São Paulo, terça-feira, 22 de fevereiro de 2005

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Índios recorrem a lixão para sobreviver

DA AGÊNCIA FOLHA, EM DOURADOS (MS)

Índios guaranis e caiuás da reserva de Dourados (218 km de Campo Grande) recorrem até a um lixão para sobreviver. As crianças desses povos são as mais atingidas por desnutrição e mortalidade infantil no país.
No depósito de lixo a 16 km das aldeias, já dentro do município de Itaporã, índios recolhem roupas, madeira, latinhas ou papelões para vender, qualquer utensílio doméstico e até, segundo o prefeito da cidade, Marcos Antônio Paco (PFL), "restos de comida".
Na quinta-feira à tarde, a reportagem encontrou no lixão a caiuá Elisabete Arce, 18. Ela disse que não recebe cesta básica do governo estadual.
Estava com dois irmãos adolescentes e outro, de sete anos, que carregava no meio do lixo a filha de Elisabete, de oito meses. A criança tinha na boca uma mamadeira suja. "Na aldeia falta de tudo. Até calcinhas. Por isso viemos aqui", diz a irmã de Elisabete, sem falar o nome.
No dia seguinte, a reportagem voltou ao lixão. Encontrou o casal Leila, 25, e Gilson da Silva, 32. Os dois estavam catando sacos de estopa, segundo eles, para embalar o milho que vão produzir em um hectare que têm na aldeia. "Eu não trago minhas crianças aqui. Nem cato comida", diz Leila, mãe de seis filhos menores de 13 anos.
O médico Antônio Aurélio Teixeira de Carvalho Neto, que atende crianças nas aldeias, disse que índios freqüentam lixões. Seu colega Zelik Trajber recebeu de uma agente comunitária a mesma notícia na sexta-feira.
O prefeito disse que está cercando o local, construindo guarita e deve contratar um segurança para impedir a entrada de catadores.
Nas aldeias Jaguapiru e Bororó, que formam a reserva de Dourados, faltam rios e córregos próximos às casas. Alguns índios pescam lambaris em poças de água barrenta para garantir o almoço.
Outros caminham mais de uma hora em busca de água fresca trazida em galões de córrego, mas que chega quente aos barracos de lona cobertos por sapé onde estão crianças, algumas desnutridas.
É o caso da índia caiuá Ediléia da Silva Isnarde, 18, mãe de Graciele, 2, e Islaine, 1. A primeira criança pesa 9 kg, mas deveria ter 12 kg. A segunda tem 6 kg, segundo a mãe, porém o peso ideal para a idade é no mínimo 9 kg.
A casa de Ediléia, que hoje recebe uma cesta básica do governo estadual, é formada por pedaços de madeira, lona preta e sapé. É semelhante à boa parte das casas nas aldeias de Dourados. Em volta delas, o matagal perde-se de vista. Em meio dele, resistem algumas plantações de milho.
Juntas, as aldeias têm 3.600 hectares (cada hectare tem 10.000 m2). Nas duas, vivem cerca de 11 mil indígenas, segundo a Funai (Fundação Nacional do Índio), incluindo a etnia terena, além da guarani e caiuá. Se fosse um assentamento da reforma agrária, caberia cerca de 200 famílias de trabalhadores com lotes de 20 ha.
O caiuá Carlinhos Gonçalves, 23, que mora com mulher e duas crianças menores de quatro anos, tem apenas dois hectares.
Sem poder plantar, o caiuá Sérgio Cabreira, 30, virou servente de pedreiro na cidade e tem renda mensal de R$ 280. A mulher dele, Dalila, 26, mãe de quatro crianças, diz que a cesta básica do governo dura só dez dias. Ela mostra o que ainda resta de alimento da cesta ao lado de 30 kg de arroz comprados com dinheiro de Cabreira.
Para garantir o almoço, Ambrósio de Araújo, 18, e sua mulher, Silvana, 16, com a filha Nádia, de dois meses, pescavam lambari em uma poça barrenta que aflora do lençol freático na última sexta-feira. Usava um saco como rede para pegar lambaris. (HC)


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