São Paulo, terça-feira, 22 de fevereiro de 2000


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JANIO DE FREITAS
Momento de verdades

A vida pessoal consegue driblar o momento da verdade, mas na vida política isso não é possível. Mais cedo ou mais tarde, acontece, seja no tempo imediato, o que é sempre um fator de avanço humano e social, ou, na pior hipótese, em tempo histórico.
Se não for um duplo momento da verdade, este em que se contrapõem com raiva o governo de Fernando Henrique Cardoso e o seu principal sustentáculo político até aqui, o PFL, pelo menos será certo que ambos estão já muito próximos de revelar-se, de uma vez por todas, em sua verdadeira identidade.
Raiva é uma palavra que soa despropositada, em se tratando das relações entre o PFL e Fernando Henrique. É, porém, a palavra própria para exprimir o estado das principais cabeças pefelistas, tomadas da percepção tardia de que enfraquecer o PFL, tanto quanto possível, é a meta política da Presidência e do PSDB, com as convenientes alianças.
A situação chegou ao ponto em que parece aos pefelistas só haver esta alternativa: mostrar-se um partido político mesmo, comportando-se como tal a partir dos princípios declarados, ou aceitar como verdade definitiva que é um conglomerado fisiológico, formado a partir de interesses comuns em usufruir de benesses do Estado. Fernando Henrique Cardoso jogou sempre com esse modo de ver o PFL, e é o que o fará, ou já está fazendo, mais uma vez.
Quanto a opções, a situação de Fernando Henrique não é muito melhor. Como resposta à rasteira que derrubou sua hegemonia na Câmara e repele a continuidade do seu poder no Senado, o PFL se dispõe a adotar, para valer, a campanha pelo salário mínimo de US$ 100 - de qualquer modo, uma miséria aquém do Paraguai. A reação da área econômica, que é o governo de fato, e de Fernando Henrique em nada inovou, com as declarações de que mínimo de US$ 100, se aprovado pelo Congresso, seria vetado pelo presidente.
Há cinco anos o governo mantém os funcionários públicos civis sem correção dos vencimentos, exceto diplomatas e os nomeados para os amigáveis cargos "de confiança". Há cinco anos desestimula a correção de salários na empresa privada, cuja massa salarial apresenta redução não só pelo desemprego, mas por perda, mesmo, de poder aquisitivo dos assalariados. Há cinco anos o governo só faz o reajuste do salário mínimo pelo índice inflacionário que mais lhe convém, ou seja, aplica o mínimo para o mínimo. Agora, de acordo com essa prática, pretende o reajuste de 9%, quando o Índice Geral de Preços apontou mais de 19% de inflação em 99.
Em cinco anos, a área econômica não fez o menor esforço para encontrar atenuações ao problema de aumento da pobreza e da miséria, de proletarização da classe média e de concentração cada vez maior da renda e da riqueza. A área econômica não fez e Fernando Henrique não lhe cobrou, antes deu a mais plena cobertura à omissão que beira o crime social, se é que não penetra nele a fundo. Mas o zelo pelas condições de vida da população está os mínimos e indispensáveis deveres de um governo.
A estabilidade do real, em si, pode ser muito útil eleitoralmente para Fernando Henrique e o PSDB e, financeiramente, para os beneficiados pela concentração crescente da renda, que não é mais do que apropriação exacerbada dos frutos gerados pelo trabalho assalariado. Mas se o modo de praticá-la são políticas anti-sociais e empobrecedoras do próprio país, cuja população cresce mais do que a economia, então haverá um momento em que o governo será forçado à sua identificação: a quem e para quê serve, afinal?
Se não precipitar a identificação, o confronto entre Fernando Henrique e PFL em torno do salário mínimo pelo menos a torna muito mais próxima.


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