São Paulo, domingo, 21 de junho de 1998

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CELSO PINTO
O FMI, a crise e o Brasil

Os dois focos principais de crise internacional, Japão e Rússia, passarão por semanas decisivas, e um desfecho favorável depende da aprovação de reformas politicamente difíceis. Os outros tigres asiáticos estão se recuperando, mas ainda enfrentarão períodos de turbulências.
"Em crises deste tamanho, não sabemos o que vem pela frente e temos de estar preparados para agir", definiu Stanley Fischer, o segundo homem forte do FMI, que participou, sexta-feira, de um seminário em São Paulo. O recado para o Brasil foi claríssimo: se sofrer novo ataque especulativo, deve voltar a subir os juros e defender sua moeda a qualquer custo.
"Tenho defendido uma teoria que, até agora, tem-se provado verdadeira", disse Fischer à coluna. "Os países que defenderam suas moedas e não desvalorizaram se deram melhor do que os que desvalorizaram".
No caso do Brasil, a importância de resistir a uma crise é ainda maior porque um colapso arrastaria toda a América Latina. E, aí, o próprio FMI ficaria em situação complicada.
Fischer lembrou que, hoje, o FMI tem apenas US$ 15 bilhões de recursos disponíveis para emprestar. Se o Brasil entrasse em crise, Fischer acha que poderia alegar risco sistêmico (de se alastrar pela América Latina) e usar os US$ 25 bilhões do GAB, uma linha de empréstimo de uso restrito. No limite, o FMI teria US$ 40 bilhões para evitar que a América Latina enfrentasse uma crise como a asiática, onde gastaram-se mais de US$ 100 bilhões.
O risco de haver crise não quer dizer, obviamente, que ela acontecerá. Fischer não entende, por exemplo, porque as turbulências na Rússia afetaram tanto o Brasil. A seu ver, a situação dos dois países é muito diferente.
Fischer foi, desde o primeiro momento, o principal piloto na montagem dos pacotes de ajuda à Ásia. Além de sua posição estratégica no FMI, ele é um acadêmico mundialmente respeitado, originário do MIT, de Boston.
Em relação à Rússia, Fischer deixou claro que o FMI estaria preparado para discutir um novo pacote de ajuda, inferior a US$ 10 bilhões, mas apenas se a Duma aprovasse as mudanças fiscais em discussão. Fischer viajou sexta-feira para a Ucrânia e nesta semana estará em Moscou.
O Japão o preocupa bastante. Ele disse que os dias de crise que precederam a intervenção americana em favor do iene foram os piores que já passou desde a crise de outubro. Achou, portanto, a intervenção oportuna.
Ele não tem dúvidas, contudo, de que o apoio americano, daqui para a frente, estará condicionado ao avanço concreto do Japão em duas áreas: estímulo fiscal e acerto do setor bancário. Se não houver medidas concretas, rapidamente, de Tóquio, os Estados Unidos poderão abandonar o iene.
No seminário, ele detalhou o que se espera do Japão. Na área fiscal, não basta o pacote recentemente anunciado, equivalente a 2% do PIB. "É preciso aprovar, logo, reduções de impostos adicionais e substanciais".
Para os bancos, o pacote que se espera é amplo e detalhado. Vai da liquidação de instituições insolventes e mecanismos para lidar com a montanha de maus empréstimos a melhorias na supervisão.
Sem resolver o problema dos bancos, o Japão não sairá da estagnação. A situação hoje é tão ruim que, embora os juros sejam quase zero, os bancos relutam em emprestar.
No caso dos outros países asiáticos, ele acha que o ponto de inflexão para melhor se deu na virada do ano, quando a Coréia acertou a renegociação dos débitos com os bancos. As moedas pararam de cair e até se recuperaram um pouco. O que vem pela frente, contudo, é um penoso processo de reestruturação do setor financeiro, com avanços e recuos. Haverá "períodos difíceis" pela frente.
O FMI abandonou seu extremo otimismo fiscal com o Brasil e agora aposta em resultados de déficit primário e nominal em 98 parecidos aos indesejáveis números de 97. O crescimento ficaria entre 1,5% e 2% este ano, a inflação, entre 4% e 5% e o déficit comercial, em US$ 5 bilhões.
Fischer classificou o pacote fiscal brasileiro de outubro de corajoso, mas reclamou que a parte de corte de gastos não foi implementada, só o aumento de receitas. Recomendou também a plena implementação dos acordos com os Estados. Seria, a seu ver, uma forma de o Brasil reduzir os riscos de uma crise.




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