São Paulo, domingo, 22 de dezembro de 2002

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QUESTÃO AGRÁRIA

Nos últimos quatro anos, governos do partido no MS e no RS não assentam o número prometido de famílias

PT não cumpre metas de reforma agrária

Luciana Cavalcanti/Folha Imagem
Casa em obra na fazenda Itamarati (MS), onde a maioria das famílias assentadas pelo governo estadual vive em barracos de lona


EDUARDO SCOLESE
FABIANO MAISONNAVE
LÉO GERCHMANN
DA AGÊNCIA FOLHA

Nos Estados de governo petista nos últimos quatro anos -Mato Grosso do Sul e Rio Grande do Sul, principalmente, e no Acre- o partido não assentou o número de famílias prometido e deixou de cumprir metas fundamentais para a implantação da reforma agrária, uma das bandeiras do partido.
PT e MST, principal entidade ligada aos sem-terra, são aliados históricos. Apesar de os líderes dos sem-terra alegarem que agem com independência, muitos de seus dirigentes ou foram ou são filiados ao partido. Nas eleições deste ano, o MST prometeu e deu uma trégua nas invasões de terra para não prejudicar a campanha de Luiz Inácio Lula da Silva.
Um caso emblemático da dificuldade de implantação da reforma agrária é o da fazenda Itamarati, no Mato Grosso do Sul.
Um ano após as 1.143 famílias chegaram ao local, considerado o maior projeto de reforma agrária em andamento do país, a maioria das famílias ainda mora em barracos de lona, nenhuma casa de alvenaria está pronta, não há água encanada nem eletricidade, as estradas ficam intransitáveis quando chove e as duas escolas funcionam em condições precárias.
Localizado em Ponta Porã (340 km de Campo Grande), o assentamento carrega uma forte carga simbólica por dois motivos:
1) Ocupa metade dos 50 mil hectares originais da fazenda Itamarati, do empresário Olacyr de Moraes. Nos anos 80, a área era considerada a maior referência da agricultura comercial brasileira, a ponto de Olacyr ter ganho a alcunha de "rei da soja".
Hoje, o empresário ainda mantém 200 funcionários -no auge, Olacyr empregava 1.300. Na safra 2002/2003, o diretor técnico da fazenda, Hércules Brunelli Jr., projeta lucro líquido de R$ 4 milhões, o mesmo obtido na safra passada, na parte que é ainda de Olacyr.
2) Apesar de os 25 mil hectares restantes terem sido comprados pelo governo federal, o projeto de assentamento é de responsabilidade do governo de Zeca do PT. Em 2001, Zeca chegou a espalhar outdoors por Campo Grande informando que as famílias estavam assentadas. O governo alega que investiu R$ 7 milhões dos R$ 18,7 milhões previstos. Zeca, que não havia fixado metas, assentou 5.000 famílias em quatro anos.
Para assentar dignamente uma família, há um caminho que passa pelo cadastramento e a seleção dos trabalhadores rurais, o processo de desapropriação de terras, a liberação de verbas, a divisão dos lotes e a implementação de infra-estrutura básica nos projetos (água tratada, energia elétrica e rede de esgoto), além da construção de casas, estradas e escolas.
A reportagem da Agência Folha visitou o assentamento nos dias 16 e 17 de dezembro. Encontrou relatos que denunciam a situação precária em que vivem as cerca de 4.800 pessoas do projeto.
"Nós só vivemos de migalhas", diz Aparecido Juliano da Silva, 62, um dos coordenadores dos assentados ligados à CUT, que divide o assentamento Itamarati com outros três grupos: MST, Fetagri (Federação dos Trabalhadores na Agricultura) e ex-funcionários da fazenda de Olacyr.
Aparecido e outros 150 assentados passam por uma situação insólita: eles estão trabalhando como bóias-frias na própria área que, por falta de financiamento, foi arrendada por uma empresa produtora de sementes. Por uma jornada de nove horas, os assentados recebem R$ 15. É a única fonte de renda desses assentados.

RS e AC
A meta de assentar 10 mil famílias de sem-terra, proposta em 1998 pelo candidato do PT ao governo gaúcho, Olívio Dutra, não foi atingida em quatro anos -foram assentadas 5.353 famílias. Mesmo assim, o MST avalia a atuação como boa, pela qualidade dos assentamentos.
O governo admite que a meta não foi cumprida, mas ressalta que priorizou a qualidade em vez da quantidade. ""Os assentamentos nos 20 anos anteriores foram feitos em cima das terras dos índios e de banhados. Nós assentamos milhares de famílias em locais com infra-estrutura, assistência técnica e produção", informou Olívio Dutra, via assessoria.
A Farsul (Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul), integrada pelos proprietários rurais, é crítica ao governo petista. Diz que houve "permissividade" com os sem-terra, segundo o presidente da entidade, Carlos Sperotto.
Na visão da Farsul, o governo de Olívio tomou partido do MST, e a ausência de repressão às invasões fez com que elas aumentassem.
Já no Acre, governado pelo reeleito Jorge Viana, só neste ano foi criado um instituto para a questão da terra, que está em estruturação. Até o momento, não há críticas muito profundas sobre a atuação estadual na área fundiária -até porque ela até agora tem sido concentrada pela União.


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