São Paulo, Terça-feira, 23 de Fevereiro de 1999
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CELSO PINTO
Uma defesa dos juros altos

Apertar a política monetária, ou seja, subir os juros, ajuda a reverter desvalorizações cambiais exageradas com pouco aumento da inflação e acelera a recuperação econômica. Exceto quando o país passa por uma crise bancária.
As conclusões são de um trabalho de dois economistas do FMI, Ilan Goldfajn e Poonam Gupta, de fevereiro deste ano, que tem provocado bastante discussão interna e traz óbvias implicações para o caso do Brasil. A originalidade do trabalho é que ele não discute a questão apenas teoricamente.
Os dois examinaram uma amostra de 80 países, durante um longo período, que vai de janeiro de 1980 a janeiro de 1998. Identificaram 99 episódios de crises cambiais que levaram a desvalorizações exageradas, posteriormente revertidas. Em metade dos casos, o pico do exagero aconteceu rapidamente, até três meses depois da crise, e foi revertido ao longo de 12 a 24 meses.
O trabalho, "Does Monetary Policy Stabilize the Exchange Rate Following a Currency Crisis?", é um "IMF Working Paper" e tem gerado controvérsias. A conclusão geral, de que juros altos ajudam a reverter o câmbio minimizando a inflação, reforça a política seguida pelo FMI.
No entanto, a constatação de que, quando os países passam por crises bancárias, a política de altos juros reduz e não aumenta as chances de sucesso dá razão aos críticos da política do FMI na Ásia, como o economista-chefe do Banco Mundial, Joseph Stiglitz, e Jeffrey Sachs, de Harvard. Atiça, também, mais controvérsia no caso do Brasil.
O trabalho define o que seria um câmbio de equilíbrio. Identifica que em 99 casos a desvalorização ficou pelo menos 10% acima deste nível.
Este excesso pode ser revertido pela valorização da moeda local, por uma inflação mais alta ou por uma combinação de ambos. Por várias razões óbvias, é melhor reverter o excesso com o mínimo de inflação. O sucesso é definido quando pelo menos metade da reversão do câmbio acontece pela valorização da moeda local. Em um terço dos casos houve reversão bem-sucedida.
O "paper" define política monetária apertada aquela na qual os juros reais médios depois da crise são superiores à média dos 24 meses anteriores. A partir daí, são calculadas as chances de sucesso na reversão com e sem o uso de política monetária apertada.
Os resultados são inequívocos. Para um excesso de desvalorização de 10%, as chances de sucesso com juros altos são de 38% e sem eles de 28%. Com desvalorizações de 15%, as chances são de 37% e 26%. Para 25% de desvalorização, as chances são de 40% e 21%.
Quando, no entanto, o trabalho olha para os casos de países que passavam por crises bancárias, o resultado é o oposto. Para excessos de desvalorização acima de 15%, por exemplo, as chances de sucesso com juros altos são de 29%, enquanto com juros baixos são de 45%.
A análise dos 99 casos mostra ainda que, nos países que seguiram políticas monetárias apertadas, houve uma reversão mais rápida no déficit em conta corrente, a inflação foi menor e, paradoxalmente, a recuperação do crescimento econômico foi mais rápida.
Quais as lições para o Brasil? Goldfajn, que está deixando o FMI esta semana para ser professor da PUC do Rio, é o primeiro a aconselhar cautela. Ele admite que, em países com dívidas internas altas e forte memória de indexação, talvez a eficácia dos juros altos seja discutível. Seria preciso testar a hipótese.
Ele não fez uma simulação para o Brasil de hoje, mas, supondo que a necessidade de correção cambial fosse de 20%, hoje haveria um excesso de desvalorização em torno de 30%. Usando as conclusões do "paper", as chances de sucesso na reversão (isto é, de ter uma inflação de 15% e uma valorização do real de 15%) seriam de 33% com uma política monetária apertada e de 26% sem ela.
Política monetária apertada seria algo acima de 20%, que foi a média dos juros reais, acima da inflação, nos últimos dois anos. Os 39% de juros atuais são uma política frouxa se for anualizada a inflação esperada para os próximos três meses (2,5% ao mês, ou 35% anualizado). Olhando mais em perspectiva, contudo, os mesmos 39% poderão representar uma política apertada, se a inflação ficar abaixo de 19% nos próximos 12 meses.
Um dos dilemas do Brasil e do FMI será definir o horizonte a considerar para calibrar os juros.


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