São Paulo, Domingo, 23 de Maio de 1999
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Cirurgias foram trocadas por votos em 94

do enviado a Itabuna (BA)

Na memória dos mais velhos, as colinas ovaladas e muito verdes nas imediações de Pau Brasil (566 km ao sul de Salvador), eram o posto indígena Caramuru. A área é hoje conhecida como São Lucas/ Novo Mundo, fazendas que os hã-hã-hãe recuperaram na Justiça.
Os índios falam português, vestem-se com roupas envelhecidas, de gente pobre: camisetas e bermudas, sandálias de dedo e bonés. Dividem-se entre católicos e batistas. A língua e as tradições foram ficando pelo caminho, ao longo dos anos de diáspora como trabalhadores rurais.
"Eu fui para fazer uma consulta médica em Camacã, em 15 de março de 94, e o médico disse que precisava operar", diz Mercy Silva Queiroz, 30. Ela tinha dois filhos e apenas 26 anos quando sofreu cirurgia para ligadura das trompas.
Revelou, no cadastro, que era moradora da área indígena. Não lhe disseram que índia só poderia operar com autorização da Funai. "Depois perguntaram se eu era eleitora e tinha parente que votava. Pediram voto para o dr. Roland."
As histórias são muito semelhantes umas às outras. Ilsa Rodrigues da Silva Pataxó, 28, foi "convidada" a se esterilizar -recebeu o recado por uma parente- por uma pessoa chamada Daniel, que se apresentou como amigo de Roland Lavigne. Ela e uma prima foram levadas no carro dessa pessoa, em 31 de maio de 94. As duas índias mostraram o título de eleitor, e Daniel pediu a ambas que votassem em Lavigne para deputado federal.
"Na época achei que a ligadura seria importante para nós, mas hoje percebi que é uma coisa que prejudica o futuro do índio."
Jovenina Santos Pataxó foi esterilizada aos 31 anos. "Falavam que era bom para a gente, já que a gente não tinha ajuda do governo". Diz ter sido operada "na época da política, quando eles falaram para a gente operar em troca do voto".
Disse nunca ter sido informada sobre pílula, preservativo ou outros métodos anticoncepcionais. "Nunca dão esse tipo de explicação para índios. Na cabeça da gente, quem não operava tinha um filho atrás do outro", afirmou.
Foi abordada por um homem que se ofereceu para operá-la de graça. Foi num sábado, dia que os índios vão a Pau Brasil para vender na feira os legumes que cultivam.


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