São Paulo, domingo, 23 de julho de 2000


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PÚBLICO x PRIVADO
Procuradoria usará arquivos de CPIs antigas em investigação
Governo avalia que abafou CPI sobre Eduardo Jorge

ELIANE CANTANHÊDE
DIRETORA DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O governo encerrou a semana avaliando que afastou a possibilidade de uma CPI no Congresso e concentra agora o seu temor numa outra frente: o Ministério Público, de onde podem surgir novos indícios e fatos.
Setores da oposição fizeram uma "dobradinha" com os procuradores que investigam o envolvimento do ex-secretário-geral da Presidência Eduardo Jorge com desvio de dinheiro público. Isso pode funcionar como uma CPI informal.
Na segunda-feira passada, o senador José Eduardo Dutra (PT-SE), um dos mais atuantes da CPI do Judiciário -que detonou o caso do TRT-SP-, entregou peça que pode ser decisiva: um CD-ROM com todas as quebras de sigilo obtidas ao longo dos trabalhos.

Encol
O detalhe fundamental é que o CD-ROM inclui também parte de investigações feitas por uma outra CPI, a do sistema financeiro. A desconfiança de senadores e de procuradores é que possa surgir algum elo de Eduardo Jorge com bancos e empresas privadas que foram alvos da comissão.
Há, inclusive, uma fita da TV Senado com um depoimento do dono da Encol, Pedro Paulo de Souza, à CPI do sistema financeiro, contando a interferência de Eduardo Jorge para tentar evitar o colapso da empreiteira.
Procuradores e senadores acham que a base de investigações é exatamente o material colhido pelas duas CPIs, mas não focado à época de suas atuações em Eduardo Jorge. O que falta é um "pente fino" no que já existe.

Eixos
Conforme a Folha apurou, haverá agora uma inversão de eixos. Na CPI do Judiciário, o primeiro eixo foi o ex-juiz Nicolau dos Santos Neto, hoje foragido. A partir dele, chegou-se ao senador Luiz Estevão de Oliveira, que acabou cassado. A partir de ambos, raciocinam, está na hora de "pegar Eduardo Jorge".
À época, a CPI resvalou em Eduardo Jorge ao identificar 117 ligações do juiz para ele, quando ainda ocupava cargo no Planalto, na sala ao lado do gabinete presidencial. Mas não foi adiante nessa linha de investigação.
Além da pressão discreta e subterrânea dos governistas, houve também uma questão de conveniência da própria oposição.
"Nossa prioridade era o Luiz Estevão. Temíamos que, se abríssemos demais o leque, o governo entrasse com tudo e acabasse prejudicando qualquer desfecho da CPI, mesmo contra Luiz Estevão. Era melhor um pássaro na mão do que dois voando", admite hoje o petista Dutra (leia texto na pág. A-6).

Prioridade
Com a prisão do juiz já decretada e o destino político do senador do DF traçado, o eixo passa a ser Eduardo Jorge. A prioridade é identificar alguma evidência, o suficiente para justificar a quebra de sigilo bancário e fiscal do ex-assessor palaciano e a convocação de testemunhas.
Até agora, essa evidência não existe. Os procuradores sabem e admitem isso em conversas reservadas. O governo também sabe e comemora.
Na avaliação governista, a imprensa começa a "perder o gás" nas investigações independentes e nas denúncias e está cada vez mais nas mãos dos procuradores.

Contra-ataque
Enquanto isso, o contra-ataque é na área econômica. A terceira queda sucessiva dos juros em um mês, com o ministro Pedro Malan (Fazenda) de férias, foi considerada no PFL como "um golpe de mestre".
A intenção é manter um certo clima de estabilidade na economia, destacar os investimentos internacionais e obter manifestações positivas do empresariado.
O cenário estritamente político também está sendo considerado sob controle, porque se somaram dois fatores: os partidos governistas uniram-se contra a criação de uma CPI, e a oposição rachou. PPS, PSB e PDT, de formas diferentes, não investiram numa CPI, já, para apurar especificamente TRT-Eduardo Jorge.
Mesmo no PT, houve uma divisão tática: os deputados Milton Temer (RJ) e Walter Pinheiro (BA) apresentaram um pedido de representação para iniciar um processo de impeachment do presidente Fernando Henrique Cardoso. Ficaram praticamente isolados.
No campo governista, o Planalto registra que o PSDB não fez mais do que sua obrigação ao defender o governo, o PFL agiu prontamente para evitar a CPI, e o PMDB praticamente acompanhou a crise à distância.
Esses comportamentos de hoje devem repercutir mais adiante. O PFL, por exemplo, já dá como certa a eleição do deputado Inocêncio Oliveira (PE) para a presidência da Câmara. Já o PMDB não deve considerar o seu presidente, Jader Barbalho (PA), virtualmente eleito para a presidência do Senado.

Divisor de águas
Numa conversa com um aliado no meio da semana, FHC disse que a crise estabelecera uma espécie de "divisor de águas".
Como todos admitem que houve um "dano irrecuperável" para o governo e não há mais votações com quórum de três quintos (emendas constitucionais), FHC poderá tentar se libertar de algumas amarras.
Na época das intensas articulações e negociações para evitar a CPI para apurar a denúncia de compra de votos para a reeleição, FHC praticamente virou refém dos partidos governistas.
O PMDB, por exemplo, impôs como quis para o ministério o deputado Eliseu Padilha (Transportes) e o senador Iris Rezende (Justiça).
Agora, diz o interlocutor de FHC, a pressão interna é para que haja o contrário: com índices muito ruins de popularidade (41% de péssimo e ruim, segundo o último Datafolha), FHC está sendo pressionado para dar absoluta prioridade para a opinião pública.
Qualquer escolha de novos ministros, por exemplo, vai considerar menos a questão partidária pura e mais o efeito sobre os formadores de opinião.

Cenários
Todas as avaliações e passos políticos, porém, dependem ainda das investigações. O governo sabe, e teme, que sempre podem surgir novidades nesse tipo de processo.
Já tirou o ministro Martus Tavares (Planejamento) da linha de tiro. Já combinou um "modus operandi" com a Polícia Federal. Já recebeu recados de Eduardo Jorge de que manterá sua fidelidade ao ex-chefe "até o fim".
Apesar de sua instabilidade emocional, o ex-ministro tem dito a interlocutores e amigos que se manterá leal ao presidente.
Essa posição de EJ se mantém mesmo em seus momentos de depressão. Sua preocupação é tentar esclarecer a natureza de suas atividades profissionais recentes.
Agora, o governo avalia que faltam três fatores para ultrapassar a atual crise, a mais séria dos dois mandatos de FHC: a versão do ex-juiz Nicolau, as descobertas do Ministério Público e o chamado "imponderável".


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