa do Mercosul, exatamente no momento em que o bloco regional vive a sua maior crise.
Disse que, "para o Brasil, o Mercosul é uma prioridade absoluta, uma conquista que veio para ficar e que não deixará de existir pela participação em esquemas de integração de maior abrangência geográfica".
As estocadas indiretas nos EUA não se limitaram ao capítulo Alca.
FHC tocou no problema dos remédios para a Aids, enfatizando a necessidade de "assegurar aos que sofrem da doença tratamento ao menor custo possível".
É clara alusão à disputa entre o Brasil e laboratórios dos EUA, com apoio de seu governo, pelo fornecimento de medicamentos.


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