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ELIO GASPARI
Lula é o seu próprio
dragão
Lula deveria dar uma trégua aos seus ouvintes. Na
condição de presidente, suas
falas têm um valor pedagógico que independe tanto de sua
vontade como de sua sintaxe.
Ele vem fazendo mau uso dessa atribuição. Agora acusou
"alguns conservadores da
área madeireira" pela anarquia e pelas delinqüências da
floresta paraense.
O companheiro acha que
"conservador" é sinônimo de
bandido? Para mencionar
apenas políticos que já saíram
da fotografia, foram conservadores o inglês Winston
Churchill, o americano Ronald Reagan e o alemão Helmut Kohl. O primeiro salvou
a civilização ocidental do nazi-fascismo, o segundo devolveu a confiança ao Império
Americano e o terceiro unificou a Alemanha. Conservador é uma expressão política
muito mais séria do que "petista". Conhecem-se as propostas e os compromissos dos
conservadores do século 20 e
pode-se especular quais idéias
defenderão no 21. Ganha
uma viagem a Cuba no AeroLula quem for capaz de fazer
isso com o PT Federal.
Lula mostra gosto na construção de um dilema político
no qual encarna um são Jorge
que enfrenta dragões conservadores. É empulhação da
boa, porque se baseia na satanização da outra parte. Está
fazendo com os outros o que
fizeram com ele. Se essas construções alopradas assombrassem discursos improvisados,
seria possível dar um desconto. Os "conservadores da área
madeireira" foram uma produção do "Café com o Presidente". Trata-se de uma conversa gravada, da qual podem-se retirar impropriedades e cacos de vidro.
Lula consumiu 25 anos do
seu tempo (e do alheio) caçando o dragão do governo.
Tendo chegado ao Planalto,
estilhaçou o bestiário. Ora
ataca a ordem mundial, ora
refere-se aos séculos de injustiça que antecederam sua
chegada à manjedoura do palácio. O bicho faz-lhe uma
enorme falta. Ou Lula se livra
desse dragão ou, numa tarde
de Brasília, olhando para a
própria sombra, descobrirá
que o dragão é ele.
No mesmo discurso dos madeireiros conservadores ele
anunciou: "Atingimos a
maioridade no controle da
nossa Amazônia e no controle
das nossas florestas". Enquanto a fantasia medieval
serve para a sua autoglorificação, tudo bem. É um modelo cansativo, mas não faz mal
a ninguém. Quem teve oito
anos de FFHH não haverá de
se incomodar com vaidades
presidenciais. Quando a fantasia isola um pedaço da sociedade (a elite, os conservadores, os ricos, os convidados
de Ronaldinho), o jogo fica
mais pesado. Há nele um
cheiro de Hugo Chávez, mas,
ainda assim, é direito de Lula
jogá-lo. O que não se pode fazer é ofender o conhecimento.
Como ele mesmo gosta de dizer, neste-país-ninguém-tem-o-direito de confundir bandidos com conservadores.
Do último "Café com o Presidente", resta um mistério.
Lula disse mais o seguinte: "E
esses, que se precipitaram e
mataram pessoas, terão que
ser punidos. O lugar que está
reservado a esses cidadãos,
tanto aos assassinos quanto
aos mandantes, chama-se cadeia". O que vem a ser uma
precipitação na Terra do
Meio? Como se pode dizer que
o pistoleiro Rayfran das Neves
Sales precipitou-se ao dar seis
tiros na irmã Dorothy Stang?
É coisa que só Lula sabe.
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