São Paulo, domingo, 22 de dezembro de 2002

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NO PLANALTO

Os diálogos secretos de Pinheiro Landim

JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Pinheiro Landim (PMDB-CE) é um tipo peculiar de deputado. Presente no Congresso, ninguém nota a sua ausência. É da tribo que, na definição de Roberto Campos, "tem o diâmetro do cérebro inferior ao do bolso".
Landim foi revelado ao Brasil há duas semanas. Arrancou-o da obscuridade a Polícia Federal. Descobriu-se que a invisibilidade não era casual. Era providencial.
Frequenta universo em que a discrição é atributo congênito: o submundo do tráfico de drogas. Teve a voz captada por grampo telefônico. Trechos foram à TV.
Mero 3 X 4. O retrato de corpo inteiro mede 400 horas de fita. O nome de Landim salta da fita como pulga do dorso de cão sarnento.
O repórter obteve cópia de relatório da PF. Coisa "confidencial". Mostra que, além de mercadejar habeas corpus, Landim reuniu-se com megatraficante de cocaína. O dinheiro sujo pode ter-lhe besuntado a contabilidade eleitoral.
Os diálogos são impróprios para almas leves. Linguagem rasa, tratada aqui, convém avisar, sem retoques.
Landim, informam as fitas, recebera R$ 337 mil para obter habeas corpus no TRF, em Brasília. Livraria do xilindró o traficante Leonardo Dias Mendonça, gigante do comércio de pó.
Como a encomenda tardasse, o bandido queixou-se a um contato na capital: "Liga pra essa desgraça desse cabeça chata [Landim], que esse filho da puta só serve pra botar no bolso..." Deu-se a 10 de janeiro de 2002 (página 53 do relatório da PF).
Leonardo recorrera também à Justiça do Maranhão. Correndo contra o relógio, Landim falou, em 15 de janeiro, com Igor Santos da Silveira, filho do desembargador Eustáquio da Silveira, do TRF.
Temiam que o Maranhão fosse mais ágil que Brasília. "Aí fica chato", resignou-se Igor. E Landim: "Não é só chato. Tem que devolver [o dinheiro]" (página 57 do relatório).
Em 16 de janeiro, o traficante abespinhou-se ao saber que Landim, no Ceará, ausentara-se de Brasília: "...Ele deveria cuidar primeiro da coisa que deu lucro pra ele..." (página 59).
O ansiado habeas corpus saiu em 24 de janeiro. Assinou-o o juiz Tourinho Neto, do TRF-1. Decisão ditada pela "consciência", empenha-se em esclarecer. "Estou limpo". Landim teria vendido mercadoria gratuita.
O deputado passou a exigir a segunda parcela da fatura. Em 25 de janeiro, disse a interlocutor: "...Ele [Leonardo] sai espalhando pra tudo quanto é filho da puta aí pra não cumprir, eu ficar..., gastando a fortuna que eu gastei, não dá" (página 68).
Leonardo decide acertar conta$ com Landim. Foi a Brasília em 19 de março deste ano. No dia seguinte, relatou ao sócio Wilson Moreira Torres: "Eu fui pra ver um outro negócio, porque o cara me falou que o véio [Landim] tava puto...Conversamos..., um monte de trem bão... Animei com o garimpo" (página 77).
Leonardo prosseguiu: "...Ele [Landim] falou o seguinte pra mim: manda ele seguir a vida dele e cassar (sic) um jeito de arrumar papel pra campanha". Risos. "... Num deixou de dar uma cantada, né?" Mais risos (página 79).
O traficante, ainda em 19 de março, a outro comparsa: "...Falamos tudo... O que tinha pago, o que num tinha pago". Fez referência a algo que a PF supõe estar relacionado à campanha eleitoral: "...Esse ano [2002] ele tem que se virar, né?... Ele vai tá matando jacaré a beliscão..." (página 145).
Em 7 de abril, um domingo, Silvio Rodrigues da Silva, "mala preta" de Landim, combina com membro da quadrilha de Leonardo: "...O do Pinheiro é... R$ 120 mil na terça e R$ 120 mil na quinta... vou trazer o dinheiro pro deputado, né?" Em 9 de abril, terça, Silvio confirma recebimento parcial: "Noventa e quatro, viu?" E o bandido: "... Daqui a pouco cai o resto" (página 81).
No dia 10 de abril, Silvio alerta ao traficante Leonardo: "...Me pegaram no banco... O cara falou: ó, esse dinheiro seu não tem origem... Cê fica esperto... Eles tão rastreando essa conta" (página 84).
Em 24 de abril, Silvio informa a Landim: "...Tô aqui em Goiânia, aguardando ele [Leonardo]... A previsão é até sexta ele tá aqui com o valor, com espécie, entendeu?" E Landim: "Eu sei..."
Ainda o deputado: "Aquele assunto do Amarildo [Oliveira Beirigo, piloto de Leonardo, que estava preso]..." Insinua que a "solução" pedia grana: "...Querem vapt-vupt ... quando resolver... tá dependendo só disso..." (páginas 86 e 87).
Em 9 de maio, Silvio fala com quadrilheiro de Leonardo: "...Tô esperando ele chegar... tem que dar cento e quarenta contos hoje pra mim (sic) dar pro Pinheiro..." (página 88).
Como previsto, Leonardo avistou-se com Silvio naquele dia 9. Discaram para Landim. E o deputado: "Eu vou ... agora pro aeroporto e a gente se encontra..." (página 89).
No dia 10 de maio, Silvio conta a interlocutor: "...E o dólar também. Passou tudo. Ontem eu peguei o baixinho, botei o Pinheiro dentro do carro e nós foi (sic) conversar a três..." (página 117).
Libertado três vezes da cadeia, Leonardo recomenda o esquema brasiliense a outro traficante, Orlando Marques dos Santos, preso em Goiânia. Pelo celular, Orlando contou à ex-mulher ter descoberto "um jeito pra resolver aquele negócio em Brasília". O preço? "Quatrocentos mil dólar, mulher..." (página 132).
A um empregado, Orlando traduziu a fatura em reais: "... Cobraram 1 milhão e cem, rapaz... Ofereci 700". Orlando, de novo, em outras ligações: "É foda né, meu? É ladrão em cima de ladrão..." (página 134). "Lá em Brasília... a máfia que tem lá, né? Até ministro no meio..." (página 137).
O documento da polícia vincula a movimentação de Landim a decisões do TRF-1 e do STJ. Menciona contatos da bandidagem até no Ministério Público. Procurado pelo repórter, Landim preferiu o silêncio. Ele e todo o PMDB.
O grampo contém trecho em que um traficante faz referência, sem nominar, a um "senador". Elogia-lhe a eficiência: "O negócio dele é 24 horas, bate lá e resolve..." (página 47).
Quem lê o relatório da PF tem saudades dos tempos em que se traficava no Congresso apenas influência. Bons tempos.


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