São Paulo, domingo, 21 de junho de 1998

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PUBLICIDADE
Mesmo dividindo contas entre 44 agências, governo tucano é acusado de favorecer publicitários das campanhas
Publicidade muda, mas segue sob suspeita

CÉLIA DE GOUVÊA FRANCO
FREDERICO VASCONCELOS
da Reportagem Local

A tentativa do governo FHC de democratizar a divisão das contas de publicidade não afastou as suspeitas de favorecimentos políticos.
O modelo também não beneficiou o candidato à reeleição: parte da queda de FHC nas pesquisas é atribuída à falta de unidade na comunicação oficial, distribuída entre 44 agências de publicidade.
Repete-se no governo tucano a tradicional acusação de que os publicitários que fazem campanhas eleitorais são premiados, depois, com gordas contas publicitárias de estatais e órgãos públicos.
Hoje, os principais alvos das críticas no meio publicitário são os baianos Rodrigo Sá Menezes, da Propeg, amigo do senador Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA), para quem já fez várias campanhas eleitorais, e Nizan Guanaes, da DM9DDB, que toca a campanha de FHC.
O governo ampliou o número de agências contratadas, que dividem um bolo estimado em R$ 500 milhões anuais, mas o processo de seleção ainda guarda vícios semelhantes aos das licitações de obras disputadas por empreiteiros.

Acordo informal
Um acordo não escrito, estimulado pela Secom (Secretaria de Comunicação Social, órgão vinculado à Presidência da República), pretendia evitar que uma única agência ficasse com mais de três grandes contas do governo federal. A Propeg, de Menezes, e a DM9, de Guanaes, ganharam quatro contas cada uma.
A Propeg alega, em sua defesa, que participou de 25 licitações e ganhou apenas quatro. A DM9 diz que entrou em 19 concorrências.
Menezes cuida de quatro grandes contas federais (Petrobrás, Eletrobrás, Sudene e Ministério do Planejamento). Acumulou, por isso, a antipatia de publicitários que se sentiram preteridos.
Ao atender o Planejamento, sua agência detém a conta do programa "Brasil em Ação", que engloba os principais projetos do governo FHC, carro-chefe da campanha pela reeleição.
"Não se trata de um filão. As verbas estão sendo reduzidas, o governo fez um corte horizontal", diz o dirigente da Propeg.

Posição oficial
"É muito difícil, na área de publicidade, ter critérios objetivos como se tem na licitação de uma ponte ou de uma estrada", diz o diplomata Sergio Amaral, titular da Secom. "A escolha de uma agência envolve um certo grau de subjetividade", diz.
Fernando César Mesquita, assessor de imprensa de Antonio Carlos Magalhães, diz que o senador não comenta acusações de favorecimento feitas por publicitários escudados no anonimato.
Mesquita já trabalhou na Propeg e diz que a agência é competente.
Menezes, por sua vez, confirma a amizade pessoal com ACM. "Sou amigo pessoal, ele ajudou muito na minha carreira, com apoio e estímulo", diz. Ele admite que isso pode gerar a interpretação de favorecimento.
Procurado pela Folha, Guanaes preferiu não comentar o assunto.

Relações cordiais
A democratização na escolha de agências também não inibiu as críticas mais contundentes: "As licitações são uma hipocrisia", disse o publicitário Enio Mainardi, espécie de voz isolada do setor, em programa de debates na TV Gazeta, no final do ano passado.
Apesar das críticas isoladas, nunca as relações entre governo e publicitários foram tão cordiais, a julgar pelas manifestações públicas das duas partes.
"Neste governo, foi reduzido muito o cambalacho, o processo de pressão na escolha das agências", diz Flávio Corrêa, presidente da Abap (Associação Brasileira de Agências de Publicidade).
O publicitário Alex Periscinoto, vice-presidente da entidade, diz que "esta é uma das duas melhores fases no relacionamento do setor com o governo federal". A outra, diz, ocorreu no governo João Baptista Figueiredo (1979-1985).

Serviços gratuitos
Para intermediar seus negócios com o governo, os publicitários criaram o IAP (Instituto para Acompanhamento da Publicidade), associação civil que funciona como uma espécie de clube.
O trabalho das agências é monitorado pelo governo a partir de informações -estudos de mercado- que as próprias agências fornecem gratuitamente, a título de "colaboração espontânea".
O governo exigiu das agências um tratamento igual ao que elas dispensam aos clientes privados, como a concessão de descontos. Com isso, segundo Amaral, foi possível reduzir em até 30% os custos da comunicação oficial.
"Apesar de algumas resistências iniciais, os publicitários, como um todo, concordaram em trabalhar num processo de transparência", diz Amaral.

Sem números
A dificuldade para a obtenção de números globais sobre esse mercado muito disputado mostra que o nível da anunciada transparência ainda deixa muito a desejar.
Amaral disse à Folha que não sabe quanto o governo gasta com a publicidade de toda a administração federal.
Ele alega que a Secom não controla as despesas das estatais. "Só acompanho os gastos do governo", diz. Segundo ele, a administração direta tem uma verba anual que gira entre R$ 110 milhões e R$ 120 milhões. Pelo cálculo dos publicitários, o volume total, incluindo a administração indireta, é próximo de R$ 500 milhões.

Espaço de graça
Outro ponto nebuloso: as empresas de televisão ainda mantêm a prática de conceder alguns minutos diários gratuitos para o governo federal, percentual da programação que o titular da Secom informa desconhecer.
Amaral afirma que se trata de um espaço dedicado apenas a campanhas de utilidade pública.
Levantamento feito por uma grande agência mostrou, porém, que na semana passada 11 campanhas (governamentais ou não) estão sendo veiculadas de graça pelas emissoras de TV ou rádio.
Joaquim Mendonça, presidente da Abert (Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e Televisão), diz que, "de vez em quando, a Abert recebe pedidos para que as emissoras coloquem anúncios no ar de graça".
"Nunca houve obrigação de veicular campanhas de graça para o governo. Na época dos governos militares, se falava muito que as emissoras davam dez minutos diários para campanhas do governo, mas eu estou na Abert há 20 anos e nunca vi nada disso colocado no papel", diz Mendonça.



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