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GOVERNO SOB PRESSÃO
Administração Lula não apresenta propostas "aglutinadoras" e é incapaz de pensar no longo prazo, afirma senador petista
Planalto sem projeto vende a alma pelo poder, diz Cristovam
Sergio Lima -02.mai.05/Folha Imagem
![](../images/n2205200501.jpg) |
O senador Cristovam Buarque, para quem o PT perdeu a sua marca e não pensa "no longo prazo" |
MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
EDITOR DE OPINIÃO
Para o senador Cristovam Buarque (PT-DF), o PT perdeu sua
marca e o governo está vendendo
a alma em troca do "poder pelo
poder". Sem capacidade de apresentar projetos "aglutinadores", a
administração petista preenche o
vazio com uma idéia de coordenação política baseada na "compra de voto". Preocupado com o
marketing e com a reeleição, o governo é incapaz de pensar no longo prazo. Os sonhos foram abandonados e o descrédito da população em relação à classe política e
ao Estado aumenta. Como ocorreu na Argentina e em outros países latino-americanos, também
no Brasil pode crescer o sentimento de rejeição expresso pelo
slogan "qué se vayan todos!".
Ex-governador do Distrito Federal e ex-ministro da Educação
do governo Lula, o senador acredita que a oposição do governo a
uma CPI para investigar o escândalo dos Correios contribui ainda
mais para erodir sua credibilidade. "Não estamos passando a confiança para o povo de que o nosso
governo e os nossos políticos são
de fato honestos", diz ele na entrevista que se segue.
Folha - Por que o governo tem encontrado tanta dificuldade na coordenação política?
Cristovam Buarque - Eu acho que
é por que o problema não está na
coordenação. Está numa coisa
mais profunda, que é a incapacidade do governo de aglutinar. Se
você não aglutina você não coordena, você compra votos.
Folha - E por que o governo não
consegue aglutinar?
Buarque - Por que não definiu
objetivos concretos, metas de mudanças do país que permitam trazer pessoas que queiram apoiá-las. Juscelino aglutinou em torno
da industrialização, de Brasília, da
infra-estrutura. O nosso governo
não tem projetos aglutinadores.
Folha - Essa falta de projeto não
vem desde o início do governo?
Buarque - Vem desde o início.
Nunca houve projetos claros, a
não ser alguns formulados por
ministérios. Mas aquele projeto
que sai da alma do líder Luiz Inácio Lula da Silva nós não vimos
ainda. O governo ficou preocupado apenas com a opinião pública,
com o marketing, com o imediato, com o presente.
Folha - Ou seja, com a reeleição.
Buarque - A reeleição está atrapalhando, como atrapalhou o
Fernando Henrique Cardoso.
Pensa-se na próxima eleição e não
na próxima geração. O Lula disse
que não quer vender a alma. Só
que tem uma coisa pior do que
vender a alma: é vendê-la sem ser
em torno de um projeto de nação.
Folha - A impressão que se tem,
na realidade, é que o grande projeto do governo é ficar no poder.
Buarque - Tudo dá essa impressão. Nos textos literários, a alma é
vendida em nome de alguma coisa, o problema é que hoje está sendo vendida em nome de nada, só
do poder pelo poder. Você não
deve vender a alma, mas você pode fazer alianças para retomar radicalmente o crescimento ou para
dar um salto na educação, na saúde, na luta contra a pobreza.
Como é o Brasil que desejamos
no futuro? O que a gente sabe hoje
é que o Lula deseja crescimento
com estabilidade, que o país seja
um grande exportador e que todo
mundo coma três vezes ao dia.
Mas é pouco. Crescimento econômico apenas, mesmo a taxas elevadas, o que não vai acontecer,
não mudará o Brasil. O que vai
mudar o Brasil é o uso eficiente e
bem direcionado dos recursos.
Folha - Hoje, o grande capital político do governo é a capacidade de
comunicação do presidente e alguns resultados na economia. Se
vier a reeleição, não há risco de essa paralisia política continuar?
Buarque - O segundo mandato
tende sempre a ser pior do que o
primeiro. Mas poderia mudar se o
presidente fizesse duas coisas:
usasse sua capacidade de comunicação e liderança para transformar o país e convidasse a oposição para discutir propostas de Orçamento e de políticas capazes de
promover mudanças. Em 2003,
quando o Lula levou para o Congresso as propostas de reforma
Tributária e da Previdência, eu estava junto e disse: presidente, faltou a terceira reforma, necessária
ética e politicamente, que é a social. Essa reforma não veio. O Lula
vem usando a liderança dele para
vender o projeto de FHC.
Folha - Por que o PT não conseguiu nem formular nem implementar as mudanças que prometeu?
Buarque - É um problema de
mentalidade. Eu não vou dizer de
ideologia porque seria um salto
de qualidade. O PT é um partido
dos trabalhadores do setor moderno. Não é ainda o partido do
povo, dos excluídos. É um partido
que acredita que o Brasil muda
através de mais indústrias, mais
exportações, empregos e melhores salários. É um partido que ainda está prisioneiro de reivindicações corporativas. Não é um partido de proposições nacionais.
Folha - Mas o PT conseguiu se
apresentar nas eleições como portador de um projeto nacional, não?
Buarque - Sim, mas era uma soma. Uma soma dos interesses de
corporações: o PT aumentaria o
salário do funcionário público,
criaria dez milhões de empregos,
etc. Mas os sonhos de que o partido era portador, embora viáveis,
não foram levados a sério. O nosso governo está criando uma dívida muito grande com aqueles que
sonhavam, especialmente com os
jovens. E hoje virou uma geléia
geral. Não há mais diferença entre
os partidos. Não há razões específicas para votar no PT.
Folha - O PT perdeu a marca?
Buarque - Perdemos uma imensa parte da nossa marca e isso é
trágico para o Brasil. Essa crise está fazendo o povo ficar impaciente com todos os políticos. Na Argentina e agora no Equador e na
Bolívia temos visto o mesmo slogan: "qué se vayan todos!". E isso
é perigoso, porque contamina todo o Estado.
Folha - O sr. ainda crê numa futura aproximação do PT com o PSDB?
Buarque - Eu continuo achando
que o PT e o PSDB só não estão
juntos porque são liderados a partir de São Paulo e disputam o
mesmo espaço eleitoral. Eu digo
que essa aliança é necessária para
que o Brasil se renove, mas é impossível. Para que fosse viável seria preciso mais estadismo e menos eleitoralismo.
Folha - E a política parece estar
cada vez mais focada na questão
eleitoral e não em projetos.
Buarque - Exatamente. Criamos
uma classe política que age não
com base nos seus sonhos e propostas, mas com base em pesquisa de opinião pública. Os políticos
dão prioridade ao marketing e
não à verdade. Esse é o grande
problema. E isso está gerando
uma crise de credibilidade séria.
Precisamos discutir a taxa de juros, mas precisamos elevar a nossa taxa de credibilidade. E de onde
vem o descrédito? No que se refere ao governo, vem do fato de que
não estamos nem cumprindo os
compromissos de campanha,
nem explicando convincentemente por que não os cumprimos. Não estamos fazendo as reformas sociais que o Brasil precisa
e não estamos passando a confiança para o povo de que o nosso
governo e os nossos políticos são
de fato honestos. Eu não estou dizendo que não somos, mas não
estamos passando essa imagem.
Para mim, o mais grave de não
apoiar a CPI do caso dos Correios
é isso. Finalmente, o que dá credibilidade ao governo é a economia.
Posso não gostar dessa política,
mas não vejo outra. Só que ela não
é mérito nosso.
Folha - Ou seja, naquilo que seria
próprio do PT, o governo fracassa?
Buarque - Sim. E o mais grave é
que não parece ser uma coisa circunstancial, mas intrínseca à alma
do governo.
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