São Paulo, Terça-feira, 23 de Fevereiro de 1999
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JANIO DE FREITAS Ajuda aos ricos

Tão fácil quanto criticar os europeus pela barreira alfandegária a produtos agrícolas estrangeiros, como fez Fernando Henrique Cardoso na abertura do Fórum Mercosul-Europa, seria fazer uma perguntinha a respeito:
"Por que os europeus fazem isso?"
Pela maneira como a queixa foi feita, parece que os europeus só querem chatear os brasileiros. Ou os sul-americanos, porque as lamúrias são generalizadas e antigas. Daí que a perguntinha teria utilidade: não encontrando motivo para a chateação suposta, a busca de resposta acabaria por concluir que as taxas alfandegárias são usadas, onerando as importações, para proteger a agricultura européia de concorrências desiguais.
Por algum motivo insondável, os governantes sul-americanos, bem representados no discurso de Fernando Henrique, não conseguem perceber o sentido da política alfandegária da Europa. Ou, do contrário, já teriam percebido que sua atitude só resulta em vexames.
Mas perceberiam, também, algo um pouco mais grave. E incômodo. É a evidência de que o contraste entre sua posição e a dos governantes europeus, em relação aos respectivos produtos, conduz a outra questão: qual das atitudes é justificável, a da Europa, com certas restrições à importação, ou a sul-americana, de portas abertas em nome da globalização?
A resposta está na seguida prosperidade dos países europeus, há mais de 50 anos, o que não poderia ocorrer senão pela aplicação dos governantes às causas das respectivas sociedades nacionais. Logo, é tolo cobrar-lhes simplesmente o fim das suas barreiras, apenas para que brasileiros e outros possam exportar-lhes mais.
O lado de cá é incapaz de formular propostas que adaptem sua necessidade de exportar à defesa que os europeus fazem da sua economia. Com o resultado assim refletido por Fernando Henrique: ""De 90 a 96, as importações de produtos da União Européia pelos países do Mercosul aumentaram 274%, mas as exportações cresceram 25%."
Dados oferecidos ao Fórum como um queixume, quando, na verdade, sua exposição não é mais nem menos do que um vexame, que algum pudor presidencial reclamaria evitar. Até para sustar mais uma pergunta possível: e, diante da disparidade notada, o que fizeram os presidentes do Mercosul em defesa dos seus países?
Não reconhecer que os governos europeus agem em perfeita coerência com seus interesses nacionais, entendendo que a regulação de tarifas de importação não é mais do que uma forma de política econômica e social, fica muito bem para os pregadores do neoliberalismo globalizante. Mas lhes cai muito mal se são governantes, porque suas ultraliberalidades só beneficiam países alheios. Como demonstram os números citados por Fernando Henrique.


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