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JANIO DE FREITAS
Momento de verdades
A vida pessoal consegue driblar o
momento da verdade, mas na vida
política isso não é possível. Mais
cedo ou mais tarde, acontece, seja
no tempo imediato, o que é sempre
um fator de avanço humano e social, ou, na pior hipótese, em tempo histórico.
Se não for um duplo momento
da verdade, este em que se contrapõem com raiva o governo de Fernando Henrique Cardoso e o seu
principal sustentáculo político até
aqui, o PFL, pelo menos será certo
que ambos estão já muito próximos de revelar-se, de uma vez por
todas, em sua verdadeira identidade.
Raiva é uma palavra que soa
despropositada, em se tratando
das relações entre o PFL e Fernando Henrique. É, porém, a palavra
própria para exprimir o estado
das principais cabeças pefelistas,
tomadas da percepção tardia de
que enfraquecer o PFL, tanto
quanto possível, é a meta política
da Presidência e do PSDB, com as
convenientes alianças.
A situação chegou ao ponto em
que parece aos pefelistas só haver
esta alternativa: mostrar-se um
partido político mesmo, comportando-se como tal a partir dos
princípios declarados, ou aceitar
como verdade definitiva que é um
conglomerado fisiológico, formado a partir de interesses comuns
em usufruir de benesses do Estado.
Fernando Henrique Cardoso jogou sempre com esse modo de ver
o PFL, e é o que o fará, ou já está
fazendo, mais uma vez.
Quanto a opções, a situação de
Fernando Henrique não é muito
melhor. Como resposta à rasteira
que derrubou sua hegemonia na
Câmara e repele a continuidade
do seu poder no Senado, o PFL se
dispõe a adotar, para valer, a campanha pelo salário mínimo de US$
100 - de qualquer modo, uma
miséria aquém do Paraguai. A
reação da área econômica, que é o
governo de fato, e de Fernando
Henrique em nada inovou, com as
declarações de que mínimo de US$
100, se aprovado pelo Congresso,
seria vetado pelo presidente.
Há cinco anos o governo mantém os funcionários públicos civis
sem correção dos vencimentos, exceto diplomatas e os nomeados para os amigáveis cargos "de confiança". Há cinco anos desestimula a correção de salários na empresa privada, cuja massa salarial
apresenta redução não só pelo desemprego, mas por perda, mesmo,
de poder aquisitivo dos assalariados. Há cinco anos o governo só
faz o reajuste do salário mínimo
pelo índice inflacionário que mais
lhe convém, ou seja, aplica o mínimo para o mínimo. Agora, de
acordo com essa prática, pretende
o reajuste de 9%, quando o Índice
Geral de Preços apontou mais de
19% de inflação em 99.
Em cinco anos, a área econômica não fez o menor esforço para
encontrar atenuações ao problema de aumento da pobreza e da
miséria, de proletarização da classe média e de concentração cada
vez maior da renda e da riqueza.
A área econômica não fez e Fernando Henrique não lhe cobrou,
antes deu a mais plena cobertura
à omissão que beira o crime social,
se é que não penetra nele a fundo.
Mas o zelo pelas condições de vida
da população está os mínimos e
indispensáveis deveres de um governo.
A estabilidade do real, em si, pode ser muito útil eleitoralmente
para Fernando Henrique e o
PSDB e, financeiramente, para os
beneficiados pela concentração
crescente da renda, que não é mais
do que apropriação exacerbada
dos frutos gerados pelo trabalho
assalariado. Mas se o modo de
praticá-la são políticas anti-sociais e empobrecedoras do próprio
país, cuja população cresce mais
do que a economia, então haverá
um momento em que o governo
será forçado à sua identificação: a
quem e para quê serve, afinal?
Se não precipitar a identificação,
o confronto entre Fernando Henrique e PFL em torno do salário
mínimo pelo menos a torna muito
mais próxima.
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