São Paulo, domingo, 21 de novembro de 2004

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A FANTASIA DESFEITA

Ex-presidente do BNDES disse à Folha que ele e Furtado, que apoiou sua indicação ao cargo, sempre sonharam com a civilização brasileira

Lessa mobiliza atenções em velório na ABL

TALITA FIGUEIREDO
FREE-LANCE PARA A FOLHA

SERGIO RANGEL
DA SUCURSAL DO RIO

Intelectuais, autoridades e políticos estiveram ontem à noite no velório de Celso Furtado, na sede da ABL (Academia Brasileira de Letras), que se tornou também um ato de solidariedade a Carlos Lessa, demitido na última quinta-feira da presidência do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). Depois de Rosa Freire D'Aguiar, viúva de Furtado, ele foi o mais cumprimentado no local.
Durante a tarde, em entrevista à Folha, Lessa disse ter pressentido a morte de Furtado. "Você sabe que hoje eu acordei chorando? Isso nunca aconteceu. Depois, minha pressão começou a subir [chegou a 16 por 10]. Parece que estava sentindo", contou Lessa, 68, ao lamentar a morte do amigo de 42 anos, que apoiou sua indicação para o BNDES.
Com olhos marejados e voz embargada, Lessa afirmou que sua ligação com Furtado é "uma ligação de brasileiro". "Você pode imaginar o que esse troço [a morte de Furtado] significa pra mim?", perguntou.
"Nós sonhamos sempre com a civilização brasileira. A coisa mais importante é que ele era um homem inteiramente voltado para fazer do Brasil uma nação justa. O fato de ser o economista de maior repercussão brasileiro no mundo, ter sido professor em todos os lugares, ter ajudado a construir teorias novas, tudo isso é acessório. O que é fundamental é que Celso Furtado amava este país."
Lessa criticou a atual geração de economistas que, segundo ele, é "fascinada pela economia de mercado, por carreiras puramente financeiras". "Celso sempre acreditou que o povo brasileiro seria capaz de fazer disto uma nação digna e civilizada. Lutou com todas as armas e foi exilado por isso. Ele sabia da importância do povo brasileiro, tanto que foi o primeiro economista a dizer que sem cultura não há identidade."
O ex-presidente do BNDES confirmou ainda que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva telefonou para Furtado na quinta-feira, para explicar sua demissão.
Lessa chegou ao velório às 18h, acompanhado da mulher e de um enfermeiro. De muletas por causa de um problema no joelho, foi abraçado longamente pela viúva de Furtado, que chorou. Familiares do economista morto colocaram uma cadeira próxima do caixão para que ele se sentasse. A partir daí, começou a receber manifestações de solidariedade.
O líder do PT no Senado, Aloizio Mercadante, levou o ex-presidente do BNDES para o jardim contíguo ao Salão dos Poetas Românticos, onde ocorria o velório. Os dois conversaram por quase meia hora. Lessa gesticulava muito e algumas vezes se exaltava.
Questionado, Mercadante disse que a demissão de Lessa não teve relação com o agravamento do estado de saúde de Furtado:
"Estava conversando com a Rosa [viúva de Furtado]. Ela não vê nenhuma relação entre a saída do Lessa e a morte do Celso. Ele já estava com deficiência de saúde há algum tempo. Além disso, era um homem vivido politicamente, muito experiente. Foi ministro de Estado, atravessou tantos experiências e sabe como é a vida pública. Furtado nunca deixou de acreditar no projeto que o presidente Lula representa e demonstrou isso até o final da sua vida."
Também conversaram com Lessa a economista Maria da Conceição Tavares, a prefeita de São Paulo, Marta Suplicy (PT), e o marido, Luis Favre, os ministros Gilberto Gil (Cultura) e Jaques Wagner (Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social), o economista e ex-ministro Luiz Carlos Bresser-Pereira, o senador Saturnino Braga (PT-RJ) e o vice-presidente demissionário do BNDES, Darc Costa.
O prefeito eleito de São Paulo, José Serra, foi um dos últimos a chegar, quase às 21h. A viúva de Furtado também chorou ao cumprimentá-lo. Ele e Marta Suplicy se cumprimentaram com um aceno de cabeça e mais tarde, com um aperto de mão.


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