São Paulo, sexta-feira, 22 de novembro de 2002

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TRANSIÇÃO

Após encontro com Otto Reich, Mercadante sinaliza disposição do governo eleito

PT prega "jogo duro" com EUA após receber enviado de Bush

Alan Marques/Folha Imagem
Os petistas Antônio Palocci Filho, Aloizio Mercadante e José Dirceu com Otto Reich, assessor do presidente Bush, na Granja do Torto


GUSTAVO PATÚ
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

"Os americanos sempre jogaram duro, e agora vamos ter um governo que vai jogar tão duro como eles", disse o senador eleito Aloizio Mercadante (PT-SP) ao deixar a primeira das reuniões realizadas ontem entre o governo eleito e três americanos de peso na política e na economia globais.
Mercadante, o deputado José Dirceu (SP), presidente do PT, e Antônio Palocci Filho, coordenador da equipe de transição, estiveram com o cubano-americano Otto Reich, subsecretário de Estado dos EUA para a América Latina. Luiz Inácio Lula da Silva participou brevemente do encontro.
Numa outra sala da Granja do Torto, residência oficial cedida ao presidente eleito, Lula discutia os financiamentos do Banco Mundial ao país com o presidente do organismo, James Wolfensohn, nascido na Austrália e naturalizado cidadão dos EUA.
À tarde, Lula e Palocci receberam William Rhodes, vice-presidente do Citigroup, que tem profundas relações com o Brasil desde que representou bancos credores na crise da dívida nos anos 80.
A agenda fala por si só: Lula ensaia os primeiros passos em territórios que sempre viu -e sempre o viram- com desconfiança, senão hostilidade: as finanças internacionais, o comércio exterior e as relações com os EUA.
O "jogo duro" prometido por Mercadante -Lula não quis comentar a retórica do senador, segundo seu porta-voz- ainda não começou. Todos os relatos, inclusive o do senador eleito, indicam conversas cordiais, apesar dos temas espinhosos tratados.

Política e dólares
A reunião com Reich teve objetivos políticos e econômicos. No primeiro caso, o assunto mais imediato foi a viagem de Lula aos EUA no próximo mês para o encontro com o presidente George W. Bush, "uma deferência muito especial do governo americano", nas palavras de Mercadante.
Na economia, dois temas principais foram tratados. O mais urgente: o governo eleito quer que os EUA ajudem o Brasil a convencer os bancos privados internacionais a retomar as linhas de crédito ao país. Segundo os números apresentados por Mercadante, o volume do crédito internacional direcionado a empresas brasileiras, que era de US$ 30 bilhões no início do ano, caiu pela metade ao longo deste ano.
O PT apresentou a Reich os argumentos para que seja restabelecida a confiança na capacidade de pagamento do país: a disparada do superávit comercial, que pode chegar a US$ 12 bilhões neste ano, e a disposição de honrar todos os contratos.
O outro tema econômico tratado com Reich -o que gerou a frase de impacto de Mercadante- foram as relações comerciais com os Estados Unidos.
O PT considera o comércio com os EUA, de US$ 30 bilhões anuais, "pequeno". Foi apresentada ao subsecretário a intenção de dobrar esse volume em quatro anos e tripicá-lo em oito.
Mas, mais importante que isso, "restabelecer um comércio em que todos ganhem".
Deseja-se negociar um acordo bilateral com os EUA, condicionado à derrubada das barreiras à compra de produtos agrícolas brasileiros. A mesma condição vale para a negociação da Alca (Área de Livre Comércio das Américas), ponto que Mercadante considera "mais complexo".
A contundência do senador eleito mereceu uma resposta no mesmo dia. "Eu não esperaria nada menos do Brasil", disse Alan Larson, secretário-adjunto dos EUA para Assuntos Comerciais e Agrícolas, que completou: "E ele [Mercadante] não deve esperar nada menos dos EUA".
Mas coube a Bill Rhodes, como é conhecido o vice-presidente do Citigroup, a declaração mais inusitada do dia, no pronunciamento de menos de cinco minutos que fez após o encontro com Lula. Ele considerou a reunião "muito positiva". "Mas não posso dizer por que foi muito positiva."
Depois, disse que o setor financeiro poderá ajudar Lula a cumprir seu programa de governo. Mas que não podia dizer como.

Colaborou ANDRÉ SOLIANI, da Sucursal de Brasília


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