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NO PLANALTO
Uma defesa de FHC
JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O presidente da República também é cul... Não,
não. Interrompa-se a frase. É cedo
para deitá-la sobre o papel. Melhor começar de outra maneira,
com um aviso: quem não gosta de
FHC que abandone já o texto.
O plano é entregar ao leitor o
peixe vendido no título: uma peça
de defesa. Assim, os que desejarem algo diferente que se sirvam
do restante do jornal. Aqui, FHC
será defendido às últimas consequências. Ainda que, para isso,
seja preciso atacá-lo.
Anote-se de saída o seguinte:
FHC não é o tolo que FHC tenta
fazer crer. Ele tampouco é o personagem alheado que seus ministros e amigos alardeiam.
O sociólogo alemão Max Weber, autor da predileção de FHC,
dizia que "a vontade do povo é
uma ilusão infantil". Pois estão
destruindo o que talvez seja a última ilusão do brasileiro: a de que
o presidente preside.
Reincidentes, os eleitores de
FHC esperavam muito dele. Supunham, por exemplo, que fosse
modificar hábitos e costumes. Jamais imaginariam que, de escândalo em escândalo, o cavalheiro
da nova ordem fosse sofrer tamanha mutação. Não se sabe que cara terá FHC ao final do processo
de metamorfose. Mas sua atual fisionomia já é desalentadora.
O presidente exibe a face de um
tonto. A pretexto de proteger-se,
diz que nada viu nem ouviu. Lava as mãos: "Se houver uma questão, ela é individual", não um caso de governo. Investigação? Ah,
isso é lá com o Congresso.
FHC ainda não se deu conta,
mas está destruindo a imagem
daquele professor da USP e da
Sorbonne, cuja reputação correu
o mundo. Resta pouco, aliás, do
antigo sociólogo.
Daí a necessidade de que alguém defenda FHC dele próprio e
de seus amigos. Retome-se, então,
a frase interrompida no primeiro
parágrafo: o presidente da República também é culpado.
Mas não se havia prometido
um texto em sua defesa? Sim, exatamente. Apontar as culpas de
FHC é, no momento, a melhor
forma de acudir-lhe a reputação.
FHC deveria convocar, ele próprio, uma entrevista coletiva.
Olharia para os repórteres e, fronte erguida, ar solene, diria, antes
de qualquer pergunta: "Sou culpado".
Não se está defendendo que assuma erros passíveis de enquadramento no Código Penal. Não.
Absolutamente. Reserve-se esse
papel para o Ministério Público e
para os partidos de oposição. O
que se pede é algo mais simples.
Por exemplo: se não quer estender a mão a alguém que o assessorou por arrastados 17 anos, que
FHC admita ter errado na escolha. Sim, escolheu mal um assessor. Por que não? Já seria um belo
começo. Melhor ainda se reconhecesse que pode ter sido omisso.
Não resolveria a crise atual.
Num primeiro momento, poderia
até acentuá-la. Mas o presidente
ao menos se livraria da maquiagem de bobo que as manifestações oficiais grudam em seu rosto.
Recomenda-se a FHC e a todos
os que à sua volta se entregam à
tarefa de satanizar a imagem de
Eduardo Jorge a leitura de "Biografia do Diabo" (Editora Record), escrito pelo argentino radicado na Espanha Alberto Cousté.
Em determinado trecho, Cousté
relata o drama de Martinho Lutero (1483-1546) em suas contendas com o diabo. Eram tantas e
tão renhidas que, depois de se casar com Catalina, uma monja,
Lutero escreveu: "Ele (Satã) dorme mais colado a mim do que a
minha Catalina".
Recorde-se, por oportuno, frase
do papa João Paulo 2º acerca do
assunto: "Onde estão os santos,
está também um outro, que não
se apresenta com seu verdadeiro
nome. Ele se chama Príncipe deste Mundo, o Demônio".
Brasília, como se sabe, é local
apreciado pelo Demo. Tenha ele o
nome que tiver. Lúcifer, Sérgio
"Cota Federal" Motta, Belzebu,
Mendonça "Fitas do BNDES" de
Barros, Asmodeu, Chico "Dólar
Barato" Lopes, Satã, Eduardo
"Lobby" Jorge...
O Maligno é frequentador assíduo dos porões do governo. Eis
um lugar a ser evitado pelas almas ingênuas, do tipo que assina
documento sem ler. É ali, nos subterrâneos, que pulsa a ilicitocracia, regime dos negócios e oportunidades, do lobby e da esperteza.
Como no caso de Lutero, o Tinhoso brasiliense confunde-se
com o santo de plantão, em cuja
nuca libera o seu hálito carregado. O Beiçudo age como se tivesse
delegação do presidente.
Ele manda vir os R$ 200 mil,
"via Amazonino", para compor a
"cota federal" da emenda da reeleição. Ele comercializa estatais
"no limite da irresponsabilidade". Ele vende dólares a preço de
banana. Ele injeta o interesse privado na arena pública.
A Brasília do tucanato reclama
a presença de um exorcista tarimbado. Se não deseja confundir-se
com o Príncipe do Mal, convém
que FHC abandone logo o papel
de jardineiro inocente em meio às
flores conspurcadas.
O verbete da enciclopédia já está comprometido. A essa altura, o
governo já assegurou o título de
omisso. É possível que a história
ainda o promova a conivente,
cúmplice.
Mas há tempo para evitar que a
pecha de apalermado grude à sigla FHC. Não cola mais, de resto,
a pregação de que as crises decorrem da ação de auxiliares sem escrúpulos, dos quais FHC prefere
se abster. A biografia do presidente -ou o que resta dela- merece
mais respeito. Seus eleitores também.
Fernando Henrique Cardoso
deveria considerar a hipótese de
sair em defesa de Fernando Henrique Cardoso. Do contrário, vai
acabar virando o inocente mais
culpado de toda a história. Ou o
culpado mais inocente, tanto faz.
E seu governo se firmará -que
Manuel Bandeira nos perdoe-
como uma espécie de Pasárgada
tucana. Uma terra em que a amizade com o rei proporciona mais
do que a mulher desejada, no leito escolhido. Ah, mais. Muito
mais.
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