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São Paulo, quinta-feira, 23 de janeiro de 2003

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CELSO PINTO

Como ficar menos vulnerável

O Brasil, no ano passado, à custa de um choque de câmbio e de crescer pouco, conseguiu reduzir o déficit em sua conta corrente externa em US$ 15,4 bilhões, graças, em especial, à melhora de US$ 10,5 bilhões na balança comercial. Foi uma guinada extraordinária, mas insuficiente. Na conta de capital, o país perdeu US$ 27,8 bilhões.
Mário Henrique Simonsen costumava dizer que a inflação aleija, mas o balanço de pagamentos mata. Poderia ter acrescentado que, num mundo de finanças globalizadas, a conta-corrente (mercadorias e serviços) mata aos poucos, enquanto a conta de capital mata rápido. Para países vulneráveis, como o Brasil, um mau humor de Wall Street pode anular, em dias, meses de esforços para melhorar a balança comercial.
Isso explica o enorme esforço do PT em criar um "choque de credibilidade" que estanque as perdas na conta de capital, enquanto se tenta chegar a uma maior estabilidade pela melhora consistente da balança comercial. Alguns empresários e economistas críticos da dependência externa têm questionado, contudo, qual a melhor forma de fazer esta transição.
Se ela for bem-sucedida e o fluxo de capitais normalizar -o que ainda não aconteceu-, alguns defendem que o Brasil deveria pensar em criar mecanismos de controle sobre a entrada de dólares, como fez o Chile no passado. Seria uma forma de evitar manter a dependência de capitais voláteis e de reduzir a oscilação do câmbio.
Yoshiaki Nakano, ex-secretário da Fazenda de São Paulo, é um desses críticos. Sondado pelo PT para ocupar a secretaria-executiva da Fazenda e a presidência do Banco do Brasil, ele preferiu continuar tocando o projeto de criar uma escola de economia da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo.
Ele acha que falta uma definição mais clara da política macroeconômica do PT. O objetivo central deveria ser mudar o mais rápido possível o modelo de dependência do capital externo, pela combinação de várias medidas. Ter uma política fiscal muito dura, que permitisse recompor a poupança do setor público, através de cortes de gastos. Isso permitiria cortar os juros de forma mais rápida e significativa. Manter uma política cambial agressiva, com o dólar acima de R$ 3,50. Alavancar as exportações negociando, bem, a Alca. Administrar a entrada de capitais de curto prazo, com mecanismos de controle à la Chile.
Nakano escreveu, no final do ano passado, um paper com o ex-ministro Bresser Pereira ("Economic growth with foreign saving?") que faz uma análise cáustica do modelo de crescimento baseado na poupança externa. A idéia de que países emergentes, com baixa poupança, podem crescer mais rápido se usarem poupança externa (que é igual ao déficit em conta corrente) é falsa, argumentam. Numa amostra de 51 países, no período de 1979 a 1998, eles concluíram que a poupança externa teve um impacto positivo de longo prazo de apenas 0,005% sobre o PIB. Considerando apenas a América Latina, onde a dívida é maior, o impacto positivo é virtualmente inexistente, de 0,001%.
Abusar da poupança externa (déficits em conta corrente) gera dívida alta, apreciação cambial e juros altos. Estimula a entrada de capitais especulativos, com pouco impacto sobre o investimento produtivo. O câmbio gera um ganho ilusório de salário e estimula o consumo. O "populismo cambial" ajuda a política à custa do desequilíbrio econômico. No final, vem a crise cambial, com retração na economia e dificuldade em honrar as dívidas interna e externa.
Esses ciclos são provocados por abundância de liquidez nos países ricos e tendem a levar de seis a oito anos. No caso do Brasil, no ciclo dos anos 70, o uso da poupança externa ainda foi acompanhado, nos primeiros anos, por uma elevação do investimento, depois revertida. No ciclo dos anos 90, praticamente não houve ganho no investimento.
O paper lembra que existe um limite para o endividamento, além do qual ele prejudica a economia. Simonsen colocava este limite em duas vezes as exportações anuais (no Brasil, hoje, a dívida equivale a 3,5 vezes as exportações). O Banco Mundial calcula em 2,2 vezes ou 80% do PIB. Países que controlaram a entrada de capitais, como Chile, China e Índia, acabaram crescendo mais do que os países que liberalizaram a entrada de capitais e absorveram capitais externos sem limites.
A idéia de que controles sobre entrada de capitais podem ser justificáveis é hoje aceita até pelo FMI. Um paper recente ("Capital account liberalization and growth: was Mr. Mahathir right?", www.nber.org/papers/w9427) de dois economistas insuspeitos, Barry Eichengreen (Universidade de Berkeley e ex-FMI) e David Leblang (Universidade de Colorado), revê a questão. Examinando 21 países entre 1880 e 1997, eles concluem que controles de capital ajudam o crescimento em períodos de turbulência financeira internacional. Liberalização só ajuda, de forma tênue, em países com sistemas financeiros fortes e em conjunturas externas calmas.
Nakano está convencido de que o crescimento depende do estímulo ao investimento e da poupança interna, que exige um mercado financeiro mais amplo. E de uma política cambial mais estável, o que só é possível com um salto nas exportações e no comércio exterior, como ocorreu no México.

Mudanças no BC
O primeiro diretor do Banco Central que deve sair, por razões pessoais, é Luiz Fernando Figueiredo. Benny Parnes e Ilan Goldfajn também manifestaram desejo de sair, também por razões pessoais, mas o presidente do BC, Henrique Meirelles, acha que eles ficarão até que seja aprovada a lei de autonomia operacional, que deve ser enviada ao Congresso em março. Quer dizer, pelo menos uns seis meses.

E-mail: CelPinto@uol.com.br


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