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CELSO PINTO
Como ficar menos vulnerável
O Brasil, no ano passado, à
custa de um choque de câmbio e de crescer pouco, conseguiu
reduzir o déficit em sua conta corrente externa em US$ 15,4 bilhões,
graças, em especial, à melhora de
US$ 10,5 bilhões na balança comercial. Foi uma guinada extraordinária, mas insuficiente.
Na conta de capital, o país perdeu
US$ 27,8 bilhões.
Mário Henrique Simonsen costumava dizer que a inflação aleija, mas o balanço de pagamentos
mata. Poderia ter acrescentado
que, num mundo de finanças globalizadas, a conta-corrente (mercadorias e serviços) mata aos
poucos, enquanto a conta de capital mata rápido. Para países
vulneráveis, como o Brasil, um
mau humor de Wall Street pode
anular, em dias, meses de esforços
para melhorar a balança comercial.
Isso explica o enorme esforço do
PT em criar um "choque de credibilidade" que estanque as perdas
na conta de capital, enquanto se
tenta chegar a uma maior estabilidade pela melhora consistente
da balança comercial. Alguns
empresários e economistas críticos da dependência externa têm
questionado, contudo, qual a melhor forma de fazer esta transição.
Se ela for bem-sucedida e o fluxo de capitais normalizar -o
que ainda não aconteceu-, alguns defendem que o Brasil deveria pensar em criar mecanismos
de controle sobre a entrada de dólares, como fez o Chile no passado. Seria uma forma de evitar
manter a dependência de capitais
voláteis e de reduzir a oscilação
do câmbio.
Yoshiaki Nakano, ex-secretário
da Fazenda de São Paulo, é um
desses críticos. Sondado pelo PT
para ocupar a secretaria-executiva da Fazenda e a presidência do
Banco do Brasil, ele preferiu continuar tocando o projeto de criar
uma escola de economia da Fundação Getúlio Vargas de São
Paulo.
Ele acha que falta uma definição mais clara da política macroeconômica do PT. O objetivo
central deveria ser mudar o mais
rápido possível o modelo de dependência do capital externo, pela combinação de várias medidas.
Ter uma política fiscal muito dura, que permitisse recompor a
poupança do setor público, através de cortes de gastos. Isso permitiria cortar os juros de forma mais
rápida e significativa. Manter
uma política cambial agressiva,
com o dólar acima de R$ 3,50.
Alavancar as exportações negociando, bem, a Alca. Administrar
a entrada de capitais de curto
prazo, com mecanismos de controle à la Chile.
Nakano escreveu, no final do
ano passado, um paper com o ex-ministro Bresser Pereira ("Economic growth with foreign saving?")
que faz uma análise cáustica do
modelo de crescimento baseado
na poupança externa. A idéia de
que países emergentes, com baixa
poupança, podem crescer mais
rápido se usarem poupança externa (que é igual ao déficit em
conta corrente) é falsa, argumentam. Numa amostra de 51 países,
no período de 1979 a 1998, eles
concluíram que a poupança externa teve um impacto positivo de
longo prazo de apenas 0,005% sobre o PIB. Considerando apenas a
América Latina, onde a dívida é
maior, o impacto positivo é virtualmente inexistente, de 0,001%.
Abusar da poupança externa
(déficits em conta corrente) gera
dívida alta, apreciação cambial e
juros altos. Estimula a entrada de
capitais especulativos, com pouco
impacto sobre o investimento
produtivo. O câmbio gera um ganho ilusório de salário e estimula
o consumo. O "populismo cambial" ajuda a política à custa do
desequilíbrio econômico. No final, vem a crise cambial, com retração na economia e dificuldade
em honrar as dívidas interna e
externa.
Esses ciclos são provocados por
abundância de liquidez nos países ricos e tendem a levar de seis a
oito anos. No caso do Brasil, no ciclo dos anos 70, o uso da poupança externa ainda foi acompanhado, nos primeiros anos, por uma
elevação do investimento, depois
revertida. No ciclo dos anos 90,
praticamente não houve ganho
no investimento.
O paper lembra que existe um
limite para o endividamento,
além do qual ele prejudica a economia. Simonsen colocava este limite em duas vezes as exportações anuais (no Brasil, hoje, a dívida equivale a 3,5 vezes as exportações). O Banco Mundial calcula
em 2,2 vezes ou 80% do PIB. Países que controlaram a entrada de
capitais, como Chile, China e Índia, acabaram crescendo mais do
que os países que liberalizaram a
entrada de capitais e absorveram
capitais externos sem limites.
A idéia de que controles sobre
entrada de capitais podem ser
justificáveis é hoje aceita até pelo
FMI. Um paper recente ("Capital
account liberalization and
growth: was Mr. Mahathir
right?", www.nber.org/papers/w9427) de dois economistas insuspeitos, Barry Eichengreen
(Universidade de Berkeley e ex-FMI) e David Leblang (Universidade de Colorado), revê a questão. Examinando 21 países entre
1880 e 1997, eles concluem que
controles de capital ajudam o
crescimento em períodos de turbulência financeira internacional. Liberalização só ajuda, de
forma tênue, em países com sistemas financeiros fortes e em conjunturas externas calmas.
Nakano está convencido de que
o crescimento depende do estímulo ao investimento e da poupança
interna, que exige um mercado financeiro mais amplo. E de uma
política cambial mais estável, o
que só é possível com um salto nas
exportações e no comércio exterior, como ocorreu no México.
Mudanças no BC
O primeiro diretor do Banco
Central que deve sair, por razões
pessoais, é Luiz Fernando Figueiredo. Benny Parnes e Ilan Goldfajn também manifestaram desejo de sair, também por razões pessoais, mas o presidente do BC, Henrique Meirelles, acha que eles ficarão até que seja aprovada a lei
de autonomia operacional, que
deve ser enviada ao Congresso em
março. Quer dizer, pelo menos
uns seis meses.
E-mail: CelPinto@uol.com.br
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