São Paulo, domingo, 23 de julho de 2000


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PREFEITURA DE SP
Acusado de assinar aditamento ilegal, Carlos Alberto Venturelli afirma que está "louco" para depor
"Sistema propicia fraude", diz ex-diretor

Caio Guatelli - 24.jan.2000/Folha Imagem
Carlos Alberto Venturelli, ex-diretor do Limpurb, que diz ter sofrido pressão de vereadores para não mecanizar a limpeza em SP


DA REPORTAGEM LOCAL

Carlos Alberto Venturelli, 55, diretor do Limpurb (Departamento de Limpeza Urbana, da Prefeitura de São Paulo) entre fevereiro de 1997 e novembro de 1998, afirmou à Folha que a forma como foram concebidos os contratos da limpeza urbana propicia fraudes.
Candidato a vereador pelo PL, Venturelli diz ter sofrido pressões dos vereadores para não implantar a mecanização da limpeza.
Ele diz ter encontrado irregularidades na coleta de entulho, de lixo domiciliar e hospitalar e no departamento que dirigia.
Venturelli afirma que os contratos de varrição não eram cumpridos corretamente e que não é possível limpar toda a extensão que as empresas dizem que varrem "com a vassoura e com o gari".
Ele diz ter sido o primeiro a propor o fim da varrição de calçadas e que a resposta da prefeitura à idéia foi um convite para que ele deixasse o Limpurb e retornasse ao Contru (Departamento de Controle do Uso de Imóveis), lugar onde trabalhou por 26 anos.
Venturelli, que está sendo processado pelo Ministério Público, diz que quer prestar depoimento à Justiça. "Estou louco para depor. Tenho coisas, gostaria de colocá-las na mesa."
Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista concedida por Venturelli à Folha.
(ROBERTO COSSO)

Folha - O principal projeto que o sr. desenvolveu no Limpurb foi a tentativa de realizar uma megalicitação para mecanizar a limpeza urbana. Por que a licitação parou?
Carlos Alberto Venturelli -
Consegui montar a megalicitação, mas passei a receber pressões dos vereadores, porque a mecanização implicaria redução de custos.

Folha - Só dos vereadores?
Venturelli -
De todos os lados, mas a pressão maior era dos vereadores. Porque eu estava com carta branca, dada pelo prefeito (Celso Pitta), para mudar.

Folha - O sr. implantou a limpeza mecanizada nas marginais.
Venturelli -
Fui buscar as máquinas de varrição. Elas limpavam as marginais e cortavam a grama em dois dias. Mas, para o empresário, é melhor colocar 2.500 homens. Não dá para fazer chamada.

Folha - Que irregularidades o sr. encontrou ao chegar ao Limpurb?
Venturelli -
Cheguei com um recolhimento mensal de 180 mil toneladas de entulho por mês. Por lei, não cabe à prefeitura o recolhimento e a destinação final do entulho. Quem gera o entulho é obrigado a contratar uma empresa para fazer o transporte desse material até o aterro de inertes.
Os caçambeiros retiravam (o entulho) e o jogavam na praça pública -provavelmente em acordo com a empresa que recolhia o entulho. A prefeitura era obrigada a recolher o entulho a preço de ouro. O sistema propicia fraude.

Folha - E o projeto de reciclagem?
Venturelli -
Participei de um congresso na Espanha e mencionaram que São Paulo reciclava entulho. Quando cheguei aqui, a máquina ia ser vendida como sucata.

Folha - As empresas molham o lixo para aumentar o peso?
Venturelli -
Essa história é uma besteira. São 1.680 caminhões, 13.500 toneladas de lixo por dia que têm de chegar ao aterro no horário determinado. Você não tem como parar os caminhões para encher de água. Jogavam entulho no lixo para aumentar a densidade. Verifiquei isso em vários caminhões e puni os infratores.

Folha - E o lixo hospitalar?
Venturelli -
Um belo dia, recebemos uma carga de coco verde no lixo hospitalar. Que hospital serve água de coco para os pacientes? Fui atrás de um caminhão e cheguei ao ponto onde ele recolhia o coco. Mas a fiscalização não era da minha responsabilidade.

Folha - De quem é a responsabilidade de fiscalizar?
Venturelli -
A fiscalização é da SAR (Secretaria das Administrações Regionais), não da Secretaria de Serviços e Obras (à qual o Limpurb é vinculado).

Folha - O sr. verificou irregularidades na varrição de ruas?
Venturelli -
Eu recebia 500 denúncias ao dia, por meio do Alô Limpeza. Recebi uma denúncia de que a rua Doze de Outubro (na Lapa, zona noroeste de São Paulo) estava imunda. No mapa de varrição, ela era varrida seis vezes ao dia. Eu ia à padaria -porque o gari pára na padaria para tomar café, em troca da varrição do entorno- ou no jornaleiro.

Folha - E o que eles diziam?
Venturelli -
"Não vejo gari há três ou quatro dias." Então eu mandava a denúncia para a SAR. Todas as denúncias formuladas no departamento eram encaminhadas para a secretaria competente. Comprovar isso é muito fácil, não é preciso fiscal.

Folha - Em relação à varrição de calçadas, o sr. acredita...
Venturelli -
Saí a campo multando os donos de estabelecimento (comercial) com calçada suja. A calçada é parte integrante do imóvel e compete ao morador a sua varrição e conservação. Fui o primeiro a pedir o corte da varrição de calçadas.

Folha - Como a idéia foi recebida?
Venturelli -
Fui convidado a retornar ao Contru (e, portanto, a sair do Limpurb).

Folha - A varrição de calçadas é realmente feita?
Venturelli -
É difícil aferir se (a varrição) está sendo feita. Como é possível avaliar se a rua Doze de Outubro está sendo varrida seis vezes por dia? O fiscal tem que ficar (no local) 24 horas por dia.

Folha - Os contratos eram cumpridos com exatidão?
Venturelli -
O serviço deixava muito a desejar. Uma rua varrida seis vezes por dia deve ficar limpa.

Folha - É possível as empresas varrerem mais de 300 mil km/mês?
Venturelli -
Tecnicamente, tudo é viável. Depende da técnica implantada, mas não é com a vassoura e com o gari que você vai conseguir fazer isso.
Por isso propus a mudança desses conceitos, justamente para acabar com esse tipo de coisa. A aferição é difícil. É palavra contra palavra: se o empresário declarar que varreu, o que você vai fazer?

Folha - O sr. teve conhecimento de algum esquema envolvendo as empresas e as regionais?
Venturelli -
Esse sistema arcaico acaba propiciando esse tipo de coisa. Não há como medir. É o sistema que propicia as fraudes.

Folha - O sr. verificou alguma irregularidade no Limpurb?
Venturelli -
Quando cheguei ao Limpurb, estranhei o nível de vida de alguns funcionários administrativos. A pessoa que trocava lâmpadas usava roupas "de marca", tinha carro importado do ano, celular. O pessoal de baixo escalão tinha um nível de vida muito elevado, que não era compatível com os salários.
Coloquei uma secretária no grupo; todas as noites eles gastavam de R$ 300 a R$ 400 em um boteco ao lado. Daí eu descobri que o recolhimento feito com a venda do material reciclável não entrava na conta da prefeitura. No dia em que lacramos os cofres, havia quase R$ 100 mil.
Hoje há um processo em Proced (Departamento de Procedimentos Disciplinares) e um inquérito policial. A estimativa era que eles desviavam em torno de R$ 3 milhões por mês. Hoje, todo o recolhimento é feito em banco.

Folha - O sr. é réu em diversas ações civis públicas porque assinou aditamento aos contratos. O que o sr. tem a dizer sobre isso?
Venturelli -
Esses contratos são de 95. Foram assinados mais de 30 aditivos. Eu assinei um único termo aditivo, com o endosso de todos os procuradores de carreira da Secretaria de Serviços e Obras. Pedi, por precaução, que fosse ouvido o TCM (Tribunal de Contas do Município) e recebi um "ok".
Quem sou eu para questionar um termo aditivo elaborado por procuradores de carreira da prefeitura? Quem sou eu para questionar o endosso do TCM?
Me sinto o "laranja" da história. Não pude me defender nos processos, não houve depoimento pessoal. Estou louco para depor. Tenho coisas, gostaria de colocá-las na mesa.


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