São Paulo, domingo, 23 de julho de 2000


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ELIO GASPARI

As assessorias podem explodir

Na bola
Uma equipe de seis técnicos do BNDES baixou em Curitiba e passou dois dias na Pastoral da Criança. Fuçaram tudo para descobrir uma maneira de lhe repassar recursos. É provável que o banco venha a financiar seu programa de geração de renda, que já beneficia 30 mil famílias. Como tudo o que a pastoral faz, é sucesso garantido. Ela já deve ter batido a marca dos 150 mil voluntários. São pessoas humildes, tocadas pela solidariedade e, sobretudo, pela fé católica.
Em tempo: FFHH continua batalhando a candidatura da criadora da pastoral, a pediatra Zilda Arns, para o Prêmio Nobel da Paz.
Suas chances são muito grandes. Ficarão maiores nos primeiros anos do próximo pontificado. Por hábito, a Cúria Romana sempre tem no papa um candidato ao prêmio. Quando um novo pontificado está começando, aumentam as chances de ela trabalhar outros nomes. Madre Teresa de Calcutá ganhou o Nobel em 1979, um ano depois da coroação de João Paulo 2º. D. Hélder Câmara não o ganhou em 1970 por diversos motivos, entre os quais o fato de a Cúria estar trabalhando pelo papa Paulo 6º.

Estilo 0800
Um curioso do anedotário empresarial remete algumas pérolas do estilo 0800 de gestão, colecionadas e já publicadas nos Estados Unidos:
Mensagem eletrônica de Fred Dales, da Microsoft em Redmond:
"A partir de amanhã, os empregados somente poderão acessar o prédio usando cartões de segurança individuais. As fotografias serão tiradas na próxima quarta-feira, e os empregados receberão seus cartões em duas semanas".
Também da Microsoft, de seu departamento jurídico:
"Este memorando tem por objetivo informá-lo de que um memorando será enviado hoje a respeito do assunto supra-relacionado".
Da Lykes Lines Shipping:
"Precisamos de uma lista de problemas específicos desconhecidos que iremos encontrar".
Diálogo ocorrido na semana passada, entre uma cidadã e uma funcionária de banco brasileiro:
- O registro da sua conta não existe
- Mas como você pode me dizer que não existe, se eu sou cliente há três anos?
- Não sou eu que estou dizendo, é o sistema.


Erro
Publicou-se aqui que Eduardo Jorge Caldas Pereira, como os cortesãos dos palácios, assemelha-se aos Gremlins (os bichos do filme do mesmo nome). São simpáticos durante o dia, mas não podem ser molhados depois da meia-noite, porque viram monstrinhos que se derretem à luz do sol.
O leitor Roberto Ricoy Dias corrige: o que não se pode fazer depois da meia-noite é alimentar os Gremlins.
A água não os torna malvados, apenas os multiplica. É por isso que não se deve molhar nenhuma parte do corpo de um Gremlin.

As assessorias podem explodir
Crédito: Velázquez + Alex Freitas
Legenda: Na montagem, FFHH no quadro "Las Meninas"
Poucas vezes um cortesão de Brasília teve suas atividades tão vasculhadas quanto o ex-secretário-geral da Presidência Eduardo Jorge Caldas Pereira. Uma banda das acusações que lhe fazem concentra-se no uso de sua influência para alavancar negócios de empresas depois de ter deixado o cargo. Entre as impropriedades ainda não apareceu ilegalidade. Em pelo menos dois casos, ficou claro que não foi atendido. Apesar disso, se alguém disser que Eduardo Jorge apropria-se indevidamente de oxigênio ao respirar, haverá quem acredite que seus pulmões são desonestos.
Está na hora de o governo perceber que a opinião pública repele comportamentos que ele considera corriqueiros. Quando práticas normais no andar de cima são vistas como escandalosas no de baixo, o tucanato fica de cabelo em pé, como se a escumalha não o entendesse.
FFHH poderia desmontar uma bomba que está montada debaixo da maioria dos gabinetes de seu ministério.
É a seguinte: empresas prestadoras de serviços estão sendo usadas para pagar salários de assessores de autoridades. O presidente da República recebe R$ 8,5 mil mensais e seus ministros, R$ 8 mil. Têm assessores que ganham muito mais que isso, contratados por firmas de consultoria, empresas de manutenção de equipamentos e agências de publicidade.
Basta pensar dois minutos: como a opinião pública receberá a informação de que um ministro (R$ 8 mil) tem um assessor qualificado com um salário de R$ 13 mil? Para a patuléia, não faz sentido assessor ganhar mais que ministro. Virá a explicação: ele é pago por uma empresa que presta serviços ao governo. Tudo bem. Como a opinião pública receberá a informação de que há nos gabinetes ministeriais funcionários de empresas privadas, desempenhando funções públicas?
Novamente, virá a explicação: com os salários do serviço público não se consegue contratar gente qualificada. Como a escumalha vai digerir essa informação? Ela paga a folha do serviço público, mas paga também as contas das empresas que prestam serviços e remuneram assessores. Salta aos olhos que se está praticando uma operação de mão dupla. De um lado, desmancha-se a máquina do Estado, desestimulando o interesse das pessoas qualificadas pelo serviço público. De outro, pagam-se salários de mercado (no mínimo) a pessoas que vão desempenhar funções públicas por obra e graça de uma associação entre as autoridades e as empresas privadas que lhes prestam serviços.
Dois e dois são quatro e isso vai dar em escândalo.
Como governo reclama muito de críticas sem sugestões, aqui vai uma:
Pode-se montar uma auditoria, determinando a todos os ministros e autoridades do primeiro escalão que remetam ao Planalto a lista de todas as pessoas que trabalham dentro de prédios federais recebendo salários de empresas privadas. Pode-se até estabelecer que nessa lista só devem entrar aqueles que ganham mais que o presidente da República.
Recebida a lista, FFHH chama o doutor Pedro Parente e pergunta:
"Pedro, o que é que nós vamos dizer quando essa lista estiver nos jornais?"
Se acharem que a choldra não merece explicação ou que poderão produzir uma justificativa irrepreensível, que sigam em frente.


A chapa Covas-Ciro tem mais Ciro
Quando o ministro da Reforma Agrária, Raul Jungmann, jogou no pano verde da sucessão presidencial a hipótese da formação de uma chapa Mário Covas-Ciro Gomes, não estava tirando uma excentricidade de sua própria cabeça. Ele a ouviu, não a inventou. Sabendo disso, seu interlocutor pode ter sido relevante ou irrelevante e, para uma coisa desse tamanho, só quem tem relevância é FFHH. Não se pode dizer que ele tenha esse plano, que possa vir a fazer essa proposta, ou mesmo desejá-la. É certo, apenas, que fez essa conjectura. Covas soube disso há cerca de um mês.
Lançada no meio de uma crise político-policial, a chapa Covas-Ciro passou pelo primeiro teste de sobrevivência. Jungmann não foi desautorizado por FFHH, por Covas ou por Ciro Gomes (o que não significa que qualquer dos três endosse a idéia). Vale registrar que nenhum grão-tucano atacou a sugestão de Jungmann.
Talvez Ciro Gomes já não esteja na lista dos inimigos eternos de FFHH. Ele registrou o gesto do candidato, colocando-se contra a CPI que o PT tentou formar em torno da crise de Eduardo Jorge. Mostrando que não pretende balançar o coreto das autoridades, Ciro habilitou-se até mesmo junto ao andar de cima.
A proposta é engenhosa. Embute um ponto que os costumes nacionais gostam de varrer para baixo do tapete: a saúde de Mário Covas. É possível que ele seja hoje a pessoa que fala com mais liberdade desse assunto e dos embaraços que o acompanham. Levando-se em conta esse fator, a chapa Covas-Ciro pode se transformar numa comissão de frente para uma chapa com Ciro e seja lá quem for apoiada por Covas.
Abriram-se dois novos caminhos nas conversas da sucessão: Num, Ciro apóia Covas. No outro, Covas apóia Ciro.


A educação manda maus sinais
A educação brasileira melhorou. Exatamente por isso não há por que deixá-la piorar.
O governador Anthony Garotinho precisa saber que há professoras deixando a rede pública do Rio de Janeiro, onde ganham R$ 520, para lecionar na Baixada Fluminense, onde há municípios, como Caxias, pagando R$ 720.
FFHH precisa refletir sobre o que está acontecendo com as universidades federais no Rio de Janeiro. Os números de 1998 informam que o número de formandos caiu 9%. Os diplomandos das instituições privadas aumentaram em 13%.
Em 1997 as federais formaram 7.061 pessoas no Rio. No ano seguinte, 6.423.
Pode ter sido a primeira vez que isso aconteceu com a gloriosa Universidade do Brasil.
Se isso for pouco, o ministro da Educação informa:
- Uma avaliação recente nos mostrou esse fato grave: os professores não aprendem a ensinar. Desse jeito, como vamos ter uma boa educação?
Como? Pedindo ao professor Paulo Renato Souza que faça uma avaliação recente de suas idéias.

ENTREVISTA

Luiz Pinguelli Rosa
(58 anos, físico, vice-diretor da Coordenação de Programas de Pós-Graduação em Engenharia da UFRJ)

- Falta pouco para a inauguração da central nuclear de Angra 2. O senhor sempre foi um crítico do programa que a gerou. O que ela representa?
- Um erro, produto da megalomania, da falta de discussão das políticas públicas e da atitude dos governos brasileiros de fazer as coisas sem transparência. Angra 2 deveria ter ficado pronta em 1982 e estimava-se que custaria US$ 2 bilhões. Atrasou 18 anos e deve ter custado uns US$ 8 bilhões. Seu custo de investimento por quilowatt ficou dez vezes maior que o previsto. Talvez seja a mais cara do mundo. Os alemães encheram as burras de dinheiro. Faturaram, a título de transferência de conhecimento, com carimbos de confidencialidade, artigos de revistas científicas que podiam ser compradas em livrarias. Pagamos o preço de ter governos que desconfiavam da comunidade científica.
- O governo alemão anunciou que até 2025 terá fechado todas as suas centrais nucleares. Angra 2 é mico?
- Eu não iria tão longe. O governo alemão anunciou que vai fechar as centrais daqui a 25 anos. Esse é mais ou menos o tempo de vida útil de uma usina. O mais importante é ver que eles não vão construir outras. O mico está em Angra 1, que foi comprada da Westinghouse. É uma péssima central, funciona em condições precárias e já vazou radioatividade. Na quarta-feira ela parou de novo. Angra 2 tem o benefício da dúvida. Está mal localizada. O terreno exigiu que se cravassem estacas com 40 metros de profundidade. Sua irmã gêmea, na Alemanha tem o reator protegido por paredes de 1m80 de espessura. É o necessário para absorver o impacto de um avião. As de Angra têm 60cm. Mesmo assim, acredito que, com todos os atrasos e todo o dinheiro esbanjado, acabará produzindo normalmente.
- O que se poderia ter feito para evitar esse erro?
- É fácil falar depois que o erro está reconhecido por todos, mas eu tenho o orgulho e o pesar de tê-lo denunciado há 25 anos. Energia não tem solução mágica. A hidrelétrica inunda, a termelétrica polui e a nuclear tem problemas de segurança. Na política energética os erros são cometidos porque o governo se investe de uma sabedoria que não tem, nem pode ter. Na hora em que estamos vendo em Angra 2 o monumento à megalomania da ditadura, temos o governo articulando uma nova megalomania. É a construção, de uma só vez, de 49 usinas de gás natural, coisa de US$ 3 bilhões. Essa energia custará entre R$ 75 e R$ 80 por megawatt/hora. Furnas vende a mesma mercadoria por R$ 35. O governo decide sem discutir, acha que a comunidade acadêmica é apenas um enfeite e tem o mau hábito de só ter grandes idéias. Grandes no sentido de caras. Na hora em que estamos celebrando o erro de Angra 2, iniciamos a caminhada para a celebração do erro desse exagero de usinas de gás natural.


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