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EM CAMPANHA
Produtos apreendidos em ações de repressão ao contrabando são dados a redutos de deputados
Políticos apadrinham doações da Receita
ELVIRA LOBATO
da Sucursal do Rio
DAVID FRIEDLANDER
da Reportagem Local
Produtos apreendidos pela Receita Federal em ações de repressão ao contrabando têm sido doados a prefeituras com apadrinhamento de deputados, que colhem
os dividendos políticos das doações em seus redutos eleitorais.
O líder do PPB na Câmara, deputado Odelmo Leão (MG), distribuiu agasalhos, calçados e brinquedos que haviam sido apreendidos no porto de Santos e doados pelo secretário da Receita Federal, Everardo Maciel, às prefeituras de Uberlândia, Monte Carmelo e Prata, no Triângulo Mineiro, base eleitoral do deputado.
Nas solenidades públicas para a
entrega dos produtos, Odelmo
Leão é apresentado pelos prefeitos como responsável pela obtenção das mercadorias na Receita.
Levantamento feito pela Folha
nos arquivos da Superintendência da Receita em São Paulo mostra que Everardo Maciel aprovou
um pedido de doação encaminhado pelo atual chefe da Secretaria Geral da Presidência, ministro
Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), e pelo menos 13 pedidos do
deputado federal Jorge Maluly
Neto (PFL-SP) para prefeituras
do interior de São Paulo.
Nos casos de Nunes Ferreira e
Maluly Neto, os ofícios expedidos
por seus gabinetes, em Brasília,
solicitando a ajuda às prefeituras,
foram arquivados como partes do
processo junto com os comprovantes de autorização (chamados
atos declaratórios) assinados por
Everardo Maciel. Até os envelopes com timbre da Câmara dos
Deputados estão arquivados.
Prefeitos do interior de São Paulo citam também o presidente da
Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), e o deputado Paulo Kobayashi (PSDB-SP) como padrinhos
em doações de mercadorias
apreendidas. O gabinete de Kobayashi disse ter encaminhado pedidos de pelo menos dez prefeituras
paulistas, enquanto Temer afirmou que o trabalho deve ter sido
feito por seus assessores.
Durante duas semanas, a Folha
tentou ouvir o secretário da Receita sobre o assunto. Sua assessoria de imprensa foi informada sobre o teor da reportagem e, depois
de diversos contatos por telefone,
disse que ele não daria entrevista.
A doação de mercadorias contrabandeadas a prefeituras (com
exceção dos produtos perecíveis,
que podem ser dados a prefeitos
pelos superintendentes regionais)
é prerrogativa do secretário da
Receita. Só ele pode autorizar a
doação de brinquedos, eletrônicos, roupas, carros e outras mercadorias para os municípios.
Não existem critérios para a seleção das prefeituras a serem
atendidas e, como a Receita não
divulga que existe a possibilidade
de doação, municípios ricos acabam aquinhoados, enquanto os
mais pobres ficam de fora.
Segundo a assessoria de imprensa da Receita Federal, em
Brasília, a demanda por doações é
maior do que o volume disponível de mercadorias e ""a escolha
das prefeituras que são atendidas
é decisão do secretário". No entendimento da secretaria, cabe
aos prefeitos a iniciativa de pedir a
doação e ela, se tiver mercadoria
disponível, atende às solicitações.
Em maio do ano passado, quando era só deputado federal pelo
PSDB-SP, Aloysio Nunes Ferreira
apadrinhou o pedido da Prefeitura de Buritama, cidade de 17 mil
habitantes (10 mil são eleitores), a
550km da capital paulista.
O prefeito de Buritama, Messias
Ferreira Neves, também do
PSDB, afirmou que o ministro é
seu amigo de infância e que, por
isso, se ofereceu para levar o pedido de doação de mercadorias a
Maciel.
A interferência política surtiu
efeito. Os documentos na Receita
em São Paulo mostram que Aloysio Nunes Ferreira assinou o pedido no dia 20 de maio de 98. A autorização foi dada por Maciel dois
meses e meio depois, em agosto e,
desde então, o prefeito recebeu
duas levas de mercadorias.
O primeiro carregamento, com
sombrinhas, bonecas e pequenos
objetos, coube em uma van e foi
distribuído à população carente.
A segunda leva, ""bem maior", segundo o prefeito, chegou há dois
meses, com produtos eletrônicos,
brinquedos e 20 televisores.
Os produtos serão vendidos em
barraquinhas na festa de aniversário da cidade, depois de amanhã, dia 24. O prefeito espera arrecadar pelo menos R$ 9.000,00
para obras sociais.
O ministro afirmou, por intermédio de sua assessoria de imprensa, que os donativos se destinavam ao ""Projeto Esperança"
para tirar as crianças pobres das
ruas, em Buritama. ""É um projeto
de distribuição de justiça social e
meu pedido não tem nenhuma
ilegalidade", afirmou.
Uberlândia, no Triângulo Mineiro, obteve de Everardo Maciel
20 aparelhos de som, 36 televisores, 50 impressoras, 100 mesas para computador, 32 mil lancheiras
escolares, 10 mil toalhas de banho,
duas motocicletas, 4,5 toneladas
de tecido poliéster, 431 carrinhos
para bebês, 14.400 pares de sapatos chineses, 8.830 pares de tênis,
30 mil camisas masculinas, 32.208
utensílios de cozinha, 15.594 calças masculinas, 4.080 tigelas,
3.936 bandejas e outros itens.
Gerson Abrão, assessor do prefeito Virgílio Galassi (PPB), confirma o apadrinhamento de Odelmo Leão, que deve disputar a prefeitura de Uberlândia em 2000.
O jornal ""O Município", órgão
oficial da prefeitura de Uberlândia, publicou, na primeira página
da edição do dia 22 de junho, a foto de Odelmo Leão distribuindo
5.000 pares de tênis. Com base na
publicação, o vereador Geraldo
Rezende Júnior (PMDB) entrou
com pedido de investigação de
uso eleitoreiro dos donativos da
Receita na Promotoria do município. O promotor, Fernando
Martins, disse à Folha que prepara ação de improbidade administrativa contra o prefeito.
Faixas
Em Monte Carmelo, também
no Triângulo Mineiro, o deputado participou da distribuição de
8.000 agasalhos doados pela Receita. Faixas de agradecimento,
confeccionadas pela prefeitura,
ainda estão na fachada da escola
pública municipal Centro Educacional Infantil, onde parte das
roupas foi distribuída. Na faixa,
está escrito: ""Os moradores agradecem ao prefeito dr. Saulo (Saulo Faleiro, PSDB) e ao deputado
Odelmo pelos agasalhos".
O deputado afirmou que só
orienta os prefeitos sobre como
proceder para conseguirem as
doações na Receita e que todo o
trâmite para recebimento do material fica a cargo da prefeitura.
Odelmo Leão disse que a acusação de uso eleitoreiro ""é coisa de
um vereador da oposição que não
tem nada para fazer", mas confirma que participou da distribuição
dos produtos e diz não ver problemas nisso. ""A Câmara de Uberlândia autorizou o prefeito a entregar as mercadorias doadas pela
Receita à população carente e eu
sou um homem público", disse.
Jorge Maluly Neto (PFL-SP) é o
deputado federal que mais apadrinhou doações da Receita a prefeituras. De janeiro do ano passado a junho deste ano (período
pesquisado pela Folha nos arquivos da Superintendência em São
Paulo), Everardo Maciel atendeu
pedidos dele para as seguintes cidades do interior de São Paulo:
Sebastianópolis, Mirassol, Terra
Roxa, Novo Castilho, Getulina,
General Salgado, Floreal, Ferraz
de Vasconcelos, Coroados, Bocaina, Bilac, Magda, e Nhandeara.
Sebastianópolis (503 km da cidade de São Paulo) tem 2.227 habitantes e recebeu 20 mil carrinhos de brinquedo e 4.000 bonecas Barbie, que estão guardados
desde maio para serem distribuídos no Dia das Crianças e Natal.
""São tantos brinquedos, que lotamos uma sala", afirmou o assessor do prefeito Edivaldo Borges.
Ele diz que foi um cabo eleitoral
do deputado de Nhandeara que
aconselhou a prefeitura a pedir
ajuda ao deputado. ""Não sabíamos que existia esse caminho. Os
deputados é que têm o canal."
Maluly Neto confirma sua atuação junto à Receita e diz que todos
os deputados federais do interior
de São Paulo fazem trabalho semelhante. Segundo ele, como a
Receita não divulga a possibilidade de doação para as prefeituras,
eles acabam ""fazendo a ponte" .
O deputado diz que não comparece para a distribuição das mercadorias nos municípios -""seria
uma hipocrisia", afirma- e critica a forma de agir da Receita: ""Ela
deveria ter um critério, uma forma mais justa de distribuir os
produtos, porque todos têm direito igual. Estou falando contra
mim, porque peço muito".
Os prefeitos de Coroados, José
Paulo Beltrão (PFL), e de Dirce
Reis, Euclides Benini (PPB), citaram Michel Temer (PMDB-SP)
como padrinho para conseguir
doações da Receita. Ambos disseram que Temer os acompanhou
em visitas à Superintendência da
Receita em São Paulo, mas que
não aparece publicamente para a
distribuição das mercadorias.
Dirce Reis, que está entre as
mais carentes de São Paulo, recebeu um aparelho de som, 360 garrafas térmicas e 4.750 brinquedos,
que ainda serão distribuídos entre
as 750 crianças da cidade.
Embora seja filiado ao PPB, o
prefeito diz que chegou a Michel
Temer porque o PMDB fez coligação com seu partido na última
eleição. Mesmo não comparecendo à distribuição dos produtos na
cidade, o deputado terá seu nome
associado aos presentes. ""A gente
fala que foi o deputado tal que
ajudou. É uma divulgação apenas
no boca a boca", declarou.
Temer disse que nunca acompanhou prefeitos a órgãos públicos, "nem mesmo a gabinetes de
ministros". Mas ele admite que é
possível que sua assessoria tenha
encaminhado os pedidos dos prefeitos para a Receita. "Se meus assessores ajudaram, fizeram muito
bem, porque os dois municípios
estão entre os mais pobres do Estado de São Paulo", afirmou.
O deputado Paulo Kobayashi
foi citado pelo gabinete do prefeito de Getulina (460 km de São
Paulo), Fumio Izuê (PTB), embora conste nos arquivos da Receita
Federal um ofício de Maluly Neto
com pedidos para a cidade.
Kazuho Sano, chefe de gabinete
de Kobayashi, afirmou que, de
um mês para cá, o deputado começou a receber pedidos de prefeitos para ajudá-los a obter doações da Receita. ""Foram uns dez
pedidos até agora. O reforço do
deputado mostra que a prefeitura
não está desamparada e endossamos o pedido independente de o
prefeito ser nosso aliado ou não."
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