São Paulo, Domingo, 23 de Maio de 1999
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ELIO GASPARI
O incorrobúvel contra o imbafefe

Faz muito tempo. O deputado Guerreiro Ramos (o primeiro sociólogo a chegar ao Congresso) fez uma longa exposição aos colegas de bancada do PTB. Usou sua linguagem habitualmente empolada e pediu a opinião da platéia.
O deputado gaúcho Temperani Pereira, homem de grande vivacidade e senso de humor, deu-lhe a sua:
"Professor, diante de sua exposição, asseguro-lhe que permanecerei incorrobúvel e imbafefe".
Todos fizeram que entenderam e é provável que o professor tenha pensado que recebera um elogio.
Diante da polêmica entre o ministro Pedro Malan e o ecotucano Luiz Carlos Mendonça de Barros, pode-se dizer que ela é uma versão do conflito do incorrobúvel com imbafefe. Não quer dizer nada, mas soa bem.
O incorrobúvel Malan diz que há por aí uma "nostalgia dos anos 50". Já o imbafefe Mendonça de Barros acredita que "talvez a versão do ministro se encaixe na Suécia, não no Brasil".
Com graus variáveis de precisão, repetiram coisas que se podem ouvir, há tempo, de FFHH. No caso das idéias suecas de Malan, talvez fosse melhor dizer suíças. FFHH sustenta que o pessoal da ekipekonômika tem duas características. Eles pensam que estão na Suíça e nunca viram uma ema andando de lado. Afora isso, estão sempre de roupa escura, com o apocalipse na pasta.
Acreditar que Malan e Mendonça sejam capazes de divergir porque um quer a estabilidade e o outro quer o progresso (ou um quer o desemprego e o outro quer a inflação) é cometer uma injustiça à inteligência de ambos. O centro do debate não está num antagonismo entre as idéias de Malan e Mendonça, mas na contradição entre dois FH. O real, que quer a estabilidade, e o virtual, que chama recessão de desenvolvimento.
Indo mais adiante, está no fato de que o FH real, o Malan sueco e o Mendonça progressista arruinaram a economia nacional conduzindo-a de forma inepta. Não se trata de saber se o copo deveria ter sido servido pela esquerda ou pela direita. O que eles serviram era veneno. Todos três sustentaram a sobrevalorização do câmbio e a política de juros que ela exigia. Isso custou algo como US$ 100 bilhões, as maiores taxas de desemprego da história e pelo menos dois anos de estagnação econômica. Fracassaram.
Quando Mendonça chama Malan de sueco, atira no que viu e acerta no que não viu. Em julho de 1994, como presidente do Banco Central, Malan justificou a primeira explosão da taxa de juros (com o propósito de segurar o câmbio) com o seguinte argumento:
"Há pouco tempo, o Banco Central da Suécia elevou drasticamente a taxa de juros doméstica tentando evitar um ataque especulativo contra a coroa. A taxa de juros, anualizada, chegou a 500%. Ninguém saiu em campo alertando para o efeito negativo que taxas de juros daqueles níveis teriam sobre a atividade econômica, o emprego, o investimento produtivo e o endividamento público ou privado. (...) Não somos suecos, americanos ou europeus, mas é preciso que também não nos deixemos aprisionar pela miopia de curto prazo que analisa e projeta para o futuro taxas de juros nominais de um dia que, sabemos todos, são insustentáveis por períodos prolongados de tempo".
O professor acenava, sem prometer, com juros reais (em dólar) de 6% ao ano. Deixou de dizer (e talvez de se lembrar) que o governo sueco subiu os juros por menos de uma semana. Viu que era fria, desvalorizou a coroa e foi em frente. A miopia de curto prazo (de olho na reeleição de 1998) levou o governo a produzir quatro anos de populismo cambial. Os juros reais nunca estiveram abaixo de 16% ao ano. Quem viveu do papelório fez a festa. Quem vivia do trabalho perdeu o emprego ou, no mínimo, um pedaço do salário.
O que há por aí não é um debate entre duas concepções. É um disfarce do fracasso.
Malan continuará incorrobúvel, e Mendonça, imbafefe. Quanto a FFHH ,continuará colecionando histórias espirituosas a respeito de ambos.

Mentiroso
Em novembro do ano passado, o doutor Paulo Maluf disse que o ministro José Serra entregou ao signatário uma das cópias das fitas do BNDES. Foi chamado, aqui, de mentiroso.
Dias depois, desmentiu que ele tivesse feito a afirmação. Foi novamente chamado de mentiroso, pois a fizera.
Na ocasião, por intermédio de uma carta de sua assessoria, Maluf informou que "não disse que o ministro José Serra entregou ao jornalista documentos do suposto dossiê Cayman".
Também era mentira. Maluf fizera a afirmação em Brasília, vestindo terno preto, camisa branca e uma carnavalesca gravata estampada em tons de azul. A cena foi transmitida pelo "Jornal da Record", do jornalista Boris Casoy, em cujo arquivo ainda pode ser encontrada.
Na semana passada, retornando de Monte Carlo, Maluf voltou ao assunto, dizendo que o ministro José Serra entregou ao signatário os documentos do suposto dossiê Cayman.
O mentiroso mentira ao dizer que Serra dera os documentos, mentiu ao se desmentir e voltou a mentir repetindo o que desmentira.
O ministro José Serra entregou ao signatário uma cópia das mensagens que os chantagistas que manipulavam o papelório chamado de dossiê Cayman lhe mandavam. Os documentos que a parentela e a periferia malufista tentaram divulgar (sem sucesso) à custa do PT nada têm a ver com essas mensagens. Esse é um problema que o doutor Paulo Maluf poderá resolver contando a verdade à Polícia Federal. O doutor Paulo será chamado aqui de mentiroso todas as vezes em que voltar a repetir essa patranha.

Elizabeth Arden
Está com um pé na cova uma das idéias mais malucas e perdulárias incluídas nos festejos dos 500 anos do Brasil. Inventou-se uma exposição internacional que viajaria a 12 países com um módulo central e uma área destinada a mostrar a participação de cada nação na formação do Brasil. Iria à França, Inglaterra, Itália e Estados Unidos (o circuito Elizabeth Arden) e mais Espanha, Japão, Alemanha, Polônia, Holanda, Israel, Líbano e Angola.
É maluquice porque não faz sentido gastar o dinheiro dos brasileiros para mostrar aos holandeses (ou americanos) a importância que eles por cá tiveram. Se estão interessados, que paguem pelo espetáculo. Ademais, essas exposições servem para pouco mais que os coquetéis de suas inaugurações. A elas vão, com o ouro do erário, os organizadores e os amigos dos organizadores.
Se esses argumentos estivessem errados, um detalhe deveria ter constrangido as cabeças pelas quais tramitou a idéia. Listaram-se 12 países. Do continente europeu, seis. Do continente africano, de onde partiu (à força) a maior massa humana do processo de constituição do Brasil, só Angola. Países como o Benin e a Nigéria, nem pensar.

O medo do grampo
Surgiram uma nova expressão e um novo hábito no mercado financeiro. A expressão é "bolha eletrônica". Trata-se de uma sala minuciosamente examinada, livre de grampos. Quando a conversa é séria, os interlocutores vão para essa sala.
O novo hábito é a compra de celulares pré-pagos. Como são vendidos em supermercados, sem que os compradores se identifiquem, seus donos podem se colocar fora do alcance da quebra de seus sigilos telefônicos.
(Esse recurso não livra as pessoas dos grampos alheios. Se ela liga para um aparelho grampeado, cai na malha.)

Um ministério de FFHH para FFHH
FFHH vem matutando a hipótese de uma reforma ministerial instantânea, surpreendente. Num governo que não conseguiu guardar o segredo da desvalorização da moeda, seria ingenuidade acreditar que uma coisa dessas levasse mais de uma semana para estar nos jornais. A vontade existe, mas a mudança não é para já. A idéia da reforma instantânea tem um só objetivo: deixar o presidente de mãos livres.
O melhor que os partidos da coligação governista têm a fazer é anunciar que o presidente está livre de qualquer compromisso para uma eventual reforma. Pode nomear quem quiser, e cada ministro nomeado pode mudar a equipe de seu segundo escalão como bem entender. Essa providência é conveniente porque a opinião pública já mostrou a Brasília o tamanho de seu desprezo pela política de balcão. Mesmo as pessoas que têm má opinião a respeito do governo de FFHH reconhecem-lhe o direito de nomear seus ministros com inteira liberdade. Até gostariam que o fizesse, para definir as responsabilidades.
Resta um forte argumento: com a economia estagnada, o Brasil não aguenta um novo piripaco financeiro. Há indicações de que ele pode vir. Quando o presidente do Federal Reserve Bank, Alan Greenspan, aconselha os países emergentes a evitar dívidas e a pararem de acreditar nas políticas de juros altos, só não se acautela quem não quer. Há dois anos o secretário do Tesouro dos EUA, Robert Rubin, avisou que os dias do dinheiro fácil e dos juros baixos podiam acabar. A ekipekonômica apostou no contrário e deu no que deu.
Se não acontecer nada, FFHH fica com o ministério dos seus desejos. Se acontecer, terá à mão o time que escolheu.

Desemprego é bom e tucano gosta
Enquanto existir o PSDB, as campanhas eleitorais serão abrilhantadas pelo uso, por seus adversários, de algumas frases do artigo publicado pelo diplomata José Vicente Lessa na sua revista de pesquisas e estudos "Idéias & Debate". Seu título, colocado na capa da revista, pergunta: "Será o Desemprego Necessariamente um Mal?".
Lessa, que está empregado no Ministério de Projetos Especiais, procurou mostrar as mudanças pelas quais o mercado de trabalho está passando em todo o mundo. Ele argumenta que, havendo um seguro social, o trabalhador desempregado pode se tornar um "cidadão plenamente útil", em vez de ficar arquivado num estoque de força de trabalho "de reserva".
Depois, cometeu a seguinte pérola: "Sob este prisma, o desemprego estrutural não precisa ser visto como algo necessariamente ruim".
Lessa tem razão. O problema está no prisma. O governo de FFHH e do partido que edita a revista na qual saiu o seu artigo não acrescentou um só centavo ao sistema de seguro social que recebeu de seus antecessores. Pelo contrário, mutilou-o.
O tucanato deu à choldra a visão de uma nova sociedade na qual ela tem menos direitos, enquanto preservou para si todas as regalias possíveis.
O doutor Lessa, por exemplo, é um primeiro-secretário da carreira diplomática, à qual chegou por concurso. Seu serviço vale um pouco mais de R$ 5.000 por mês. Com esse dinheiro, vive-se muito bem em Brasília, mas a tucanologia lhe deu o direito de viver num apartamento funcional, coisa que muitos dos seus colegas não têm.
Com cinco paus por mês e casa a preço de banana, o doutor Lessa foi convidado para trabalhar no Ministério de Projetos Especiais (o que isso significa, ninguém sabe). Por ter trocado de prédio e de sigla, faturou um DAS pelo qual leva da Viúva um adicional R$ 900 por mês. Visto por esse prisma, em vez de ser apanhado pelo desemprego estrutural, Lessa vive sob os benefícios da acumulação conjuntural.
Vale registrar que Lessa procurou apenas expor idéias que julga corretas. Quem resolveu publicar o seu artigo, colocando-lhe o título na capa da revista, foi o PSDB.

Poesia
Elizabeth Bishop
É uma maravilha o livro "Poemas do Brasil", da poeta americana Elizabeth Bishop (1911-1979), que viveu entre Rio de Janeiro e Ouro Preto, de 1951 e 1965. São 16 poemas, em edição bilíngue, esplendidamente traduzidos por Paulo Henriques Brito. Com 47 anos e três livros de poesia publicados, ele é professor de tradução da PUC-Rio.
Adiante, vão trechos do poema "O Ladrão da Babilônia", no qual Bishop conta a morte do bandido Micuçu, apanhado pela polícia num morro de Copacabana, em 1964:

"Nos morros verdes do Rio
Há uma mancha a se espalhar:
São os pobres que vêm pro Rio
E não têm como voltar.
São milhares, são milhões,
São aves de arribação,
Que constroem ninhos frágeis
De madeira e papelão. (...)
Tem o morro do Querosene,
O Esqueleto, o do Noronha,
Tem o morro do Pasmado
E o morro da Babilônia.
Micuçu era ladrão
E assassino sanguinário.
Tinha fugido três vezes
Da pior penitenciária. (...)
Micuçu viu um soldado_
Isso foi às oito e dez_
E tentou dar um tiro nele
Errou pela última vez.
Micuçu ouvia o soldado
Ofegante, esbaforido,
Tentou se embrenhar no mato,
Levou uma bala no ouvido.
Ouviu um bebê chorando
E sua vista escureceu.
Um vira-lata latiu.
Então Micuçu morreu. (...)
Nos morros verdes do Rio
Há uma mancha a se espalhar:
São os pobres que vêm pro rio
E não têm como voltar. (...)"

(Ao contrário do que Elizabeth Bishop supôs, e do que se anunciou à época, o bandido Micuçu não morreu no morro da Babilônia. Foi capturado vivo e assassinado no Aterro do Flamengo.)

Curso Madame Natasha de piano e português

Madame Natasha tem horror a música. Ainda assim, acha que é melhor inventar que o governo pagaria R$ 800 mil a um artista para cantar na festa de aniversário de FFHH do que presentear a banca com R$ 5 bilhões na festa da desvalorização. Ela concedeu mais uma de suas bolsas de estudo ao ministro do Desenvolvimento, Celso Lafer, pela conclusão a que chegou depois de enumerar as virtudes do programa de reformas do governo:
"Com a melhoria do quadro macroeconômico, os impactos dessa agenda serão maiores. O desenvolvimento se constrói em tempo real".
Madame acha que ele quis dizer o seguinte: "Se as coisas forem bem, bem irão".

Boa notícia
Apesar da irregularidade das chuvas, neste ano não haverá seca no Nordeste. Em algumas regiões, a água será insuficiente para encher os grande reservatórios, mas a safra será pouco afetada.
Se a lavoura sofrer, a área atingida será bem menor que a do ano passado.


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