|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
JANIO DE FREITAS
A livre ferocidade
Firmada a conclusão de que
governo, no Brasil, não precisa de mais leis para assegurar
o respeito aos direitos pessoais,
senão de praticar as que já existem em abundância, o Alto Comissariado da ONU para Direitos Humanos firmou agora um
compromisso para ajudar o
Brasil, até com apoio financeiro,
a aplicar suas leis. A constatação foi perfeita, a idéia de solução falha por excesso de otimismo.
Governo, seja federal ou estadual, só não aplica as leis que
não quer aplicar. É esse o caso
das leis cuja inaplicação deixou
abismada a alta comissária
Mary Robinson, ao constatar a
violência da repressão aos movimentos reivindicatórios, o
desprezo pelos direitos dos indígenas, o horror das condições
carcerárias, a permanência da
discriminação racial, a criminalidade da polícia, e por aí afora.
Nada do que motivou a oferta
de apoio da ONU depende, mesmo, de ajuda, ou de qualquer
outra coisa que não seja apenas
a decisão governamental. Ou, o
que dá no mesmo, conveniência
governamental.
A livre ferocidade com que os
movimentos reivindicatórios e
de protesto são atacados pela
polícia, como aconteceu em Porto Seguro, como acaba de acontecer em São Paulo, coincide à
perfeição com o desejo governamental de não se ver confrontado por protestos e reivindicações
que expõem suas ineficácias. O
caso dos professores e funcionários federais e estaduais, da manifestação em São Paulo, é característico da relação íntima
entre o sentido da manifestação
pública e o desrespeito, pelo governo e seus instrumentos de
força, às leis de direitos civis da
população.
O governo está entalado pela
política de defesa do real. No
primeiro mandato, Pedro Malan dizia serem necessários três
a quatro anos para que a estabilidade do real prescindisse das
pesadas restrições orçamentárias, cambiais e outras. Fernando Henrique Cardoso falava em
dois anos, apregoando a formidável contribuição que o governo receberia com a venda das
empresas estatais. O real fará
seis anos no mês que vem, e são
cada vez mais rígidas as restrições exigidas por sua estabilidade e pelo FMI.
As restrições são dirigidas, porém, pelo autoritarismo implícito no poder extraordinário que
se concentra na dedicação exclusiva do governo ao real e ao
acordo com o FMI. Ao mesmo
tempo em que a diretoria da Petrobras é autorizada a se autoconceder um aumento que lhe
dobra os salários, os professores
universitários não podem desejar mais do que seus atuais vencimentos inferiores ao de servidor de cafezinho no Planalto.
Para os militares já está em estudo mais um aumento, que pode ser muito justificado, mas o
funcionalismo civil, sem instrumentos de pressão, não pode ter
um pouco compensada sua vasta perda de poder aquisitivo.
Danem-se os professores e as
universidades, os médicos e os
hospitais, o funcionalismo em
geral e os serviços públicos idem.
Mas é natural que, enquanto se
percebem oprimidos, protestem.
Pelos únicos meios de que dispõem -a greve e a manifestação constrangedora- no país
sem meios de representação civil
e com meios de comunicação
nada interessados na população
aquém da classe média alta.
Nesse ponto a questão se torna
simples: se o trânsito fosse interrompido na avenida Paulista
por uma manifestação de apoio
a Fernando Henrique ou Mário
Covas, a PM atacaria os manifestantes com gás e balas de borracha?
O efeito imediato dos ataques
a protestos é negativo, pela má
repercussão. Governo e comandantes sabem disso. Mas, de
uma parte, atende ao instinto
de polícias instruídas para a
animalidade até o limite do crime; de outra, atende aos governantes pela intimidação a outras possíveis manifestações. É a
conveniência da repressão feroz
aos que não compreendem que,
apesar de todos os disfarces, o
Brasil, do ponto de vista institucional, continua sob regime autoritário e mais dedicado do que
nunca a servir à classe que compõe o poder econômico.
Texto Anterior: Custo total foi de R$ 16 milhões Próximo Texto: Pittagate: Exame diz que grafia não deve ser de prefeito Índice
|