|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Sociólogo vê ação leviana do governo
DA AGÊNCIA FOLHA
Uma das referências do país
quando o tema é reforma agrária,
o sociólogo Zander Navarro, 52,
rotula de "escandalosamente levianas" as ações do governo federal no campo. Para ele, existe o incentivo governamental às invasões de terra, enquanto não há estratégias para conter a reação dos
fazendeiros.
Navarro é professor do programa de pós-graduação em desenvolvimento rural da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande
do Sul) e, a partir de janeiro, assume a função de pesquisador e
professor do Instituto de Estudos
de Desenvolvimento na Universidade de Sussex, na Inglaterra.
A pedido de Navarro, a entrevista foi feita por e-mail e de forma gradativa -assim que recebia
uma resposta, a reportagem enviava a pergunta seguinte. Ele diz
que desde 1982 vota "apenas" no
PT.
(EDUARDO SCOLESE)
Agência Folha - Que balanço o sr.
faz do que viu até agora nas relações entre o novo governo e o MST,
em meio a momentos conflitantes
e de identificação?
Zander Navarro - Trata-se do esperado. Para o distinto público e a
mídia, um aparente antagonismo
e/ou independência entre as partes. Mas, intramuros, uma relação
simbiótica entre o MST e diversos
setores do governo. O novo presidente do Incra [Rolf Hackbart],
por exemplo, foi recrutado ainda
na universidade por João Pedro
Stedile [MST] e esteve sob seu
mando durante praticamente toda a sua carreira partidária. Alguém acredita que manterá alguma isenção? No fundo, nem os
novos operadores governamentais nem o MST sabem bem o que
é "Estado democrático". Como
não têm essa percepção, a marca
da ambivalência e das ações erráticas passa a ser permanente. O
presidente Lula ainda não encaminhou a mais óbvia das medidas, demonstrando uma infeliz
miopia republicana: é talvez o
único que poderia exigir a institucionalização do MST como requisito prévio para aceitá-lo como
parceiro no espaço público.
Agência Folha - Há hoje uma radicalização de conflitos no campo ou
apenas uma maior visibilidade de
algo histórico?
Navarro - Alguns números e fatos são mais expressivos atualmente, como as ocupações de terra, mas não creio que represente
algo singularmente distinto do
passado. Com o apoio de setores
do próprio governo, sem dúvida o
MST e outras organizações vêm
recrutando mais pessoas para engrossar suas ações e formar mais
acampamentos. Mas somente
produzirá mais radicalização se o
governo mantiver o imobilismo.
Agência Folha - Como o sr. avalia
a atuação dos ruralistas. Os fazendeiros estão se armando?
Navarro - Parece inevitável, à luz
da indigência operacional do Ministério do Desenvolvimento
Agrário. Essa é uma face de extrema gravidade, pois as vítimas
imediatas são os pobres, tangidos
pela manipulação de religiosos,
do MST e dos coronéis do campo.
A ação governamental tem sido
escandalosamente leviana, pois
incentiva a ocupação de terras,
mas não tem nenhuma estratégia
para administrar a reação dos fazendeiros.
Agência Folha - Qual é o sentido
de uma reforma agrária hoje no
Brasil? A finalidade é econômica ou
apenas um colchão social?
Navarro - Reforma agrária, como qualquer processo social,
também é marcada pelas circunstâncias históricas. Representou
uma ambição típica do período
do pós-guerra, se estendendo até
os anos 70. Depois foi perdendo a
razão de ser, neutralizada pela urbanização ou pelo espetacular aumento da produção de alimentos
e matérias-primas, entre outras
mudanças. No passado, era um
problema de acesso à terra. Hoje,
é um problema de insuficiência
de renda o maior entrave ao desenvolvimento.
Agência Folha - O MST aguarda
para este ano um novo PNRA [Plano Nacional de Reforma Agrária]
como uma espécie de prova para
medir as intenções do Planalto. O
sr. acredita que o governo tocará
adiante a essência desse plano,
que tem como base o assentamento de 1 milhão de famílias até
2006?
Navarro - Se propuser essa meta,
o governo estará no terreno dos
contos de fadas, iludindo a todos.
Sejamos francos: Lula não terá capacidade de assentar 1 milhão de
famílias nem mesmo em dois
mandatos, se o segundo ocorrer.
Inclusive porque tal demanda
inexiste. Se o país passar a crescer
à modesta taxa média de 4% ao
ano, os dirigentes do MST ficarão
falando sozinhos.
Texto Anterior: Lula articula reaproximação com sem-terra Próximo Texto: Entrevista da 2ª - Francisco de Oliveira: Nova classe social comanda governo Lula, diz sociólogo Índice
|