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DATA VENIA
Associação de juízes organiza guia para desmitificar linguagem da Justiça; termos confundem até profissionais da área
Campanha ataca os abusos do "juridiquês"
LILIAN CHRISTOFOLETTI
DA REPORTAGEM LOCAL
UIRÁ MACHADO
DA REDAÇÃO
"Encaminhe o acusado ao ergástulo público." Com essa frase o
juiz Ricardo Roesler determinou
a prisão de um assaltante de Barra
Velha, comarca de Santa Catarina. Dois dias depois, a ordem não
tinha sido cumprida. Ninguém
havia compreendido onde era o
tal do "ergástulo", palavra usada
como sinônimo de cadeia.
Quando Roesler descobriu que
nem seus subordinados entendiam o que ele falava, decidiu
substituir os termos pomposos e
os em latim por palavras mais
simples. Isso foi há 17 anos. Hoje,
presidente da Associação dos Magistrados Catarinenses, ele é um
dos defensores da linguagem coloquial nos tribunais.
Preocupada com o excesso de
"juridiquês", a Ajuris (Associação
dos Juízes do Rio Grande do Sul)
organizou um guia destinado a
leigos para tentar desmitificar o
jargão da Justiça. O presidente da
entidade, Carlos Rafael dos Santos Júnior, tem estimulado os magistrados a participarem de debates em escolas com pais e alunos.
A idéia, encampada pela AMB
(Associação dos Magistrados Brasileiros), é uma gota num oceano
de discursos herméticos que tomam conta dos tribunais, onde o
simples talão de cheque vira "cártula chéquica", o viúvo, "cônjuge
supérstite", e a denúncia (peça
formal), "exordial acusatório".
O presidente do Superior Tribunal de Justiça, Edson Vidigal, afirma que "o "juridiquês" é como latim em missa: acoberta um mistério que amplia a distância entre a
fé e o fiel; do mesmo modo, entre
o cidadão e a lei. Quanto mais
complicada a linguagem, mais
poder, porque menos gente entende". Para ele, "as decisões têm
que ser acessíveis em todos os
sentidos, inclusive no linguajar".
Para Sérgio Renault, secretário
da Reforma do Judiciário, o exagero de linguajar "é uma forma de
proteção, que afasta as pessoas da
Justiça, faz com que o Judiciário
fique inacessível e tem a ver com a
preservação do monopólio do conhecimento. Intimida, distancia".
Para ele, "a modernização também passa pela língua. Isso tende
a acontecer com o tempo".
Mas não é só a população leiga
que não compreende o "juridiquês". A fala rebuscada também
dificulta o entendimento entre os
próprios magistrados.
Em Itu, interior paulista, um
homem preso pelo assassinato do
empresário Nelson Schincariol foi
solto após uma decisão ser interpretada de forma errada. Num
texto ambíguo, um desembargador do Tribunal de Justiça determinou a manutenção da prisão. O
juiz estadual entendeu o contrário. O acusado continua foragido.
Os erros mais freqüentes, segundo Carlos Velloso, ministro
do STF (Supremo Tribunal Federal), ocorrem quando os advogados se manifestam em latim. "Algumas pessoas extrapolam e, como não conhecem o latim, vão
perpetuando os erros."
Colecionador de expressões jurídicas pitorescas, o ministro do
STF Marco Aurélio de Mello recebeu uma petição escrita em italiano, inglês e francês. "Pedi um novo texto e mencionei o Código de
Processo Civil, que diz ser obrigatório o uso do vernáculo, considerados os vocábulos que são compreendidos por todos."
O juiz federal Novély Vilanova,
autor de "O que não se deve dizer", afirma que o rebuscamento
contribui para a morosidade.
"Cada ciência tem a sua terminologia. Mas não se compreende,
por exemplo, o uso de "remédio
heróico" no lugar de mandado de
segurança. Se o juiz não é claro, o
advogado pede esclarecimentos e
retarda o serviço jurisdicional."
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