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MIGRAÇÃO
Não há estatísticas de quantos retirantes chegam diariamente à cidade acreditando numa vida melhor
Nordestinos ainda têm esperança em SP
LUIZA ERUNDINA
especial para a Folha
Todo domingo, às 6h, começam
a aparecer famílias inteiras desembarcando com suas mudanças que
são jogadas nas calçadas, onde as
pessoas se concentram aguardando a chegada de parentes que as
vêm apanhar.
São nordestinos que chegam em
ônibus, nordestinos em busca do
apoio de nordestinos. Não contam, em geral, com ajuda do Estado, que não oferece sequer estatísticas sobre quantos migrantes chegam e se o contingente de retirantes aumentou.
O fenômeno da seca no Nordeste
sempre me deixa muito impactada. Faz-me voltar ao tempo da minha infância, quando aos sete anos
de idade migrei com minha família, fugindo da seca de 1942.
Na época, a situação dos flagelados não era menos dramática do
que é hoje, e os saques já eram o
meio de que muitos se valiam para
não morrer de fome.
É revoltante constatar que nada
se fez para resolver esse problema
que nos envergonha e que se repete há mais de um século. Lembro-me que minha avó materna
nos contava sobre a seca de 1877,
uma verdadeira tragédia, que servia de parâmetro para avaliar a
gravidade das que vieram depois.
Agora, o país inteiro assiste estarrecido a mais uma terrível seca
que se abate sobre o sofrido povo
nordestino. Os reflexos dessa tragédia chegam até nós com as levas
e levas de nordestinos que vêm para São Paulo em busca de trabalho.
Para ver de perto a situação dos
que aqui estão chegando, fui a alguns pontos da cidade onde, semanalmente, desembarcam dezenas de ônibus lotados com pessoas
de diversos Estados do Nordeste.
Pude observar que não procedia
a denúncia feita pelo atual prefeito
de São Paulo de que prefeitos de
municípios do Nordeste estariam
fretando ônibus para trazer para
São Paulo os flagelados da seca, livrando-se deles em suas cidades.
Ônibus não regularizados chegam a diferentes bairros da capital, de acordo com sua procedência. No Brás, por exemplo, desembarcam passageiros de Alagoas e
Pernambuco. Já na praça da Árvore, concentram-se pequenas agências da Bahia.
Dificuldade
Mesmo sabendo que em São
Paulo também está difícil de conseguir emprego, boa parte dos migrantes acredita, como João Ferreira da Cruz, de 43 anos, que
"pior do que estava no Nordeste
não vai ficar".
Cruz desembarcou de Iupanatinga (PE) com um amigo, José Alves da Silva, 44, para fugir da
"pior seca desde 1970", segundo
ele. Ambos têm uma pequena propriedade, mas, sem água, "nem
chegamos a plantar", dizem.
Silva vem pela segunda vez às regiões Sul e Sudeste. Em 1973, esteve no Paraná, de onde diz ter retornado com dinheiro. "Mas,
agora, tem gente voltando para o
Nordeste sem nada."
Mesmo assim, os dois homens
esperam arrumar trabalho em um
frigorífico, como os parentes que
vão hospedá-los em São Paulo.
Elenilda Cavalcanti da Silva, 46,
de Palmeira dos Índios (AL), chegou com filhos e netos, dois deles
ainda bebês, para ficar na casa de
uma filha que já mora em Campinas. Não sabe ainda qual será seu
trabalho e o que a filha faz.
Renato Rios, Helena Souza dos
Santos e uma filha de 13 anos,
Cleideane dos Santos, também
vão ficar na casa de parentes. Ele
era vendedor em Capim Grosso,
na Bahia, e um primo que veio
buscá-los numa perua F-1000 nova ficou de arrumar-lhe emprego.
Como se vê, os que vêm para São
Paulo não são os que estão em pior
situação. Em geral, têm parentes
por aqui e, pelo menos, dinheiro
para pagar a passagem.
Outra constatação é que a maioria já esteve morando em São Paulo anteriormente, mas não conseguiu se fixar, seja por perda do
emprego ou inadaptação. Há um
vaivém constante.
Desagregação
"Nordestino vai e vem, vai e
vem. Agora estão indo mais para o
interior de São Paulo", observa o
pernambucano Ivo Luiz da Silva,
32, que trabalha na agência de passagens.
Esse movimento acaba gerando,
entre outras coisas, desagregação
familiar.
Maria Luzinete Silva, que veio de
Campo Alegre (AL), já morou cinco anos em São Paulo, quando o
marido trabalhava como ambulante em Santo Amaro.
Depois voltaram para Alagoas,
mas diante das dificuldades que
enfrentaram lá, o marido retornou a São Paulo, onde está há três
meses trabalhando como ambulante em Guaianazes.
Três filhos moram aqui com ele.
Ela veio passar cinco meses com
eles, devendo retornar, por ser
funcionária da Câmara Municipal
de Campo Alegre.
Maria Luzinete diz que a situação lá é muito grave por causa da
seca. "Há tanta gente à toa, tanta
fome... A miséria é muito grande,
mas Deus dá conforto, todo mundo vende."
Ervas
Francisco Alves Pereira, 54, é de
Abóbora (BA) e está em São Paulo
há alguns anos. Vende ervas medicinais. Disse que, com 54 anos,
não consegue mais emprego e que
"não tem mais ninguém bobo no
Brasil".
Acrescentou que tem gente passando fome na Bahia, mas "Antonio Carlos Magalhães esconde isso, para ganhar vantagem". "O
povo não é bobo. Hoje a gente sabe que, quando recebe dinheiro de
um candidato, esse dinheiro é
nosso, não dele."
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