São Paulo, sexta-feira, 23 de março de 2001

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JANIO DE FREITAS

Ame-o ou dane-se

Como se governar por medidas provisórias não bastasse para negar o regime democrático e definir o governo como inconstitucional, Fernando Henrique Cardoso deu o retoque final na caracterização do estado institucional em que o Brasil está.
Depois de determinar uma garfada nos assalariados e nas empresas, à maneira da cometida pelo primeiro e esclarecedor ato de Collor na Presidência, Fernando Henrique consagrou seu ato com esta proclamação: "Quem não gostar que vá à Justiça e fique esperando".
É exatamente o mesmo sentido, a mesma essência do "ame-o ou deixe-o". É a mesma truculência, a mesma incivilidade, a mesma redução mental. A diferi-los, só as circunstâncias formais proporcionadas pela fantasia de constitucionalidade, criada para o governo Collor, despida no governo de Itamar Franco e restaurada por Fernando Henrique.
A diferença nem precisaria existir, não fora a incapacidade intelectual dos chefetes militares e dos sequazes ideológicos da ditadura de perceber que poderiam fazer, com todas as vantagens, tudo o que lhes era fundamental sob a máscara de regime democrático. Afinal de contas, os seus decretos-lei estão aí com o nome de medidas provisórias. O arrocho salarial é muito mais forte e duradouro que os da ditadura. Para esvaziar o movimento sindical, era só provocar desemprego como o atual. A docilidade do Congresso não requer mais do que a impudicícia de comprar a maioria parlamentar com cargos e favorecimentos, e a Constituição será estuprada "legitimamente", como tem sido.
O Fundo de Garantia do Tempo de Serviço pertence ao assalariado, em cujo nome e conta foram feitos os depósitos com parte extraída do salário e parte devida pelo empregador. Por isso os tribunais sentenciam o governo a repor a correção de 68,9% extorquida do FGTS pelos desastrosos planos Verão e Collor.
A medida determinada por Fernando Henrique, para cumprir a decisão judicial, começa por se disfarçar de um entendimento com sindicalistas que, todos sabem, estão longe da ter representatividade para falar em nome dos usurpados no FGTS. Como complemento da farsa, duas extorsões para aparentar a anulação das extorsões anteriores.
Com exclusão dos sonegadores de praxe, as empresas já depositaram sua parte do FGTS e não têm responsabilidade alguma na usurpação feita pelos planos econômicos. Logo, impor-lhes que paguem parte substancial do rombo, segundo supostas negociações de que foram excluídas, é descabido e truculento. E prejudicial a todos os detentores de FGTS e ainda ao restante da população, porque é óbvio que as empresas vão buscar em aumentos de preços as suas novas contribuições compulsórias. E vamos todos pagar os aumentos.
Os direitos dos detentores de contas do FGTS são os mesmos para todos. Na legislação. Para Fernando Henrique e seus camaradas de "solução" -uns poucos sindicalistas, se havia, e um punhado de pelegos- parte dos detentores de FGTS deve ser punida com nova extorsão, por ter sido extorquida no passado. Esse segmento seria descontado em até 15% do que lhe é devido, para colaborar com o montante de R$ 5 bilhões na devolução dos R$ 39,9 bilhões extorquidos pelos planos. Ou seja, perde à força parte do que é seu, para receber parte do que lhe foi usurpado. E quem não gostar que se dane.


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