São Paulo, domingo, 21 de junho de 1998

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NO BARRACO
Desemprego impulsiona família a São Paulo

Antonio Gaudério/Folha Imagem
Josevaldo da Silva e sua família no barraco do cunhado, onde moram desde que chegaram a São Paulo


especial para a Folha

Josevaldo Heleno da Silva, 22, e Cícera Maria da Silva Santos, 31, são outro casal que desembarcou no Brás na manhã fria de domingo, com três filhos menores, um deles com 9 meses, apresentando um quadro de subnutrição.
O rapaz era pedreiro na região de Maceió. Está há seis meses desempregado. Vivem com "uma ajuda daqui, outra dali". A seca não os atingiu diretamente, mas foram vítimas do aumento do desemprego.
Ele tem um cunhado que mora em São Paulo e que prometeu arranjar um emprego. Não sabe ainda em que vai trabalhar. Disse que souberam de pessoas que não se deram bem, mas resolveram tentar. "Pior do que estava, não pode ficar não", acrescentou.
Seus parentes chegaram para levá-los. Estavam animados, sorridentes. Cícera e João são jovens. Ela não trabalha. Cuida dos filhos. Ele era faxineiro e acaba de arrumar emprego na construção civil, como ajudante. É a mesma função que espera conseguir para o cunhado. Alugaram uma van para levar a mudança da família, que vão instalar num barraco vizinho ao deles, numa favela do Real Parque, zona sul de São Paulo.
Apesar de termos o endereço, foi difícil localizar, três dias depois, o barraco onde as duas famílias se instalaram. Todos encontravam-se num único barraco de madeira de três pequenos cômodos -quarto, sala e cozinha-, escondido atrás de outros, num terreno acidentado e de difícil acesso.
No centro do pequeno cômodo usado como sala, em uma caixa de papelão, estava Jéssica, 1, portadora de hidrocefalia e filha da dona. O minúsculo espaço estava ocupado pelas duas famílias, num total de mais de dez pessoas, entre crianças e adultos. Todos estes desempregados. Josevaldo, o recém-chegado, e João Manuel da Silva, chefes das famílias, tinham a promessa de começar a trabalhar como lavadores de prédio no dia 15 de junho.
Até lá, dividem o espaço exíguo de cerca de 2,5 m por 2,5 m, já pequeno para tantos filhos, com outros cinco parentes que acabaram de chegar.
O barraco mal construído, cheio de fendas por onde passa o vento frio, incrustado num morro sem nenhuma segurança, o casal comprou por R$ 1.100, pagando prestação mensal de R$ 100.
Não há espaço para as crianças, que ficam amontoadas dentro do barraco, apesar do dia ensolarado.
Os maiores vão para a escola. Quando retornam, juntam-se aos parentes para assistir às notícias sobre a Copa da França num velho aparelho de TV.
Cícera e João também são novatos. Chegaram de Pernambuco há 11 meses. Apesar das dificuldades, estão cheios de esperança, aguardando o novo emprego e a possibilidade de tratamento da filha.
Os que vêm direto para São Paulo (Capital) em geral têm uma situação um pouco melhor do que os que vão para o interior. Primeiro, porque, pelo menos, vieram por conta própria e, segundo, porque quase sempre contam com o apoio de parentes que moram aqui, que os acolhem e os ajudam a encontrar um emprego, o que demonstra a grande solidariedade que existe entre eles.
Da parte dos governos, a omissão é total diante do drama dessa gente e nem sequer dispõem de dados estatísticos sobre os que chegam a São Paulo por causa da seca.



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