São Paulo, quinta-feira, 21 de novembro de 2002

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CELSO PINTO

O alívio financeiro ainda é precário

O dólar, que chegou muito perto de R$ 4, hoje está na casa dos R$ 3,50, enquanto o risco Brasil, que bateu em 2.500 pontos, hoje está em 1.600. É um enorme alívio, mas dá para dizer que o pior já passou?
Na visão de experientes banqueiros e investidores, ainda é cedo para relaxar. Por uma razão principal. O que vem puxando o câmbio para baixo é dinheiro especulativo de curto prazo, algo que um banqueiro estima entre US$ 1,5 bilhão e US$ 2 bilhões. O risco Brasil caiu bastante, mas continua elevadíssimo, muito acima do que qualquer empresa saudável poderia pagar.
O capital especulativo veio para aproveitar um ganho fácil. Os juros das aplicações em reais indexadas ao dólar, o cupom cambial, ficou tão alto, que permitia um ganho certo a curto prazo para quem trouxesse recursos (bem mais baratos) do exterior. Desde que confiasse que não haveria problema para reconverter os reais em dólares e remetê-los para fora. Por medo de mudanças de regras, poucos se arriscavam nesta arbitragem antes das eleições.
A confirmação de sinais positivos do PT depois da eleição fez crescer o apetite para esta arbitragem, elevando a rolagem dos vencimentos cambiais, a juros decrescentes. Mesmo assim, os juros do cupom ainda permitem ganhos com a arbitragem.
Quem são esses especuladores? Dinheiro de tesouraria dos bancos e de grandes empresas do país. Os maiores grupos empresariais têm tesourarias sofisticadas e, especialmente os exportadores, mantêm um caixa significativo no Exterior, que um banco estima entre US$ 7 bilhões e US$ 8 bilhões.
O dinheiro da especulação não é, em si, ruim. É o primeiro a voltar, porque está disposto a correr mais riscos. Ao empurrar para baixo o câmbio e o risco país, pode ajudar a reconstruir a confiança. Não é, contudo, suficiente para firmar uma tendência, a menos que seja seguido por outros capitais mais estáveis. É um dinheiro nervoso. Qualquer tropeço ou indicação negativa, ele sai. O episódio da desinformação sobre o suposto calote da cidade de São Paulo é um bom exemplo: bastou um boato para reverter em horas vários dias de melhora no câmbio e no risco.
Por enquanto, os dólares mais estáveis ainda não voltaram. Nem mesmo as linhas comerciais de curto prazo, por definição as primeiras na fila. Os bancos não querem aumentar sua exposição ao risco Brasil nos balanços de fim de ano. Os investidores de maior peso, por sua vez, continuam bastante cautelosos em relação ao Brasil. Não bastam as promessas e o discurso suave do PT para mudar isto. Falta uma equipe que seja bem recebida, alguns meses de governo e a definição de prioridades do novo governo no Congresso.
O Brasil perdeu muito peso relativo frente aos investidores internacionais. Em renda fixa, o Brasil representa cerca de 15% dos mercados emergentes. É bem menos do que já foi, mas ainda significa que os investidores não se podem dar ao luxo de ignorar uma recuperação, se ela vier. No caso da Bolsa, o Brasil representa só 6,5% do total dos emergentes, comparado, por exemplo, a 22% da Coréia, 13% de Taiwan e 13% da África do Sul.
O cenário internacional continua incerto, com riscos de piora na economia americana e guerra no Iraque, aversão ao risco e destruição de US$ 10,6 trilhões de valor de capitalização de mercados acionários de 2000 a 2002. Existem, contudo, três fatores potencialmente positivos. Nas contas feitas por Octávio de Barros, do BBV, os juros reais americanos caíram de uma média de 3,1% de 1997 a 2000, para 0,2% em 2001 e estão, hoje, negativos em 0,77%.
Investidores institucionais que têm obrigação de manter remunerações mínimas expressivas, terão que buscar rentabilidade. Os preços tanto dos papéis de renda fixa quanto da bolsa brasileira, hoje, são tão baixos, que embutem uma rentabilidade extraordinária. Mas o risco também é visto como muito alto, até porque muitos investidores continuam temendo uma moratória brasileira. Se a ambição vencer o medo, o Brasil será uma boa opção de ganhos.
O segundo fator é que a atração dos Estados Unidos para os capitais internacionais vem decrescendo fortemente. Em junho deste ano, segundo o BBV, havia um "gap" no balanço de pagamentos americano de US$ 185 bilhões, ou seja, muito menos financiamento disponível do que o necessário. A Europa tampouco é atraente hoje como opção.
Alguns países emergentes continuam atraindo recursos. Outra vez, se o Brasil vencer as desconfianças, pode entrar na lista. Hoje, a situação está longe disto. O balanço de pagamentos brasileiro, excluído o dinheiro do FMI, foi deficitário em US$ 6,6 bilhões nos 12 meses encerrados em setembro. A boa notícia é que o déficit em conta corrente brasileiro está caindo fortemente.
De todo modo, o Brasil ainda é um dos poucos emergentes com déficit expressivo em conta corrente. Em 12 meses até setembro, pelos dados do BBV, só o México tinha déficit maior que o do Brasil (US$ 16 bilhões), numa lista dos 24 principais emergentes. Os únicos outros emergentes com déficits eram Polônia (US$ 6,4 bilhões), Israel (US$ 2,6 bilhões), Hungria (US$ 2,4 bilhões), República Checa (US$ 2,3 bilhões), Colômbia (US$ 1,4 bilhão), Peru (US$ 1 bilhão), Chile (US$ 600 milhões) e África do Sul (US$ 300 milhões).
Mesmo que o déficit em conta corrente do Brasil caia para US$ 5 bilhões em 2003, o que seria uma melhora excepcional, continuará destoando da maioria dos emergentes. Não será complicado financiar a rolagem do principal da dívida externa pública, cerca de US$ 5 bilhões, mas a rolagem do setor privado depende da redução do risco país para 800 pontos ou perto disto.
A terceira potencial boa notícia são as previsões gerais, do FMI, do Banco para Compensações Internacionais (BIS) e dos bancos privados de que o fluxo privado para emergentes, em 2003, será um pouco melhor do que este ano. Algum dinheiro para financiar o Brasil e aliviar o câmbio haverá, se o país conseguir restabelecer a confiança. Esta batalha está só começando.

E-mail: CelPinto@uol.com.br


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