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DOMINGUEIRA
Brasil na TV
MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
Editor de Domingo
Talvez não exista universo
mais impermeável à isenção do
que o do futebol. Território de
paixões, frustrações, projeções,
o velho "esporte bretão" ocupa
uma fatia considerável da vida
emocional dos brasileiros e de
muitos outros povos.
O envolvimento com o futebol
é quase sempre um fato da infância. Antecede a maturidade,
embora, como tudo, possa vir a
se modificar com ela.
O jornalista de futebol, antes
de sê-lo, foi quase sempre um
torcedor. Vestiu camisa, gritou
"é campeão", abanou bandeirinha. Alguns preservam abertamente a preferência clubística,
outros a dissimulam, outros,
ainda, procuram relegá-la a
um passado afetivo, reconstruindo sua relação com o esporte em favor de uma persona
isenta, que muitas vezes, de fato, acaba por se impor.
Em qualquer desses casos, o
ofício pode ser bem exercido,
embora muitos considerem que
preferência clubística e bom
jornalismo sejam incompatíveis.
Quando trata-se, entretanto,
de "torcer pelo Brasil", as coisas
tornam-se um pouco mais complicadas. Às vezes completamente ridículas, caso da transmissão da Globo do último jogo
entre Palmeiras e a equipe argentina do River Plate pelo torneio Libertadores de América.
O locutor Galvão Bueno é
uma instituição nacional-popular versão Globo. Gerações
de todas as classes habituaram-se a acompanhar eventos esportivos sob seu comando. Mesmo
quem não gosta sabe, ao ouvir
sua voz, que alguma coisa "importante" do mundo dos esportes está acontecendo na TV.
A estratégia da emissora é conhecida: o locutor é o chefe de
torcida da audiência verde e
amarela. Comporta-se ao microfone como um sujeito das arquibancadas, só que com um
pouco mais de "conhecimento"
da matéria.
Na transmissão do jogo Palmeiras e River Plate, a idéia era
transformar o Palmeiras, como
insistia Bueno, "no Brasil na Libertadores".
Feita a indigesta mágica, passou ele a narrar a partida como
se fosse uma guerra entre Brasil
e Argentina, com todos os preconceitos e sentimentos sórdidos envolvidos, ficando a informação e a isenção suspensas
por lei marcial. Algumas pérolas da transmissão:
"É claro que estamos todos
torcendo pelo Palmeiras, mas a
barreira não estava a 9m15, como manda a lei" (ao comentar
uma cobrança de falta a favor
da equipe brasileira).
"O Galhardo pode fazer tudo,
porque tudo que encostar nele é
falta. Ele é desses jogadores baixinhos e habilidosos que se jogam e simulam pênaltis" (sobre
o craque argentino, que faz o
que qualquer "baixinho habilidoso", como o brasileiro Romário, por exemplo, faz -no caso,
despertando elogios do tipo
"experiente e malicioso").
"Eles sempre entram com a
pose de reis do universo, mas
quando o resultado não vem,
começam a bater" (sobre os argentinos).
E por aí foi. Como simples interessado em ver uma boa partida de futebol fiquei pasmo.
Imagino o que um cidadão argentino, residente no Brasil, deve ter sentido.
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