São Paulo, domingo, 21 de junho de 1998

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MIGRAÇÃO
Não há estatísticas de quantos retirantes chegam diariamente à cidade acreditando numa vida melhor
Nordestinos ainda têm esperança em SP

LUIZA ERUNDINA
especial para a Folha

Todo domingo, às 6h, começam a aparecer famílias inteiras desembarcando com suas mudanças que são jogadas nas calçadas, onde as pessoas se concentram aguardando a chegada de parentes que as vêm apanhar.
São nordestinos que chegam em ônibus, nordestinos em busca do apoio de nordestinos. Não contam, em geral, com ajuda do Estado, que não oferece sequer estatísticas sobre quantos migrantes chegam e se o contingente de retirantes aumentou.
O fenômeno da seca no Nordeste sempre me deixa muito impactada. Faz-me voltar ao tempo da minha infância, quando aos sete anos de idade migrei com minha família, fugindo da seca de 1942.
Na época, a situação dos flagelados não era menos dramática do que é hoje, e os saques já eram o meio de que muitos se valiam para não morrer de fome.
É revoltante constatar que nada se fez para resolver esse problema que nos envergonha e que se repete há mais de um século. Lembro-me que minha avó materna nos contava sobre a seca de 1877, uma verdadeira tragédia, que servia de parâmetro para avaliar a gravidade das que vieram depois.
Agora, o país inteiro assiste estarrecido a mais uma terrível seca que se abate sobre o sofrido povo nordestino. Os reflexos dessa tragédia chegam até nós com as levas e levas de nordestinos que vêm para São Paulo em busca de trabalho.
Para ver de perto a situação dos que aqui estão chegando, fui a alguns pontos da cidade onde, semanalmente, desembarcam dezenas de ônibus lotados com pessoas de diversos Estados do Nordeste.
Pude observar que não procedia a denúncia feita pelo atual prefeito de São Paulo de que prefeitos de municípios do Nordeste estariam fretando ônibus para trazer para São Paulo os flagelados da seca, livrando-se deles em suas cidades.
Ônibus não regularizados chegam a diferentes bairros da capital, de acordo com sua procedência. No Brás, por exemplo, desembarcam passageiros de Alagoas e Pernambuco. Já na praça da Árvore, concentram-se pequenas agências da Bahia.

Dificuldade
Mesmo sabendo que em São Paulo também está difícil de conseguir emprego, boa parte dos migrantes acredita, como João Ferreira da Cruz, de 43 anos, que "pior do que estava no Nordeste não vai ficar".
Cruz desembarcou de Iupanatinga (PE) com um amigo, José Alves da Silva, 44, para fugir da "pior seca desde 1970", segundo ele. Ambos têm uma pequena propriedade, mas, sem água, "nem chegamos a plantar", dizem.
Silva vem pela segunda vez às regiões Sul e Sudeste. Em 1973, esteve no Paraná, de onde diz ter retornado com dinheiro. "Mas, agora, tem gente voltando para o Nordeste sem nada."
Mesmo assim, os dois homens esperam arrumar trabalho em um frigorífico, como os parentes que vão hospedá-los em São Paulo.
Elenilda Cavalcanti da Silva, 46, de Palmeira dos Índios (AL), chegou com filhos e netos, dois deles ainda bebês, para ficar na casa de uma filha que já mora em Campinas. Não sabe ainda qual será seu trabalho e o que a filha faz.
Renato Rios, Helena Souza dos Santos e uma filha de 13 anos, Cleideane dos Santos, também vão ficar na casa de parentes. Ele era vendedor em Capim Grosso, na Bahia, e um primo que veio buscá-los numa perua F-1000 nova ficou de arrumar-lhe emprego.
Como se vê, os que vêm para São Paulo não são os que estão em pior situação. Em geral, têm parentes por aqui e, pelo menos, dinheiro para pagar a passagem.
Outra constatação é que a maioria já esteve morando em São Paulo anteriormente, mas não conseguiu se fixar, seja por perda do emprego ou inadaptação. Há um vaivém constante.

Desagregação
"Nordestino vai e vem, vai e vem. Agora estão indo mais para o interior de São Paulo", observa o pernambucano Ivo Luiz da Silva, 32, que trabalha na agência de passagens.
Esse movimento acaba gerando, entre outras coisas, desagregação familiar.
Maria Luzinete Silva, que veio de Campo Alegre (AL), já morou cinco anos em São Paulo, quando o marido trabalhava como ambulante em Santo Amaro.
Depois voltaram para Alagoas, mas diante das dificuldades que enfrentaram lá, o marido retornou a São Paulo, onde está há três meses trabalhando como ambulante em Guaianazes.
Três filhos moram aqui com ele. Ela veio passar cinco meses com eles, devendo retornar, por ser funcionária da Câmara Municipal de Campo Alegre.
Maria Luzinete diz que a situação lá é muito grave por causa da seca. "Há tanta gente à toa, tanta fome... A miséria é muito grande, mas Deus dá conforto, todo mundo vende."

Ervas
Francisco Alves Pereira, 54, é de Abóbora (BA) e está em São Paulo há alguns anos. Vende ervas medicinais. Disse que, com 54 anos, não consegue mais emprego e que "não tem mais ninguém bobo no Brasil".
Acrescentou que tem gente passando fome na Bahia, mas "Antonio Carlos Magalhães esconde isso, para ganhar vantagem". "O povo não é bobo. Hoje a gente sabe que, quando recebe dinheiro de um candidato, esse dinheiro é nosso, não dele."



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